Arquivo da Categoria: Hard-Rock

Elektra – “Elektra Na Maioridade” (editora | artigo de opinião | história)

PÚBLICO QUARTA-FEIRA, 24 OUTUBRO 1990 >> Pop Rock


ELEKTRA NA MAIORIDADE

A editora americana Elektra faz 40 anos. Os seus responsáveis tiveram uma ideia brilhante: reatualizar temas antigos, gravados por artistas da casa, através de interpretações dos atuais signatários. Revolvidos os arquivos da história, encontrou-se a palavra ideal para simbolizar o projeto – “Rubáiyat”



O termo designa uma estrofe poética, formada por dois versos facilmente memorizáveis, inventada pelo poeta persa Omar Khayyam no século XII e que o povo cantarolava, como se de refrões de música pop se tratasse. Posteriormente, em 1859, o modo “Rubáiyat” foi reatualizado por Edmund Fitzgerald, que escreveu vários “rubay” com que entretinha os seus compatriotas vitorianos. Durante cerca de 30 anos, dedicou-se a interpretar e a reinterpretar os seus próprios versos, atualizando-os constantemente. São dele os imortais versos “But still the vine her ancient ruby yelds / And still a garden by the water blows”. O “staff” da Elektra asseguram que têm tudo a ver com o aniversário da editora. Quem somos nós para duvidar? “Manhã” – escreveu o astrónomo e matemático Omar –, “deixa-nos entornar o vinho vermelho.” Então não tem tudo a ver? É o ato de emborcar, de celebrar, enfim, de arranjar à força um pretexto.

A Magia do Rubi

“Rubaiyat” é também rubi, vermelho, da cor do sangue – pedra preciosa que celebra aniversários assinalados pelo número 40. Vermelho, tal qual o logotipo da editora. As conotações são evidentes. Mas as significações do termo mergulham mais fundo, penetrando nos arcanos do universo e da magia. Rubi é pedra de telepatia, talismã que afasta os pesadelos quando guardado debaixo da almofada. Estranho: se for tocado nos quatro cantos de uma casa, protege os seus habitantes da trovoada. Além disso, irradia energia, segundo uma refração dupla que vibra na nota musical “mi” (em inglês “E”). Elektra começa por “E”. Elektra, uma das sete plêiades, filha de Oceanus, mãe das harpias, musa inspiradora da arte musical. Ena! Isto dos discos tem muito que se lhe diga. Não tem nada a ver com comércio nem negociatas. Nada disso. É tudo gente altruísta, preocupada com os mais altos desígnios humanos, envolta numa aura de santidade e mistério, lidando com forças transcendentes que mal compreendemos. Se não, como explicar que participem neste projeto nomes desde sempre ligados ao esoterismo e às difíceis artes do ocultismo, como Gipsy Kings, Howard Jones ou os Metallica?
Convidaram-se estes e outros artistas para interpretar temas antigos à sua escolha. Critério único dessa escolha – a ligação afetiva às canções do passado. A mistura de nomes e canções impressiona pela heterogeneidade. Não confundir com confusão. São contemplados todos os géneros e estilos musicais, desde os já citados Gipsy Kings e Happy Mondays a John Zorn e Kronos Quartet, passando por luminárias como Jevetta Steele, The Havalinas, Lynch Mob e o magistral Danny Gatton. “Rubáiyat” será lançado no mercado em três formatos: CD e LP duplos com discos em vermelho, mais cassete dupla, tudo acompanhado de livrete contendo informação detalhada relativa ao projeto.
Nada foi deixado ao acaso. Desde a apresentação até às táticas promocionais, a Elektra fez questão de ser original e diferente. Assim, o desenho das capas e o restante trabalho gráfico foram entregues aos gémeos Doug e Mike Starn, celebrizados na cena artística nova-iorquina pelas suas fotos-colagens. “Rubáiyat” constitui o primeiro dos seus trabalhos que autorizaram a ser usado para fins comerciais. No capítulo da promoção, foram escolhidos 6 CD-“singles”, cada qual com um tema destinado a uma área de divulgação radiofónica específica: Teddy Pendergrass, para o género “contemporâneo, adulto e urbano” (?), os Metallica para as listas de “heavy metal”, Faster Pussycat para o AOR (“adult orientated rock”), Gipsy Kings para o mundo latino e Michael Feinstein para a rádio em geral. Vinte e cinco por cento dos lucros obtidos revertem a favor das organizações “Greenpeace”, “United Negro College Fund” e “Save the Children”. Afinal ainda há almas caridosas neste mundo tantas vezes cão. É a força do rubi a exercer as suas influências cósmicas e benéficas.

A Editora



É bastante antiga. Começou por ser um passatempo e um caso de amor. Foi a 10 de outubro de 1950 que o seu primeiro diretor, Jac Holzman, então um estudante apaixonado pelas técnicas de engenharia aplicada à música, deu início às atividades. O primeiro disco, um doze polegadas, era uma “Lied” assinada pelo compositor John Gruen e a cantora Georgiana Bannister. Teve o número 101 e direito a quase o mesmo número de cópias. Dinheiro era coisa que não havia. Tanto assim que a letra “E” do logotipo, em caracteres mais ou menos gregos, de acordo com a ideia pretendida, teve de ser feita utilizando um “M” deitado… A seguir vieram baladas montanhesas “Appalache”, cantadas por Jean Ritchie – Jac Holzman era apaixonado pela música “folk”, se bem que às vezes o termo lhe causasse alguma confusão.
A Elektra, sediada a princípio nas traseiras de uma loja de discos em Greenwich Village, passou rapidamente para a rua Bleecker, número 361, local onde Jac foi aos poucos aprendendo os truques do ofício, que é como quem diz, de como fazer dinheiro à custa da música. Mas nessa altura era mais uma questão de sobrevivência e não havia lugar para luxos. A distribuição era feita em mão, e os discos transportados numa Vespa.
Ainda a designação “world music” não tinha sido inventada, já a Elektra gravava recolhas folclóricas, oriundas de Itália, Rússia, Turquia, Espanha, França, Escócia, Inglaterra, Israel, México e outras regiões que constassem no mapa. Jac Holzman afirma que a sua paixão pela “folk” se deve ao interesse que sempre nutrira pelos instrumentos antigos e que o cravo era o culpado de tudo. “Os cravos – afirma – deram origem aos alaúdes, estes às guitarras, as guitarras à “folk”, e a “folk” à Elektra. Quer ele dizer que, não fora aquele instrumento de teclas, a editora nunca teria existido. Alguém de lembra de Cynthia Gooding, Ed McCurdy ou Shep Ginandes? Ninguém? Nem do Ginandes? Pois eram os “folk singers” da altura e parece que até não se vendiam mal – só à conta de Ed McCurdy e das suas séries de baladas isabelinas de genérico “When Dalliance as in Flower (and Maidens Lost their Heads)” a editora faturou na ordem dos 900.000 dólares.

Ecletismo

Com a entrada nos anos 60, o recém-chegado Paul Rothchild operou a primeira mudança de agulhas. Era a vez dos baladeiros de intervenção entrarem em cena, ao mesmo tempo que o movimento das flores dava os últimos retoques nas pétalas. A Phil Ochs, Tom Rush, Tom Paxton e Judy Collins foi dada oportunidade de recitarem os seus manifestos. Paralelamente, na sucursal Bounty Records, entretanto fundada, despontavam os Beefeaters, nada mais nada menos do que os futuros Byrds. Buffalo Springfield, Lovin’ Spoonful e os Love, de Arthur Lee, eram os mais ilustres representantes do batalhão pop. Mas a força imparável deste último não obstava a que músicos como o guitarrista de flamenco Juan Serrano ou o “jazzman” Art Blakey tivessem um cantinho da casa reservado para si. Do mesmo modo que a música folclórica búlgara, décadas antes de as suas vozes se tornarem misteriosas ou de falarem com Deus.
Alargava-se o leque de formas musicais – em 1964, a Nonesuch passava a albergar os representantes da “clássica”. Estrearam-na uma seleção de temas para trompete barroco, de Albinoni, e uma antologia de autores franceses da corte de Luís XIV. Hoje, a Nonesuch constitui a ala mais interessante da Elektra, integrando alguns dos expoentes da música contemporânea como John Adams, John Zorn, Kronos Quartet ou Wayne Horvitz. Por seu lado, as séries Explorer dedicavam-se a editar coleções de discos que continham efeitos sonoros ou instruções em código morse.
No selo mãe, o pacifismo reinante no seio da “beat generation” era minado pela violência niilista dos MC5 e dos Stooges de Iggy Pop. O niilismo romântico de Nico era outra história, ainda hoje por contar. Místicos e de tendências pró-celta, os Incredible String Band, personificavam, de forma inteligente e original, o estilo “hippy”, através dos poemas étnico-psicadélicos dos multi-instrumentistas Robin Williamson e Mike Heron.
Terminados os anos da paz, e Elektra é vendida por Jac Holzman à Kinney National Services Corporation, por dez milhões de dólares, retendo embora a autonomia artística. Três anos mais tarde, é a fusão com as poderosas Warner Bros. e Atlantic. Harry Chapin, Bread e Carly Simon ajudam a compreender que o tempo e o espírito eram outros. Jac já não conhecia todos os cantos da casa, que entretanto crescera desmesuradamente desde os tempos nas traseiras da rua Dez. Sentia que se estava a repetir a si próprio. A repetição mata o amor. Jac retira-se para o Havai, para regressar na condição de perito da Warner na área de investigação tecnológica aplicada aos audio-visuais.

Negócio e Moral

David Geffen pega nas rédeas do poder e a Elektra é de imediato submetida a nova operação cirúrgica. O membro implantado é desta vez a Asylum. Novos recrutas: Jackson Browne, Eagles, Linda Ronstadt, Joni Mitchell, Tom Waits. “Hotel California”, dos Eagles, faz engordar muita gente. Os anéis começavam a não entrar nos dedos. A imagem da editora, já nas mãos do novo “boss” Joe Smith, era a de uma instituição tradicionalista que apostava em valores seguros e consagrados. Na passagem para a década de 80 vingava o gigantismo dos megaconcertos. Os Cars e Motley Crue chegavam para as encomendas. Também a “new wave” não ficara esquecida, com a assinatura dos Television e Dictators. Mais o “country & western” (Hank Williams Jr., Stella Parton) e os “rhythm & blues” (Donald Byrd, Grover Washington Jr.).
O testemunho é finalmente passado a Bob Krasnow, que pretende dar um estatuto “ético” à editora. Bob é um moralista. Por volta de 1983, enuncia a célebre máxima: “Todo o artista desta editora tem como única missão fazer música. (…) Quem vem apenas pelo dinheiro não pertence ao negócio da música, pertence ao negócio do dinheiro.” Donde se conclui que dinheiro e negócio não andam necessariamente juntos. Mas é na difícil arte da dialética que Bob se revela mestre, pois, logo de seguida, acrescenta ao ramalhete filosófico: “Também é verdade que ninguém se refere a uma ‘show art’, mas sim ao ‘show business’.” Completa o raciocínio com tirada mais profunda e por isso mesmo mais obscura: “Uma editora de discos tem de ter sucesso se quiser atrair artistas e público e, visto que o custo de construção de uma experiência estética tecnologicamente complexa se torna uma equação auto-suficiente, não é de espantar que os caminhos de atuação se tenham tornado circuitos fechados, oferecendo passagem fácil apenas à oferta mais diluída.” Ora, nem mais. Moral da história: a companhia mudou-se com armas e bagagens para Nova Iorque, cidade que como se sabe é das mais castas em termos de insensibilidade ao vil metal. Perto da catedral de St. Patrick e do centro Rockefeller, como que simbolizando a eterna luta entre o espírito desapegado e o mundo diabólico das finanças. E se, às vezes, o pobre capitalista sucumbe à tentação é porque, nisto das músicas, “à medida que alguém vai crescendo, torna-se vítima do seu próprio sucesso”. Pois é, coitados, são umas vítimas. Mas, no fundo, que importância tem tudo isso? Tudo se revela claro e inocente. E tem razão quem afirma que “é só música, uma canção que se canta e se vende”.

O Disco

É uma salganhada. Ainda por cima, tivemos direito apenas a uma cassete amostra que inclui um resumo aleatório, mal amanhado e ainda mais mal gravado, da totalidade da obra, deixando de fora nomes e ideias importantes e incluindo outros perfeitamente medíocres e de todo despropositados.
Dos que foram incluídos à laia de engodo, destaque para os Pixies e a versão paranoica e saturada de eletricidade, produzida por Steve Albini, de “Born in Chicago”, um original de 1965 dos Butterfield Blues Band; os Ambitious Lovers e o “funky” esquelético com que traduziram “A Little Bit of Rain” de Fred Neil; Wayne Horvitz e um Bill Frisell alucinado, a suportar Robin Holcomb, menina de voz tremida e poderosa como a da índia Buffy Saint Marie, de “Soldier Blue”, cantando “Going Going Gone”, do Bob Dylan de 1974; e os They Might Be Giants numa interpretação weilliana do original de Phil Ochs “One More Parade”. John Zorn e os seus companheiros Robert Quine e Bill Frisell foram cortados a meio mal tinham aquecido na histérica e coerente leitura que faziam de “T.V. Eye” dos Stooges. A fita não chegava…
O resto é Billy Bragg, mais frenético do que nas habituais tiradas políticas, em “Steven & Steven is” dos Love, os “rhythm & blues” dos Black Velvet Band para um original de Warren Zevon, o açúcar “pop Sugarcubes” sugado aos Sailcat, o “reggae” de Shinehead para um tema de Josh White, uma paródia à Pogues, em “Bottle of Wine”, de Tom Paxton, com acordeão e bandolim avacalhados, por parte dos Havalinas, os Happy Mondays armados em Stones no “Tokoloshe Man” de John Kongos, 10.000 Maniacs divertidíssimos e todos “seventies” a cantar “These Days” de Jackson Browne, como se fosse ontem, e, finalmente, os Beautiful South e mais uma voz feminina e inofensiva tentando imitar Kate Bush, com solos de sax pelo meio, em “Love Wars” da dupla Womack & Womack. Ah, sim, o anúncio abre com os Cure a assassinar “Hello I Love you” dos Doors. Os mesmos Cure que, parecendo ser os atuais meninos bonitos da editora, abrem e fecham o rubi, com a sua versão e direito a ver um tema seu, “In Between Days”, interpretado por John Eddie. Bem feito. Cá se fazem, cá se pagam.



Tudo ao Molho

De fora ficaram, por exemplo, a rendição de “Marquee Moon” dos Television, pelo Kronos Quartet, os Metallica de que seria divertido ouvir a maneira como trataram “Stone Cold Crazy” dos Queen ou Tracy Chapman e Linda Ronstadt interpretando respetivamente os tradicionais “Rising Sun” e “The Blacksmith”.
Jevetta Steele, Gipsy Kings, Faster Pussycat, Phoebe Snow, Ernie Isley, Howard Jones, The Big F, Georgia Satellites, Sara Hickman, Teddy Pendergrass, Jackson Browne, Shaking Family, Howard Hewett, Shirley Murdock, Leadres of the New School, Michael Feinstein, Lynch Mob, Anita Baker e Danny Gatton completam a lista dos “atuais” ignorados. Pensando melhor, depois de a ler, talvez haja razão para agradecer o facto de termos sido poupados à audição da totalidade de “Rubáiyat”. Da lista dos antigos constam, entre outros, os New Seekers, Eagles, Carly Simon, Delaney & Bonnie, Cars, MC5, John Fogerty, Bread, Incredible String Band e Judy Collins.
“Rubaiyat”, a julgar pela amostra, parte de uma ideia interessante para se perder numa megalomania pouco significativa em termos exclusivamente musicais. É caso para se dizer “muita parra pouca uva” ou que “a montanha pariu um rato”. Ou que “nem tudo o que luz é ouro”. Neste caso, rubi.

Jeff Wayne – “Spartacus” + Emerson, Lake & Palmer – “Live At The Royal Albert Hall”

pop rock >> quarta-feira, 17.02.1993


JEFF WAYNE
Spartacus (0)
CD Columbia, distri. Sony Music
EMERSON, LAKE & PALMER
Live At The Royal Albert Hall (0)
CD Victory, distri. Polygram



Como é possível fazerem-se e gravarem-se álbuns deste quilate, em 1993? Dizer que são maus não chega. São atrasos de vida. Cadáveres adiados. “Zombies” sugadores de divisas que se alimentam da estupidez do mundo. “Spartacus” é uma ópera rock, como o era o anterior “War of the Worlds”, do mesmo autor, com tudo o que de pior o género tem: a pompa balofa sem circunstância, o mau gosto absoluto disfarçado por uma produção ao estilo Alan Parsons Project. Até a estética da capa e do livrete interior dá vómitos, fazendo as imagens típicas dos discos de “heavy metal” parecerem obras-primas.
Os vocalistas são abaixo de cão (sem ofensa para os cães), no género épico-histérico-patético-FM. Ao pé deles, Roberto Leal e Clemente são Pavarottis e Carusos. Anthony Hopkins, o actor, perdeu a vergonha e fez um bocado de narração. Os Ladysmith Black Mambazo idem, ao imitarem as vozes do exército de Spartacus. Fish compreende-se que esteja presente. Agora David Sinclair (Caravan, Hatfield and the North)… David, se estavas desabonado, tinhas vindo cá e falavas com a nossa televisão! Temos que ser uns para os outros. Adiante.
Os Emerson, Lake & and Palmer não conseguiram melhor. Incluem-se na mesma linhagem decaída dos que se arrastam em busca da juventude perdida. Parece mentira, mas em 1993 os ELP soam exactamente como em 1970. Tocam as mesmas canções, os mesmos solos, é tudo igual. O que antes podia fazer algum sentido em prol do então nascente rock sinfónico, surge agora regurgitado em papa putrefacta. Cá estão “Knife edge”, excertos de “Tarkus”, “Karnevil 9”, “Lucky Man” (o solo de Moog que fez escola foi trocado por uns zumbidos de aparelhos mais siofisticados) e até relíquias dos Nice (grupo de Keith Emerson, anterior à formação do trio), “Rondo” e “America”
Dá para o Fantasporto. Secção aberrações.

Vários – “Um Guia Seleccionado Para A Música De Quatro Décadas Que Se Reeditou Em 90 RAROS, INÉDITOS e REEDITADOS” – Fernando Magalhães e Luís Maio

Pop-Rock 09.01.1991


Um Guia Seleccionado Para A Música De Quatro Décadas Que Se Reeditou Em 90
RAROS, INÉDITOS e REEDITADOS
Fernando Magalhães e Luís Maio


Depois das glórias dos anos 50 e 60, foi a vez de o sumo da década de 70 e da primeira metade da de 80 alimentar em 90 a indústria dos fundos de catálogo. Essa orientação de mercado parece, contudo, não corresponder a alguma nostalgia instantânea pelo que acabou ou ainda está a passar – e muitas das compilações em causa integram e foram lançadas em simultâneo com novos singles. Houve sim uma espécie de adaptação ao mercado da música do sistema de montagem em série com variações mínimas de pormenor, corrente por exemplo no ramo automóvel. Prova disso, outra tendência dominante foi voltar a reeditar tudo o que ainda há pouco se reeditara, mas em diferentes embrulhos sob o lema das retrospectivas definitivas, em luxuosas caixas de CD, com aliciantes suplementares de títulos inéditos, gravações raras e “takes” alternativos. Importa também notar que, se o fluxo de reedições no resto da Europa foi em 90 tão grande, ou nalguns meses superior ao das edições de originais, as companhias portuguesas não parecem ter compreendido as potencialidades desse mercado (em contraste com algumas lojas de importação). Isso mesmo se poderá constatar neste guia pela ausência maioritária de representantes locais para tais reedições.

A divisão do guia por décadas é estritamente operatória

ANOS 50

THE EVERLY BROTHERS
Perfect Harmony (Knight Evy)

Todos os hits dos famosos manos, desde a estreia nos tops em 57 com “Bye Bye Love”, até à ligação com os Beach Boys para “Don´t Worry Baby”. Parce que sem eles os Simon & Garfunkel nunca teriam passado de meninos de coro.

GENE VINCENT
Boxed Set (Capitol)




Uma das grandes lendas mortas do rock ‘n’ rol, o preferido dos inadaptados, o eleito dos clã motorizados. “Be Bop A Lula” e tudo o resto reempacotado em CD para velhos adolescentes de alma rebelde sob o uniforme de executivos.

JOHNNIE RAY
Cry (Bear Family)

Celebrado como o primeiro “crooner” do rock ‘n’ rol, professor de Elvis nessa matéria, Ray parece não ter tido tanta felicidade na escolha do seu reportório de coberturas de negros, ou pelo menos não lhes comunicou tanto carisma em estúdio.

LITTLE RICHARDS
His Greatest Recordings (Ace)




Duas dúzias de pérolas do negro que assustou toda uma geração de pais americanos e, antes de se converter ao divino, inventou o vocábulo mais significativo da língua inglesa do pós-guerra, “Awopbopaloobopalopbambooom”.

THE SHIRELLES
The Collection (Castle)

Vinte e quatro lembranças queridas, ou tantos hits do tempo em que as Shirelles introduziram um modelo de singela “coqueterie” (para sempre?) no vocabulário do rock ‘n’ rol.

SCREAMIN’ JAY HAWKINS
Voodoo Jive (Rhino)

Aproveitando a reabilitação como gerente de hotel no “Comboio Mistério” de Jim Jarmusch, o pioneiro do rock ‘n’ rol foi recuperado nesta compilação das peças essenciais do seu show surrealista. Mesmo hoje, parece impossível que alguém pudesse cantar em semelhante grau de desarranjo.

ANOS 60

BEACH BOYS
“Pet Sounds”, “Surfin’ Safari” / “Surfin’ USA”, “Surfer Girl” / “Shut Down, Vol. 2”, “Little Deuce Coupe” / All Summer Long”, “Todo” / “Summer Days (and Summer Nights)”, “Summer Dreams” (Capitol, distri. EMI-VC)




Até “Pet Sounds”, os Beach Boys foram os meninos de ouro, queridos na Costa Oeste e, mais tarde, no resto dos Estados Unidos. Meninos da praia, reis do “surf” e das intricadas harmonias vocais, das raparigas de sardas e rabo-de-cavalo e dos descapotáveis eram a coqueluche das “garage band” da época. Brian Wilson, o génio da família, queria mais. “Rubber Soul”, dos Beatles, espicaçou-lhe o orgulho e a veia criativa. Decidiu que tinha de fazer melhor e há quem diga que o conseguiu. Com “Pet Sounds”, por muitos considerado um dos melhores álbuns de sempre da música popular. Um naipe de fabulosas canções e uma revolucionária utilização das técnicas de estúdio, tornam o disco incontornável. Depois foram os próprios Beatles a querer ainda mais além – “Sergeant Peppers” seria o disco e a lenda.
Cada uma das actuais reedições inclui quatro ou cinco faixas extra – as habituais versões alternativas ou simples experiências de estúdio. Nos textos das capas, Brian Wilson conta parte da história e explica como foi. “Summer Dreams” é uma colectânea que inclui a maior parte dos temas famosos da banda. “Good Vibrations”. Para sempre.

BEE GEES
The Very Best (Polydor)

or aqui se vê que eram melhores imitadores dos Beatles que divas da “febre” disco dance.

THE BYRDS
The Byrds (CBS)




Caixa de quatro CD, contendo a maioria dos temas que cobriram de glória a banda americana percursora do “psychedelic rock” de tendências rurais. Guitarras cristalinas que fizeram escola (frequentada entre muitos, pelos R.E.M.) e vozes que serviam excelentes melodias funcionam como máquinas do tempo que nos leva direitinhos à época das grandes explorações de estúdio e ideologias a condizer. A caixa contém novas misturas e versões alternativas de temas antigas, interpretações ao vivo de “Mr. Tambourine Man” e “Turn! Turn! Turn!”, bem como quatro temas extraídos de um concerto recente em que de novo se juntaram Roger McGuinn, David Crosby e Chris Hillman, “Younger Than Yesterday”, “The Notorious Byrd Brothers”, “Sweethearts Of The Rodeo”, momentos mágicos de uma era (aparentemente) dourada. Canções, pois claro, a “Eight Miles High”, vibrando para sempre no éter estelar.

DONOVAN
The Collection, Donovan Rising (See For Miles)




Parece mentira, mas é verdade: O homem da voz doce e tremelicante ressuscitou das profundezas de “Atlantis”, mais gordo, mas cósmico e florido como nunca. Para além da colectânez e do álbum ao vivo, lançou ainda este ano o novo “One Night In Time”. Os psicadélicos devem-lhe alguma coisa, talvez as flores. Gravou uma obra-prima que poucos conhecem – o duplo “HMS Donovan”, tão belo e absurdo como Alice no país das maravilhas. Chegou a ser rival de Dylan. Hoje os Butthole Surfers homenageiam-no com a sua interpretação de “Hurdy Gurdy Man”. Homenageiam-no é uma forma de dizer…

ERIC CLAPTON
Clapton Conversation (London Wavelenght)

Depois desta caixa de três discos com Eric Clapton a botar discurso na rádio, porque não meia dúzia de CD da celebridade a cantarolar no duche?

HERMAN’S HERMITS
The EP Collection (See For Miles)

Odiados nos anos 60 pelas elites como campeões da patetice, os Hermits são agora reabilitados a título de porta-vozes de eleição da inocência dos anos 60, numa compilação que alterna os hits imediatos com títulos que, apesar de não terem conhecido os favores da altura, por isso mesmo resistiram melhor ao tempo.

JIMI HENDRIX
Cornerstones, 1967-1970 (Polydor)

Quatro temas por ano. A ordem e simetria são muito bonitas. Greenaway procederia assim. O guitarrista era menos ordenado, o génio explodia-lhe da alma até à guitarra, em chamas. Hendrix não se compadece com cronologias. Pertence à eternidade. “Hey Joe, Are You experienced?” Ao pé dele somos todos meninos.

THE KINKS
“Kinks”, “Kinda Kinks”, “The Kink Controversy”, “Face To Face”, “Something Else By The Kinks”, “Live At The Kelvin Hall”, “Are The Village Green Presrvation Society”, “Arthur Or The Decline And Fall Of The British Empire”, “Lola Versus The Power Man And The Moneyground, pt. One”, banda sonora de “Percy”. (Castle)

Inglaterra, nevoeiro, chá das cinco, bosques verdes, Londres, Big Bem, Picadilly Circus, Ray Davies, Dave Davies, os Kinks. Sobretudo Ray Davies, o “dandy” preocupado em cantar o declínio do império. As reedições em CD reproduzem as capas originais e abrangem toda a obra fundamental da banda londrina. “Arthur” não apanhou o comboio das óperas rock, arrastado pela velocidade de “Tommy”, dos rivais “Who”. Quase tudo são hits que fizeram uma época e que assobiaremos para sempre no coração. “You Really Got Me”, “Sunny Afternoon”, “Waterloo Sunset”, “Death Of A Clown”, “Victoria”, “Shangri-La”. Roupas e vozes muito coloridas. Londres parecia então um arco íris.

RIGHTEOUS BROTHERS
Unchained Melody (Verve)

Já não se façam canções românticas deste classicismo. Se se fizessem, por que razão haveria um filme tão chunga quanto “Ghost” de ressuscitar um tema com 25 anos para os primeiros postos de vendas dos tops mundiais?
Rolling Stones

ROLLING STONES
Hot Rocks, More Hot Rocks (London, distri. Polygram)

A pretexto dos Stones 1990, a reedição dos seus êxitos no catálogo London. Passa sem muita discussão que aqui se encontra tudo ou quase tudo o que interessa nos Stones, e teria sido menos cansativo e incomparavelmente mais elegante editarem só estas colectâneas no lugar de “Steel Wheels”.

STEVE MILLER BAND
Best Of 68-73 (Capitol)

Tem tudo a ver com a recuperação de “The Joker” no recente anúncio da Levi’s. Mais ou menos o mesmo que a prévia “Anthology” sob outra ordem.

SMALL FACES
The Ultimate Collection (castle), The Singles A’s & B’s (See For Miles)




Se, na altura da explosão mod inglesa, os Who foram os que mais fizeram negócio, os Small Faces devem ter sido os mais originais e dinâmicos, extrapolando com classe as coordenadas soul e r&b para um contexto branco. Estas colectâneas são provas indiscutíveis.

TIM BUCKLEY
“Dream Letter, Live In London 1968”

Duplo CD contendo temas inéditos do autor de “Goodbye and Hello”, “Starsailor” e “Look At The Fool”. 1968 foi o ano em que se apresentou pela primeira vez ao público londrino. Uma voz, guitarra acústica, baixo e vibrafone (absolutamente encantatória a introdução de “Hallucinations”) chegaram para criar uma atmosfera mágica, intimista e irrepetível. Tim Buckley nunca parava de cantar, mesmo no intervalo entre duas canções. Como se sabe, só a morte o impediu de continuar.

VAN MORRISON
The Best Of (Polydor, distri. Polygram)
É quase um crime reduzir a obra discográfica do irlandês a escassas duas dezenas de títulos. A boa desculpa desta compilação é serem os favoritos do próprio artista na altura da resenha.

ANOS 70

BUZZCOCKS
The Peel Sessions Album (Strange Fruit, distri. Anónima)

Oportunidade para recordar Pete Shelley, acreditado como o poeta oficial do punk e um dos ídolos de Morrissey, nas gravações para o programa de John Peel, em Setembro de 1977, no zénite da sua eloquência desesperada.

CHIC
Megachic (Atlantic)

Depois das remisturas que lançaram o revivalismo “Chic”, os originais, ou seja, aquilo por que os Chic hoje valem ainda a pena serem recordados.

DAVID BOWIE
Changes Bowie, Space Oddity, The Man Who Sold The World, Hunky Dory, Aladin Sane, Pin Ups, Diamond Dogs (Emi)

Primeiras peças do grande teatro Bowie, acrescidas em CD, de temas bónus – novas misturas, “takes” de estúdio, brincadeiras. Claro que se trata de álbuns todos eles fundamentais, como fundamental é a totalidade da sua obra até “Scary Monsters / Super Creeps”. Daí para a frente o “Thin White Duke” trocou o teatro pelo cinema e os resultados são um pouco para esquecer, não havendo “Tin Machine” que lhe valha. Antes era diferente. Era sempre diferente. De álbum para álbum. De máscara para máscara. De comum entre “Space Oddity” e “Diamond Dogs” existe apenas essa extraordinária capacidade de se metamorfosear e a facilidade com que produzia fabulosas experiências musicais, sempre à frente do seu tempo. Indispensável. Toca a trocar os discos por CD!

THE ENID
Touch Me, Six Pieces, The Spell, Final Noise!

O melhor de uma dessas bandas sinfónicas que o punk sepultou, agora ressuscitada em CD como pioneiros da “nova idade”.

ISAAC HAYES
Black Moses (Stax)

O épico de 1971 reeditado num CD duplo para consolo dos iluminados da época e educação dos actuais aprendizes do funk filosófico. Apoteose acabada de um dos maiores profetas da música negra deste século.

THE ISLEY BROTHERS
Forever Gold (Epic)

Ainda não foi a reedição integral destas glórias da fusão soul/rock dos anos 70, que hoje se estima mais estimulante que na altura, mas do melhor nos seus primeiros quatro álbuns no selo próprio T-Neck.

JOHN LENNON & YOKO ONO
The Interview, (BBC) The Ultimate Lennon Box Set (Parlophone)




Duas horas de conversa entre John e o jornalista Andy Peebles, gravada para a Radio One, com a japonesa a interromper de vez em quando. As ideias, a generosidade e ingenuidade de um visionário que acreditou até ao fim que o mundo podia ser melhor. Quanto à caixa são os discos pós Beatles que já toda a gente conhece nu embrulho luxuoso para revigorar o apetite.

JONATHAN RICHMAN AND THE MODERN LOVERS
Great Recordings (Essencial)

Jonathan Richman, o tipo de Boston que à saída da Factory de Andy Warhol tropeçou num buraco negro e foi dar às filmagens de um secreto re-make de “O Feiticeiro de Oz”, retratado nos seus momentos de mais brilhante alucinação.

KATE BUSH
This Woman’s Work (Emi)

O trabalho todo – nove álbuns que incluem os seis discos de originais até agora gravados em estúdio, mais 31 lados B de singles, uma faixa extra retirada da colectânea “the Whole Story” e dois temas em francês, “Ne T’En Fuis Pas” e “Un Baiser d’Enfant”, num total de noventa e oito canções. Chega e sobeja para nos arrepiar.

KEVIN AYERS, JOHN CALE, ENO, NICO
June 1, 1874 (Island)




Imemorial reunião de quatro das personalidades mais bizarras da pop. Hoje, Nico, “deusa da Lua”, brilha na escuridão do firmamento. Ayers deixou os copos, deixando também para trás a genialidade dos cinco primeiros álbuns, trocada pelo sol de Maiorca. Cale continua a ser aquilo que sempre foi: um bom compositor, com esporádicos lampejos de génio. Eno forçou a que se inventassem novos sistemas de referência – sozinho, vai redescobrindo o silêncio e inventando novos universos. Há 16 anos provavam que a loucura pode ser partilhada, inflamados no vulcão de “Baby’s On Fire”.

KEVIN AYERS
The Collection (See For Miles)

O menino prodígio dos Soft Machine, que renunciou à alta-roda dos tops para cantar os prazeres e as amáveis alucinações da vida ao sol mediterrânico, em mais uma recapitulação que evita os delírios surrealistas em favor das baladas acessíveis e suaves.

LED ZEPPELIN
Remasters, Led Zeppelin (Atlantic)

No primeiro caso trata-se de três discos, ou dois CD, preparados e tratados em estúdio por Jimmy Page, numa operação de cosmética destinada a valorizar o material passado para o “compacto”. No segundo, os números passam para o dobro: Seis discos, quatro CD. 54 temas que incluem os bónus “Travelling Riverside Blues” e “White Summer / Black Mountain Side”, gravados em 1969 numa sessão para a BBC, nova versão do clássico da percussão “Moby Dick” e “Hey, Hey What Can I Do”, originalmente o lado B de “Immigrant Song”.

MADNESS
One Step Beyond; Absolutely; The Rise & Fall (Virgin)

Melhor banda “new wave” com humor britânico, recordada numa edição limitada de três “Picture discs”, talvez demasiado composta para recheio tão achicalhado.

MARC BOLAN & T. REX
My People Were Fair And Had Sky In Their Hair… Prophets, Seers And Sages, Unicorn/Beard Of Stars, Electric Warrior”, Bolan Boogie, The Slider, Tanx, Zinc Alloy And The Hidden Riders Of Tomorrow, Bolan’s Zip Gun, Futuristic Dragon, “Dandy In The Underworld, The Collection. (Castle)




Era uma espécie de David Bowie a uma escala menor. Mestre do “glamour” e da poesia “naif”, Marc Bolan era o Merlin dos adolescentes, cobrindo de lantejoulas e melodias pop um universo de fábula. Tyranossaurus Rex, assim se chamava o duo inicial – guitarra acústica, bongós e uma voz de encantar. Depois foi a electricidade e o rock em hits como “Hot Love”, “Get It On” e “Telegram Sam”. Infelizmente as letras dos álbuns da época “mística”, não constam nos CD. Também “T. Rex”, álbum de transição para a fase eléctrica não teve direitos de reedição. Deste disco apenas quatro faixas aparecem nas colectâneas “Bolan’s Boogie” e “The Collection”. Já não há flores na cabeça das pessoas.

MONTY PYTON
Monty Pyton Sings (Virgin)

Mais que larachas cantadas, canções verdadeiras que fazem rir, a prova dos nove dos Monty Python no terreno do “vaudeville”.

NICK DRAKE
Five Leaves Left, Brayter Layter, Pink Moon, Heaven In A Wild Flower (Island)

Obra completa do poeta da melancolia. A música de Drake cai na alma como folhas no Outono. Trsitemente. À luz da lua. Morreu muito novo, depois de caminhar pela loucura em câmara lenta. Passou despercebido na altura em que todos queriam ser sinfónicos. Ele cantava, apenas, com voz frágil, a passagem do tempo e das ilusões. Joe Boyd, responsável e amigo do artista, autorizou a venda do catálogo Witchseason à Island, na condição de esta manter permanentemente em “stock” os discos do poeta. “Heaven In A Wild Floer”, título do romântico William Blake para a colectânea do mesmo nome, sintetiza a essência da visão que Nick Drake em vida cantou e, depois da morte, decerto alcançou.

PETER GABRIEL
Shaking The Tree – 16 Golden Hits 8Virgin, distri. Edisom)

Foi o próprio Gabriel quem escolheu, e agora o seu segundo álbum a solo não está entre os seus preferidos, mas sobretudo o mais recente “So”. Sendo assim, se calhar, não valia a pena fazer compilação nenhuma.

QUEEN
Queen At The Beed 1973 (Band Of Joy, distri. Anónima)

A curiosidade de descobrir que, nas secções de gravação prévias ao álbum de estreia, a estrela dos Queen era Brian May. Do mal teria sido o menos…

SOFT MACHINE
The Peel Sessions (Strange Fruit)




Duplo álbum gravado durante as célebres sessões de John Peel, num período compreendido entre 1969 e 1971. Na época, Hugh Hopper acabara de substyituir Kevin Ayers e a banda alcançava com o duplo “Thrid” a sua obra-prima absoluta, após os psicadelismos pop dos dois primeiros discos. Destaque para a participação nalguns temas da secção de metais constituída por Elton Dean, Lyn Dobson, Marc Charig e Nick Evans (que colaboraria também em “Third”) e de uma nova versão de “Moon in June”, a clássica e terna liturgia esquizofrénico-vocal de Robert Wyatt, aqui com letra alusiva ao locutor. Mike Ratledge e Elton Dean tornam a coisa mais complexa.

THE STRANGLERS
Greatest Hits 1977-1990 (CBS, distri. CBS port.)
Agora saiu Hugh Cornwell, amanhã, se calhar, Jean Jacques Burnell vira actor de cinema, ou qualquer coisa no género. Os hits dos Stranglers, esses, são sempre os mesmos. Pelos vistos, o que muda é o pretexto.

SUICIDE
1/2 Alive (Contempo)




Alan Veja e Martin Ver gravaram, durante uma carreira de vinte anos, três álbuns de estúdio. Neste disco aproveita-se tudo o que ficara até agora de fora: gravações caseiras e inéditos ao vivo, gravados entre 1974 e 1979. “Harlem II”, “Going to Las Vegas”, “Space Blue”, “Long Talk”, “Speed Queen”, “Love You”, “Cool as Ice” e “Dreams” são alguns dos originais incluídos no disco. O ritmo da sociedade industrializada à beira do caos tocado por Ver em serra elétrica e cantado por Veja, encarnando o espectro cavernoso e reverberado de Elvis Presley. Implacável.

TELEVISION
The Blow Up (Danceteria)
Peça essencial para enriquecer a magra discografia da mais carismática banda nova-iorquina de guitarras na fase “new wave”, onde as duas faixas de cerca de 14 minutos, gravadas ao vivo em 1978, chegam e sobram para demonstrar o virtuosismo explosivo da dupla Tom Verlaine / Richard Lloyd.

ANOS 80

ABC
Absolutely (Phonogram, distri. Polygram)

O fim do contrato dos ABC com a Phonogram deu origem a esta compilação dos anos em que durou (81-89), com justo destaque para os títulos do LP de estreia “Lexicon Of Love”. O caso acabado dos tipos que são melhores a fingir mundos e fundos que a chorar as desgraçadas dos subúrbios.

CARMEL
Collected (London, distri. Polygram)




Jazz estilizado, gospel incendiário, pop distanta, conjugados numa fórmula harmónica que, ao longo de sete anos, nunca vingou nos tops, mas fez sempre as delícias das elites de bom gosto. Só os distraídos preferem a colectânea aos discos originais.

JOE JACKSON
Ntepping Out (A & M, distri. Polygram)

A colecção de mais de uma década de êxitos falhados, mas de muito prestígio, que acabaram por fazer a A & M meter Jackson no olho da rua.

THE FALL
458489 A-Sides, 458489 B-Sides (Beggars Banquet, distri. Anónima




Um disco para as faces A, outro para as B dos singles que os Fall editaram entre 84 e 89, os seus anos na Beggars Banquet. Mark Smith fica uma vez mais reiterado, é único companheiro de Morrisey na fé de que o público nunca se farta de lhe comprar discos por atacado.

THE GO-BETWEENS
1978-1990 (Beggars Banquet, distri. Anónima)
Os Go-Betweens acompanharam de perto as mais sinuosas elipses do coração apaixonado ao longo demais de uma década sem colherem grande contrapartida financeira. Esta compilação faz-lhes justiça alternando os seus clássicos com material que foi ficando pelo caminho.

MADONNA
The Immaculate Collection (Sire, distri. Wea)




Os hits da escaldante senhora e mais nada, dos inícios electrodisco nos primórdios da década de 80 até ao bailado “voguing” nos inícios dos anos 90. Como remate, a mesma história de sempre, quer dizer, mais um single para encher o olho no pequeno ecrã, onde pela milésima vez a loura avantajada justifica as suas fraquezas carnais.

MANTRONIX
The Best Of (1986-1988) (10 rec, distri. Virgin)

Pioneiros algo inglórios da actual febre de sincretismo dançante, os Mantronix viram o seu material antigo recuperado nesta compilação graças ao hit menor, mas recente “Got To Have Your Love”.

MOMUS
Monsters Of Love Singles (1985-90) (Creation, distri. Anónima)

Um tipo que se tornou francamente chato e afectado, cujas boas recordações estão todas aqui, porque o actual já ninguém tem paciência para aturar.

MORRISSEY
Bono Drag (His Master Voice, edi. EMI-VC)

Na sequência do ensaio frustrado para o segundo álbum a solo, Morrissey iludiu a crise editando primeiro um vídeo de concerto e em seguida esta compilação dos seus singles em nome próprio. A eloquência poética e a chama vocal não se apagaram, mas este material transpira a ausência de um cúmplice nos arranjos à altura de Johnny Marr.

NEW ORDER / JOY DIVISION
Peel Sessions (Strange Fruit, distri. Anónima)




Esboço de retrato da evolução do mais cinzento projecto britânico de finais dos anos 70 para a banda independente de dança mais brilhante dos 80, através das sessões gravadas pelas duas formações para o programa de John Peel. Sem surpresas, só pelo prazer de recapitular.

PUBLIC IMAGE LTD
Greatest Hits (Virgin, distri. Edisom)

O grande profanador de crina multicolor Johnny Lydon reciclado nos seus hits pós-Pistols, na liderança da “experiência” Public Image. Se isto não fosse uma compilação, mas um disco de originais, os PIL, seriam com certeza maiores que os Pistols.

THE TEARDROP EXPLODES
Everybody Wants To Shag The Teardrop Explodes (Fontana, distri. Polygram)

O terceiro álbum “perdido” dos Teardrop Explodes, com o título pretendido para o primeiro. Cinco faixas foram incluídas num EP que saiu em 83, duas retomadas depois a solo por Julian Cope, restando assim de facto cinco inéditos. Mais uma sequência de esboços que de canções acabadas, peça sobretudo dedicada aos colecionadores.

TALK TALK
Natural History (Parlophone, distri. EMI)

Estranhamente, depois de os Talk Talk terem assinado em “The Spirit Of Eden” um enorme salto qualitativo, percorrendo sinuosos caminhos algures entre a pop e a música ambiental, eis que a Parlophone os despediu. O êxito comercial da compilação cronológica sequente foi um verdadeiro certificado de incompetência para o seu sector de “artistas e reportório”.