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Rui Veloso – “A Comissão Dos Descobrimentos Virou-nos As Costas”

pop rock >> quarta-feira, 15.12.1993


“A COMISSÃO DOS DESCOBRIMENTOS VIROU-NOS AS COSTAS”

Com a publicação de “Fora de Moda” e “Guardador de Margens”, fica a partir de agora disponível em compacto a discografia completa de Rui Veloso. Entre lamentos, receios e acusações, o “pai do rock português” pretende para já esquecer o “Auto da Pimenta”.



Da nossa entrevista com Rui Veloso ressalta a ideia de que o músico portuense não conseguiu até agora a ssumir o controlo da sua obra e do seu próprio destino como artista. Insatisfeito por natureza, continua à procura do som e das condições ideais.
PÚBLICO – O que o levou a remisturar os temas “Fora de Moda” e “Guardador de Margens”?
RUI VELOSO – Estes discos tiveram uma gravação muito confusa. Havia pianos em mono, muito amadorismo, ninguém percebeu muito bem o que se estava a fazer. Sempre fui um bocado cobaia dos técnicos novos. E foi numa altura em que andava mal comigo mesmo. Uma balda.
P. – Nunca conseguiu ter um mínimo de controlo?
R. – Nem pensar. A única vez em que julguei que isso era possível foi quando fui misturar o “Maubere” a Miami, com o Nuno Bettencourt e os gajos dos Extreme.
P. – É uma crítica subtil aos profissionais de estúdio portugueses?
R. – Não é subtil, é directa.
P. – Onde é que eles falham?
R. – Na experiência, no conhecimento, na humildade, na vontade de querer saber mais. Normalmente, os técnicos de cá, os engenheiros, querem logo ser produtores, armados em vedetas…
P. – Não deixa de ser estranguém com o seu estatuto não consiga impor condições…
R. – Deixo-me convencer. Por exemplo: o som de “Mingos e os Samurais” e do “Auto da Pimenta” é demasiado “soft”. Não queria que fosse assim. Preferia um som mais duro, emq eu a bateria soasse de facto como uma bateria e não como uma coisinha qualquer que estivesse para ali. O “Mingos e os Samurais” foi gravado em condições inenarráveis, um dos canais da mesa (ou os dois) só funcionava à murraça [risos]. Caía pó lá para dentro – uma vez o pessoal enrolou umas “joanas” e no fim os gajos da limpeza, ao verem as sementes de erva, diziam que aquilo até alpista tinha lá dentro.
P. – Em que ponto se encontra o seu diferendo com o Carlos Tê?
R. – Ele é capaz de ter tido alguma razão em coisas como as minhas ligações, entre aspas, políticas, que foram muito empoladas, os espectáculos que fiz patra o PSD. Muita gente fez disso cavalo-de-batalha. O Carlos também não concordou.
Depois, a minha vida era um bocado nocturna e boémia de mais e ele já não era um tipo mais certinho do que eu. Eu gostava era de beber uns copos… É a vida, um gajo anda sozinho e… é a borga! Entretanto, casei e deixei-me de boémias.
P. – Gravou de seguida dois álbuns duplos, “Mingos e os Samurais” e “Auto da Pimenta”…
R. – Dois duplos seguidos foi de loucura, uma coisa que não se deve fazer, anticomercial.
P. – Então porque razão aceitou fazer o “Auto da Pimenta”? Por dinheiro?
R. – Qual dinheiro? Fizemos esse disco porque eu e o Tê achámos a ideia interessante e porque nos prometeram que iríamos fazer espectáculos com ele nas capitais de distrito e outro em Sevilha, com uma encenação engraçada…
P. – O que não chegou a acontecer…
R. – Claro que não, porque a Comissão dos Descobrimentos virou-nos completamente as costas. Até uma certa altura, diziam que o disco era o máximo e de repente deixaram-nos cair. Uma coisa indecente, até porque tencionávamos tocar na mesma o “Auto da Pimenta”, mas aproveitando o esteio do “Mingos e os Samurais”, que na altura estava mais do que vivo, com espectáculos para oito, dez, 15 mil pessoas. Fui obrigado a interromper esses concertos, para os quais, na época, havia já qualquer coisa como cem pedidos.
Economicamente, foi um desastre. Ganhámos 1500 contos com a porcaria do “Auto da Pimenta”. O pessoal julga que ganhámos um balúrdio. Mentira!
P. – Porque razão a Comissão dos Descobrimentos “deixou cair” o álbum?
R. – Não faço a mínima ideia. Disseram que gostaram e que iam comprar e oferecer não sei quantos discos, mas foi tudo ao contrário. A editora parece que também se desinteressou um bocado do disco. Não sei. Houve um episódio que mostra bem como pensam algumas pessoas da Comissão. Na ocasião de uma entrega oficial de um prémio qualquer a um artista africano, com a presença de ministros, tudo muito solene, o Vasco Graça Moura veio ter comigo para me perguntar se eu não me importava de ficar de pé – porque era capaz de ter piada -, num dos lados do corredor a tocar guitarra, quando a comitiva passasse! Fiquei hirto, não queria acreditar. Só faltava a caixa das esmolas…
P. – Ainda está a recuperar do choque?
R. – Ainda estou mais do que a recuperar, porque paguei do meu bolso os ensaios de sete músicos e depois acabou por não se fazer o espectáculo. O único que fiz foi o de Sevilha no qual a Comissão dos Descobrimentos andou a dizer com uma grande lata que eu ia apresentar exclusivamente o “Auto da Pimenta”. Toquei o que me apeteceu, até um “blues”. Cheguei à conclusão que era impossível levar o “Auto da Pimenta” para a estrada. Não tinha dinheiro para o fazer.
P. – Tudo isso deveria ter sido negociado antes?
R. – Não ficou nada escrito. A Comissão chegou a ter ideias megalómanas para o espectáculo de Sevilha, coisas malucas, e eu preferia uma coisa mais simples. E agora tenho um problema entre mãos: é que os estrangeiros gostam do “Auto da Pimenta”, os belgas, suiços, holandeses, dinamarqueses, até os islandeses…
P. – Como é que o disco chegou lá?
R. – Foi editado em França, saiu também na Suiça. Na Suiça, mostraram aos holandeses… Neste momento é um problema, porque há uma crise inegável e isso reflecte-se na falta de trabalho.
P. – Isso significa que tão cedo não se vai livrar do “Auto da Pimenta”?
R. – Mais frustrado fiquei porque uma das minhas ideias era fazer o “Auto da Pimenta” ao vivo, mas como deve ser, e não o consegui. Neste momento não sei… acho que vou apenas tirar algumas músicas. Não gostaria que a Comissão dos Descobrimentos viesse agora a beneficiar de uma coisa pelual não fez nada, a não ser pura e simplesmente gastar dinheiro, não sei bem em quê.
P. – Em relação às vendas do disco no estrangeiro, não se interessa em saber pormenores? Não pode perguntar à editora?
R. – Interessa-me, preocupo-me, e até estou um bocado assustado, mas esqueço-me de perguntar…
P. Está arrependido de ter gravado o “Auto da Pimenta”?
R. – Se soubesse então o que sei hoje, nunca o teria gravado naquela altura [1991]. A Comissão indicou-me um prazo para tocar em Sevilha e para acabar o disco, para o promover e tal. Tudo mentira. Na volta, agora é que devia estar a fazer o “Auto da Pimenta”, se calhar até com o Davy Spillane. Sempre tive a mania das “uillean pipes”, mas ele pediu 1500 contos só para tocar numa música…
P. – Em definitivo, não quer ser uma estrela do “rock and rol”?
R. – É uma questão insuportável. Prefiro contactar com as pessoas individualmente, beber uns copos com elas. Tenho aversão aos estádios, é uma coisa impessoal, não se vê ninguém. Já recebi convites para o fazer e não aceitei. E dava-me um balúrdio de dinheiro.
P. – Se pudesse viver doutra maneira, deixava a música?
R. – Gostava – se conseguisse assumir outra postura – de ser arquitecto, uma coisa que tivesse a ver com expressar algo que vai cá dentro, as confusões que vão na cabeça.
P. – A música não dá para fazer isso?
R. –Dá, às vezes. Mas noutras ando três ou quatro meses sem conseguir fazer nada. É uma grande chatice. Tenho a sensação que se apagou a luz. Depois consigo. É aquilo do “yin” e do “yang”, o negativo e o positivo.
P. – Em que fase se encontra neste momento?
R. – Em baixo. Ando um bocado angustiado. Não trabalho em continuidade há muito tempo, não tenho feito músicas. Também ando assim por ver aquelas imagens na televisão, a miséria dos outros, pela qual é preciso fazer qualquer coisa. Às vezes angustio-me por nada.
P. – De todas as suas canções, qual é a sua preferida?
R. – “Não há estrelas no céu”.

Michael Nyman – “The Piano”

pop rock >> quarta-feira, 20.10.1993
NOVOS LANÇAMENTOS POP ROCK


Michael Nyman
The Piano
Virgin, distri. EMI – VC



Banda sonora do filme de Jane Campion, actualmente em exibição nos cinemas portugueses. Para trás ficou, até ver, Greenway e os seus grandes frescos decadentes, que serviam às mil maravilhas o neoclassicismo minimalista, com a reconhecida vénia a Purcell, de Michael Nyman. Em 2The Piano”, porém, o compositor toca pianinho, em peças curtas que deixam esbatido o seu estilo peculiar, o que se por um lado tem a vantagem de tornar o disco menos previsível, por outro acaba por torna.lo um pouco aborrecido. É a velha história das bandas sonoras que aguentam e as que não aguentam a ausência das imagens. “The Piano” aguenta com esforço, como um carregador de pianos.
Para ponto de partida das orquestrações, Nyman utilizou um reportório específico para piano que idealizou como sendo o reportório pianístico de Ada, a personagem principal do filme, nas suas aulas de aprendizagem / iniciação amorosa deste instrumento. Ada é escocesa: por isso, foram incorporados na música elementos folk deste país. Nota-se, se prestarmos muita atenção. Da música de Ada – de Nyman, pois – diz outra personagem do filme: “É um estado de espírito que nos trespassa… um som que provoca arrepios.” Provavelmente. (5)

Vários – “Far Away, So Close”

pop rock >> quarta-feira, 15.09.1993
ÁLBUNS POPROCK


VÁRIOS
Far Away, So Close
Mute, distri. EMI-VC





NADA DE NOVO DEBAIXO DO CÉU
“Até ao Fim do Mundo” era um filme de Wim Wenders de viagem e iniciação, cuja banda sonora ficou para a história como uma das melhores alguma vez realizadas. Uma espécie de golpe de asa que levou os músicos participantes a transcenderem-se, mergulahndo na trama e no universo de imagens alucinatórias do final, como se disso dependessem as suas próprias vidas. O resultado foi um disco com alma e respiração própria. “Far away, so close”, a nova obra do cineasta alemão, é uma espécie de segunda parte de “As Asas do Desejo” e reúne alguns dos nomes presentes em “Until the End of the World”: Lou Reed, Nick Cave, Jane Siberry e os U2. Mas na “reprise” a façanha não se repetiu. Porque “Until the World…” resultou de uma conjugação astral irrepetível e “Far away…” tenta facturar recorrendo à mesma fórmula. Só que agora não há canções verdadeiramente empolgantes (recorde-se, por exemplo, o fabuloso tema dos Talking Heads, “Sex and Violins”), como se o empenho fosse desta feita menor ou a inspiração não descesse com a mesma facilidade do alto do céu de onde o anjo Cassiel contempla a nova Alemanha ainda não cicatrizada da ferida provocada pela queda do muro.
Nem mesmo os U2, com a inclusão dos temas “Stay (far away to close)” e “The wanderer”, este na companhia de Johnny Cash, retirados do álbum “Zooropa” (os restantes, à excepção do “hit” da “star” de pacotilha Herbert Grönemeyer, “Chaos”, são todos originais), desamparados no meio de alguma mediocridade (Grönemeyer, Simon Bonney) conseguem dar brilho a um trabalho que, ao contrário de “Until the End of the World”, surge algo desequilibrado. Nick Cave e Lou Reed despacham serviço, com competência mas sem os génios dos grandes momentos, parecendo o ex-Birthday Party mais sensível à temática e ambiente do filme em “Far away so close” e “Cassiel’s song”, onde estranhamente evoca certos maneirismos vovais de John Cale. Jane Siberry e os House of Love esforçam-se e dão o que podem na tentativa de criarem “temas atmosféricos”. Laurie Anderson constitui talvez a maior decepção, limitando-se a desenrolar a metro alguns dos seus tiques de marca, ao ponto de, em “Tightrope”, recorrer a esquemas já utilizados no tema “Big Science”. Misteriosa e mais compensadora em termos de poder de sugestão é a partitura, dividida em oito segmentos, idealizada pelo compositor francês Laurent Petitgrand, com quem Wenders já havia trabalhado em dois documentários, um deles o aclamado “Tokyo-Ga”, e na música que acompanha a cena de circo em “As Asas do Desejo”.
Em parte talvez devido ao precedente criado pela banda sonora anterior, que fez subir a alturas estratosféricas, as expectativas que rodearam este novo trabalho, “Far away so close” desilude, como se os sons se perdessem sem sentido na visão desolada do anjo, de uma cidade à procura das imagens correspondentes a uma nova identidade. (6)