Arquivo mensal: Julho 2009

D.A.F. – Alles Ist Gud

17.09.1999
Reedições
Sex Machine
D.A.F.
Die Kleinen Und Die Bösen (6)
Alles Ist Gud (7)
Gold Und Liebe (8)
Für Immer (7)
Mute, import. Symbiose

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Disciplina. Suor. Sexo. Três palavras-chave para definer a música e a atitude dos D.A.F. (Deutsch-Amerikanische Freundschaff, Associação de Amizada Lemanha-América…), banda germânica que no início dos anos 80 misturou o krautrock, a batida disco, a confrontação punk e o inferno industrial, antecipando a estética “electronic body music” dos Front 242 ou Nitzer Ebb. Os D.A.F. eram, essencialmente, um duo formado pelo teclista-maquinista Robert Görl (ex-Der Plan) e o vocalista-gigolo espanhol Gabi Delgado-Lopez. Encontraram-se em Düsseldorf, capital da moda e da vanguarda… O primeiro usava os sintetizadores e caixas de ritmo como instrumentos de punição. O segundo alternava gemidos de prazer erótico com slogans políticos provocatórios ou exortações do sargento aos seus recrutas. Vestiam-se de cabedal negro ou posavam em tronco nu, segundo a estética dos clubes gay de Nova-Iorque que recuperaram com um acentuado gosto pelo Sado-masoquismo.
Depois de um primeiro álbum, editado ainda em 1979, com o selo Warning (mais tarde Atatak, dos Der Plan e Pyrolator) e o título “Ein Produkt der Deutsch-Amerikanische Freundschaff”, marcado por bandas do krautrock como os Can e Amon Düül II, embora num contexto punk, os D.A.F. enveredaram no trabalho seguinte, “Die Kleinen und die Bösen” por uma veia industrial de cariz anarquista, soando a uns Einsturzende Neubauten infectados pela urgência da new-wave. Metade do disco foi gravado ao vivo no clube Electric Ballroom, em Londres, mas se o suor escorria em quantidades alarmantes dos corpos destes operários do metal, era, contudo na outra metade, feita em estúdio, que a banda dava mostras de uma disciplina e um grau de experimentação com a marca inconfundível do produtor-guru Conny Plank (sem ele o krautrock teria existido?).
Já reduzidos ao duo Görl/Delgado os D.A.F. partiriam em seguida para uma trilogia que os elevou a níveis de popularidade nunca antes atingidos por um grupo alemão dentro do seu país. “Alles Ist Gut”, de 1981, ostentava a sonoridade que se manteria até à extinção: batidas electrónicas marciais (leia-se binárias, como botas cardadas que serviam para disciplinar as onomatopeias sexuais e as palavras de ordem cuspidas por Delgado. A ironia iludiu alguns que tomaram no sentido literal aquele que se tornaria o hino escandaloso do grupo: “Der Mussolini”. Nazismo pronto a dançar não era, realmente, prato de digestão fácil para uma nação ainda demasiado traumatizada por fantasmas recentes. Gabi Delgado limitou-se a dizer que achava a palavra “Mussolini” carregada de “sex appeal”. Apesar disso, o tema, editado em 12 polegadas, tornou-se um êxito. A presente reedição, como a dos dois últimos álbuns seguintes, foi remasterizada.
“Gold und Liebe”, editado no mesmo ano, seis meses apenas após o seu antecessor, foi, como seria de esperar, recebido com algumas reservas e receios. A banda era, nesta altura, acusada de misturar em doses perigosas, sexo, chicotes e totalitarismo. O álbum vendeu pouco, apesar de, ou por causa de, ser aquele em que, em termos musicais, melhor tipifica a tendência dos D.A.F. para o militarismo e o sexo, nas suas múltiplas variantes, dos jogos de poder ao coito subaquático, em faixas como “Sex unter wasser”, “Muskel” ou “Absolute Körperkontrolle”. Música ideal para actividades do corpo, “Gold und Liebe” constitui um exercício de ginástica que, cumprido à risca, pode levar ao esgotamento. Para cima, para baixo, esquerda, direita, ao longo de dez faixas, sem parar. A seguir, só um duche.
Em “Für Immer, de 1982, último álbum de originais dos D.A.F. (Robert Görl gravaria, ainda, a solo, um entediante exercício de pop electrónica, enquanto Gabi Delgado optou por uma diversão espanholada onde personificava um Rudolfo Valentino-macho no limiar do orgasmo) a dupla aparece pela primeira cez retratada na capa, sem a exposição dos corpos e do vestuário de cabedal, ficando reduzida a duas silhuetas negras recortadas contra um fundo neutro. É notória a falta de luz e a descida dos níveis de adrenalina, num álbum em que os D.A.F. se aproximam de algo parecido com baladas (como fizeram os Suicide, com “Chereee”) e dos ritmos tecnopop. Baixaram as rotações, mas aumentou o mistério, numa desaceleração que permitiu, por outro lado, concentrar a atenção em palavras que nunca deixaram de ser, para muitos, um castigo. “Die ötter sind weiss” (“Os deuses são brancos”) ou “Wer schön sein will muss leiden” (“Se queres ser maravilhoso(a) tens que sofrer”) não devem ser entendidos à letra…

Richard Thompson – Mock Tudor

10.09.1999
Quadros De Um Rapaz Dos Subúrbios
Richard Thompson
Mock Tudor (8)
EMI, distri. EMI-VC

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“Pode tirar-se o rapaz dos subúrbios, mas não se pode tirar os subúrbios do rapaz.” A frase, que um dia alguém aplicou a David Bowie, natural de Brixton, nos arredores de Londres, assenta como uma luva a Richard Thompson, outro nativo dos subúrbios londrinos, temática que este músico já havia abordado com a sua então mulher, Linda Thompson, em “Sunnyvista”, e que agora retoma neste seu mais recente capítulo a solo, depois do duplo “You? Me? Us?”, de 1996. Com produção de Tom Rothrock e Rob Schnapf (trabalhou com Elliot Smith), “Mock Tudor” está dividido em três “capítulos”, correspondentes aos períodos cronológicos que marcaram a relação de Richard Thompson com Londres, mais concretamente, a zona norte da cidade: “Metroland” (1953-1968), “Heroes in the suburbs” (1969-1974) e “Street Cries and Stage Whispers” (1974 até hoje).
Está ao nível dos melhores trabalhos deste músico cuja carreira se iniciou nos Fairport Convention até se tornar nome de referência para gente como os REM, Bruce Springsteen, David Byrne, Nancy Griffith, Elvis Costello, Shawn Colvin, Evand Dando e Bob Mould. Sem atingir o estatuto de obra-prima de “I Want to See the Bright Lights Tonight” (com Linda Thompson) nem explodir no delírio de excentricidade de “In Strict Tempo”, “Mock Tudor” ilustra, no entanto, o que de mais consistente – folk-rock personalizado ao mais alto nível – existe na sua veia criativa, num álbum que carrega com menos força do que é habitual na tecla do sarcasmo e da miséria.
Do rock ‘n’ roll de coração adolescente do tema de abertura, “Cooksferry queen”, ao pungente tema final, “Hope you like the new me” (evocativo da tristeza que se infiltrava no âmago da música de três grandes nomes, entretanto desaparecidos, da folk contemporânea, e aos quais o álbum é dedicado: Nick Drake, Sandy Denny e Lal Waterson), “Mock Tudor” traça o quadro subjectivo dos subúrbios da capital ingelsa na última metade deste século, com o cinzento do cimento polido pela chuva e a vida aprisionada nos reflexos das poças de água das ruas. Há grandes canções neste tríptico, como “Uninhabited man” (com Thompson na sanfona), “Sibella” ou “Hope you like the new me”, uma “pastische” dos Police, em “Crawl back (under my stone)”, apontamentos “country” (“Walking the long miles home”) e sequências de folk-rock evocativas dos Fairport de “Liege & Lief” e “Full House”, (“Two Faced Love”. Richard Thompson não é um compositor simpatico e a sua obra adquire, por vezes, uma irritante opacidade. Por isso a relação de “Mock Tudor” com o auditor poderá ser semelhante à do músico com a sua cidade natal – de “amor-ódio”, como ele próprio diz. E a sua música, como Londres, “um lugar idealizado para se viver”.

The Chieftains – Tears Of Stone

12.03.1999
Lárgrimas De Crocodilo
The Chieftains
Tears Of Stone (6)
RCA, distri. BMG

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LINK (Parte 1)
LINK (Parte 2)
pwd: tiedye3560

Está a ser um dos discos mais vendidos de sempre dos Chieftains. Boa sorte a deles. Mas para todos aqueles que se habituaram a ter na lendária banda irlandesa a companhia de longa data de muitos e belos sonhos emanados do espírito da Ilha, as notícias não são animadoras. Ao fim de 35 anos de carreira, a banda de veteranos liderada por Paddy Moloney entornou o caldo, espalhou-se, algo que toda a estratégia recente fazia recear, mas que ainda não se concretizara numa verdadeira desilusão. Expliquemo-nos.
Os Chieftains, de há alguns anos a esta parte, estão cansados. De tocar e retorcar música tradicional irlandesa. É natural. E humano. Daí que, a partir de certa altura, tendo ascendido, entretanto, a estrelas da world music, gaveta celta, encetassem uma série de gravações onde a pedra-de-toque era a participação maciça de convidados, muitos deles alheios ao universo folk. Isto, depois de uma fase anterior caracterizada por fusões ou homenagens a universos tradicionais paralelos ao irlandês, como a Bretanha, a Galiza ou a country music, em álbuns como “Celtic Wedding”, “Celebration” e “Another Country”.
Mas era preciso inventar e recriar novos contextos que servissem de estímulo ou, simplesmente, para entreter o tédio. Em “Tears of Stone” arranjou-se o conceito de baladas de amor no feminino. Excelente pretexto paera se convidafem, aponte, Bonnie Raitt, Natalie Merchant, Joni Mitchell, The Rankins, The Corrs, Sinéad O’Connor, Mary Chapin Carpenter, Loreena McKennitt, Jean Osborne e até a cantora de jazz Diana Krall, no tema final, “Danny boy”. Mais a cantora japonesa Akiko Yano, os Anúna e um lote de luminárias “folkie” que inclui Eileen Ivers, Arty McGlynn, mairtin O’Connor, Natalie Mcmaster e Máire Breatnach. Tudo espremido, obtém-se uma produção com o sabor, já tão conhecido, das Enyas, Oldfields e compilações “celtic blá blá blá” que se apertam nas prateleiras das discotecas.
Com tão pouco espaço de manobra os Chieftains deixaram-se ficar, sorridentes, como meros acompanhantes de tanta beleza e voz bonita. É que, ainda por cima, não são muitas as canções com sangue e tripa, até porque o mercado está mais voltado para os perfumes e limpezas de pele. Salvam-se uma vivaz parceria com as Corrs, em “I know my love”, o “Kerry slide” instrumental que serve de conclusão a “Deserted Soldier”, o exotismo da vocalização japonesa em “Sake in the jar”, a fazer recordar a viagem dos Chieftains à China, e, finalmente, o momento mais estimulante do disco, um diálogo violinístico, a três, entre Eileen Ivers, Natalie Mcmaster e Annbjorg Lien, em “The fiddling ladies”.
“Tears of Stone” é uma ideia gira, as vozes são catitas, há harpas espalhadas por todo o lado, visões de verde, regatos murmurantes e cartas de amor escritas à luz de vela nas orlas do mistério irlandês. Sentimo-nos aconchegados, é um facto. Então por que raio é que sentimos vontade de borrar a pintura?