Pop Rock
23 JUNHO 1993
WORLD
SALOMÃO NOS BALCÃS
MUZSIKAS
The Lost Jewish Music of Transylvania
CD Hannibal, import. Contraverso

De novo, rumo aos Balcãs na companhia dos Muzsikas, banda que começou por ser conhecida em Portugal por contar nas suas fileiras com uma senhora chamada Marta Sebestyen. “The Prisoner’s Song”, “Muzsikas” e “Blues from Transylvania”, todos disponíveis no mercado nacional, formam um monumento ímpar à música tradicional da Hungria. Mais recentemente, Marta Sebestyen afastou-se do grupo para gravar “Apocrypha”, um projecto que revisitava antigas canções vestidas com arranjos e sons de computador. Neste novo disco, a vocalista aparece apenas como convidada numa formação que, mais do que nunca, investiu no aprofundamento da tradição voltando as costas à experimentação formal.
Neste caso tratou-se da recuperação e reconstituição do reportório dos músicos judeus húngaros Klezmorin, que se julgava perdido devido à ausência de quaisquer gravações ou notações, num trabalho que deve muito à colaboração com Zoltán Simon, teórico oriundo de uma família judia e discípulo de Zoltán Kodaly, que recolheu “in loco” e fez as transcrições de melodias já quase desconhecidas. O projecto partiu das evidentes semelhanças existentes entre o folclore búlgaro e as peças instrumentais judias conhecidas por “csárdás”. De igual modo, tanto os agrupamentos convencionais como os constituídos por judeus tinham por costume tocar nas festas de casamento nas várias regiões do país.
Encontrado, com uma margem mínima de erro, o elo que faltava entre duas tradições próximas no espírito e na letra, Muzsikas procederam a um reajustamento instrumental, reduzindo o leque de instrumentos, que em anteriores álbuns incluía a gaita-de-foles e o oboé, à típica configuração violino/viola de arco/contrabaixo/saltério, à qual acrescentaram a guitarra, o bouzouki, mais uma “zongura” e um “cembalon” tocados por convidados ciganos que durante anos actuaram ao lado de músicos judeus.
Concluída a leitura do folheto, que fornece informação detalhada sobre a origem e significado de cada faixa, bem como da música judia klezmer em geral, entra-se nestas canções “perdidas” como no templo de Salomão. O som parecerá familiar a quem já viajou nas asas da música até ao limite oriental da Europa. A diferença, subtil, que separa “The Lost Jewish Music” dos anteriores álbuns da banda torna-se perceptível a um nível intuitivo. O ritmo é menos sacudido que nas usuais folias ciganas, incluindo por exemplo uma espécie de “ragtime” klezmer tocado em “cembalon”. Nota-se, por outro lado, e nisto reside um dos prazeres maiores da audição, um calor, uma radiação de sentimentos interiorizados de forma peculiar que permitiram a Marta Sebestyen rubricar neste álbum algumas das suas melhores vocalizações de sempre: “Szól a kakas már”, uma história sobre um rabi que “roubou” a um jovem pastor a beleza e visão interiores, a troco de duas moedas, e “Keserves”, canção de lamento devocional de mulheres.
Um grande disco e uma louvável tentativa para retirar do anonimato uma tradição musical que começa a emergir do “ghetto” a que tem sido remetida. (9)