Arquivo mensal: Janeiro 2021

Liza Minnelli – “Uma Americana Em Nova Iorque” (televisão / rtp)

rádio e televisão >> sexta-feira, 01.01.1993


Uma Americana Em Nova Iorque



A RTP apresenta, hoje à noite, no canal 2, um programa com Liza Minnelli, de genérico “Liza Minnelli no Radio City Hall”. Em princípio, pelo menos. Sabe-se como a nossa televisão gosta de surpresas. É uma televisão moderna com opções vanguardistas. Por exemplo: na terça-feira, tinha sido anunciado o espectáculo de Maria Bethânia no Coliseu dos Recreios. Saíram tangos argentinos. Para hoje à noite, a expectativa é grande. Será um “thriller”? Um especial de luta americana? Rua Sésamo? Uma cassete (“miam”) da “Penthouse” metida por mão marota?
Por estas e por outras, amamos a RTP, pelo cuidado que tem sempre em oferecer o imprevisto a horas improváveis. Mas vamos fazer de conta, só pela piada, e acreditar que esta noite haverá mesmo Liza Minnelli.
Ela é conhecida sobretudo por ser filha de Judy Garland e Vicente Minnelli, pelas suas interpretações em “Cabaret”, de Bob Fosse, e mais tarde em “New York, New York” de Martin Scorsese, por ser um bocado parecida com a mãe e pelas pernas. Sem esquecer que fez uma cura de desintoxicação e nunca mais snifou pó de talco nem tocou numa garrafa de Seven up. Liza é boa actriz e tem boa voz, facetas que sintetizou de forma exemplar no tema musical do filme se Scorsese.
Gravou uma série de álbuns que valem mais pela voz do que pela música propriamente dita, entre os quais “Flora, the Red Menace” (1965) e “The Act” (1977), que lhe valeram a atribuição do prémio Tony, “Liza! Liza!” (1964), “Liza with a ‘Z’” (1972), “New Feelin’” e “The Singer” (ambos de 1973) e o mais recente, “Tropical Nights”, em colaboração com os Pet Shop Boys.
No hipotético programa de hoje à noite, vamos poder escutá-la em canções como “So what”, “Sara Lee”, “There is a time”, “Quiet love” e, claro, “Theme from New York New York”. Nunca nos sai da cabeça aquela imagem dela, em “Cabaret”, de chapéu de coco, maquilhagem de boneca e perna desnuda, levantada sobre o encosto da cadeira. Escolhemos outra fotografia, mais pudica, que realça o perfil do rosto e as sobrancelhas. Não conseguimos ser tão ousados como a RTP.
Canal 1, às 00h10

Vários – “Glamour Horror” (artigo de opinião)

Pop Rock >> Quarta-Feira, 30.12.1992


“GLAMOUR HORROR”

Passadas duas décadas sobre a eclosão do movimento, o “glam” chama de novo as atenções. A decadência e a androginia voltam a dar as mãos e a vestir o brilho dourado do mau gosto, de Morrissey aos Right Said Fred. Rebeldia em toque de finados ou pura diversão, o “kitsch” assexuado regressou em força. Mais uma acha para a grande confusão.



Na década de 70 deu-lhes para aquilo. Marc Bolan, Brian Eno, David Bowie, Gary Glitter, Kim Fowley ou grupos como os Kisss, Sweet, Bay City Rollers, David Essex e New York Dolls, encheram os olhos de “make-up”, vestiram-se de dourados e prateados, encheram-se de plumas e lantejoulas e ensaiaram meneios femininos. Era o chamado “glam rock”, feito de imagens decadentes e confusões exuais. Havia antepassados. Liberace e Little Richard já haviam antes carregado na pintura e na escandaleira. Descontando a vertente mais “camp” nascida nos anos 70 (que teve em Elton John, Slade, Suzy Quatro, alguns dos seus principais cultores) e, do início dos anos 80 as fantochadas pseudo-futuristas dos “novos românticos” (Visage, Spandau Ballet, Classix Nouveau), secundados pelo teatro “gender bender” (Culture Club, Erasure, Frankie Goes To Hollywood), o “glam” pareceia ter deixado definitivamente de ser “in”, fora os escoceses que nunca deixaram de usar saias.
Estava toda a gente sossegada quando, no início de 1992, o alarme soou: a velha guarda “glam” reunia-se e celebrava, no mítico Rodney Club, o Sercond Hemsby ‘70s Glam Rock Weekend Party, com apresentações ao vivo de canastrões como Les McKeowan (Bay City Rollers), Brian Connoly (Sweet), Les Gray (Mud), The Rubettes, Showaddywaddy, Mungo Jerry (autores de “In the Summertime”, uma das piores canções de todos os tempos), Alvin Stardust e a nova banda sueca (mais uma) Rossall and the Gang, que integra nas suas fileiras um antigo membro da Gary Glitter Band.
Não chegou para se poder falar num “glam revival”, mas acontecimentos posteriores fazem temer o pior. Há sempre um lugar garantido para o mau gosto e até o aparecimento de projectos conotados com o “glam” foi um passo. Morrissey, promovido a nova coqueluche norte-americana (graças a “Your Arsenal”, um álbum com a chancela de Ian Hunter, ex-guitarrista dos Spiders from Mars de David Bowie), cobre-se agora de lantejoulas e “kitsch”, em espectáculos tanto ou mais pirosos que os dos seus colegas de há duas décadas. Os Manic Street Preachers vestem-se de noivas e lançam a subversão travestida de “glamour” no “single” “You love us”. Os Silverfish incluem no seu novo álbum “Organ Fan” o tema “Rock On” de David Essex. Novas bandas, como os Cud (de “Asquarius”) e Denim (formada pelo ex-Felt Lawrence), fazem luxo na reciclagem mimética de valores e sonoridades do princípio dos anos 70. E outros mais mundanos, como os Right Said Fred ou os Suede – entretanto, promovidos a banda sensação do ano pelos semanários de música ingleses -, fazem manchete nas publicações de escândalos, seguindo a mesma estratégia que conduziu Bowie ao estrelato duas décadas atrás, isto é, confessando publicamenre a sua bissexualidade.
O teatro volta a ocupar o centro das operações. Mais do que a música impera a atitude e a imagem. Na procura desmesurada da diferença que caracteriza a Babel deste final de século, valem todas as loucuras e provocações. Mas a acumulação e o excesso, destituídos de sentido, retiram-lhes credibilidade. Se, à entrada dos anos 80, Boy George confundia e perturbava as consciências mal ressacadas do “punk” e, passada uma década, Madonna ainda provocava algum choque com a sua mistura sacrílega de crucifixos e orgasmos simulados ao vivo, o certo é que a orgia descambou na apatia generalizada. Bem poderá a autora de “Sex” rapar as sobrancelhas, implantar-se dentes de ouro e fazer poses obscenas que já ninguém liga. Pouco se deverá também esperar dos pobres nostálgicos do brilho artificial que voltam a esticar-se do alto dos seus tacões de 20 centímetros para chamar a atenção. “Glamour” é Marilyn, e Marilyn houve uma e mais nenhuma. Vá lá, duas, contando com Elton John.

Discografia
Cud “Asquarius”
Denim “Back in Denim”
Manic Street Preachers “Generation Terrorists”
Morrissey “Your Arsenal”
Right Said Fred “Up”

Vários – “Tendências 1992 – Novos Progressivos” (artigo de opinião)

Pop Rock >> Quarta-Feira, 30.12.1992


TENDÊNCIAS 1992
NOVOS PROGRESSIVOS


Sobretudo na música popular, nada se perde e tudo se transforma. A pop não evolui de forma linear. Olha para trás, tenta aprender, modificar ou contrariar as lições do passado, mas o ciclo é vivioso e a moda dos revivalismos uma constante. Os anos 70 e a música progressiva voltaram à ribalta e novos nomes recuperam uma tradição que muitos davam por perdida. A pop, na idade adulta.



É um problema de idade. Cultura juvenil por excelência, a indústria cuida em primeiro lugar de fornecer alimento ao gosto adolescente que, não ofende dizê-lo, nem sempre é o mais sofisticado. Nunca há tempo para uma evolução genuína. Os músicos, passados alguns anos, são geralmente considerados “velhos” pelos “media” obcecados com o estigma “é jovem, é bom” e acusados de traírem o ideal “rebelde” do primeiro álbum.
Resta-lhes passar à clandestinidade, repetir fórmulas gastas até à senilidade ou, o que é mais comum, abandonarem o circo. Claro, os que não abdicam da evolução marimbam-se para a pop. Passam a integrar o lote dos “esquisitos”. A crítica e as grandes companhias de discos condescendem ou não com o “desvio”, consoante as simpatias, as flutuações das modas e os índices de vendas.
Em suma, a música pop não pode crescer. Faz parte da sua natureza a eterna juventude. A renovação das camadas de público mais jovem garante o funcionamento da engrenagem. Trem sido assim até agora. Mas uma série de factores recentes parecem querer alterar o rumo dos acontecimentos. À média etária da população mundial que não para de aumentar junta-se a implantação de novos formatos digitais, cuja principal consequência é o reajustamento da indústria, que passa a ater nos consumidores mais velhos os interlocutores privilegiados.
Vem toda esta teoria a propósito da explosão e renovado interesse pelos anos 70 e pela música “progressiva” em geral, liberta dos anátemas que sobre ela foram lançados num passado recente, só perdoáveis pela ignorância e tenra idade de quem nunca ouvira falar e aó agora começa a descobrir grupos como Faust, Henry Cow, Hatfield and the North, Magma, Van Der Graaf Generator, Gentle Giant, Univers Zero, Gong, Gilgamesh, Can, Soft Machine, Caravan, Matching Mole, Ashra, Richard Pinhas, Residents, National Health, Incredible String Band e tantos outros, dezenas de outros que a tal juventude e a falta de curiosidade (e de gosto. Havia jovens adolescentes que já então se preocupavam em investigar para além dos “tops”…) impediam de apreciar.
Hoje Julian Cope exibe “T-shirts” dos Faust e faz a apologia deste grupo germânico, pioneiro de quase tudo o que de mais inovador se faz na actualidade. Descobre-se o “cosmic rock”, o “kraut rock”, mistura-se tudo, o deslumbramento é total. Descobrem-se pérolas escondidas que a vaga de reedições em compacto de nomes importantes da década de 70 permite desfrutar sem os inconvenientes do ruído.
Discografias inteiras surgem recuperadas nos escaparates: Henry Cow, Magma, Faust, Residents. Editoras e distribuidoras saídas do ventre fértil da Recommended saem do anonimato e rivalizam no desenterramento de raridades – Cunneiform, Rec Rec, Auf Dem Nil, Review, No Man’s Land, Ayaa. Grupos da nova geração e diversas latitudes planetárias recuperam o legado da “progressiva” (pondo de lado a famigerada tendência do “rock sinfónico” que tantos equívocos provocou) e permitem acreditar que a música popular pode crescer e evoluir para além do rock e da facilidade: No Secrets in the Family, Daniel Schell & Karo, Double-X-Project, Expander des Fortscritts, Legendary Pink Dots, J. Lachen, Lars Hollmer, Lars Pedersen, Luciano Margorani, Miriodor, Motor Totemist Guild, Nimal, Non Credo, Nurse With Wound, Thinking Plague, 5 Uu’s, Der Plan, Wondeur Brass, Die Vogel Europas, Zero Pop… A crise de crescimento parece superada.

Discografia
Birdsongs of the Mesozoic “Pyroclastics”
Julian Cope “Jeovahkill”
Legendary Pink Dots “Shadow Weaver”
No Secrets in the Family “Kleinzeit”
Die Vügel Europas “Best Before”