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Pink Floyd – “Dias 22 e 23, Estádio de Alvalade, Lisboa – Sonhos Cor-de-Rosa” (concerto | perspetiva | opinião)

pop rock >> quarta-feira >> 20.07.1994


DIAS 22 E 23, ESTÁDIO DE ALVALADE, LISBOA
SONHOS COR-DE-ROSA



A lotação está desde há semanas esgotada. Para o primeiro concerto duplo de estádio a realizar em Portugal. Prevê-se que o espectáculo seja de arromba, com a carga de efeitos especiais que a banda de David Gilmour, Rick Wright e Nick Mason não dispensa. Tudo baseado no último álbum, “The Division Bell”. Mas quem é que vai a Alvalade para ouvir a música dos Pink Floyd?



Uma equipa de 200 pessoas envolvidas na actual digressão de três meses e meio dos Pink Floyd, a primeira desde 1987, que coincidiu com o lançamento de “Momentary Lapse of Reason”. Arcos e torres de metal com sete toneladas de peso para segurarem o palco (para sermos mais precisos, três palcos, porque desta vez os Floyd trazem consigo outros dois, para assim estarem a tocar num, enquanto algures outros dois estão a ser montados). Gastos na ordem do meio milhão de dólares por dia. Todos os dias, mesmo aqueles de intervalo entre os concertos.
As estatísticas não mentem: os Pink Floyd mantêm-se iguais a si mesmos. Desmesurados. Preocupados em levar o máximo de entretenimento ao maior número possível de pessoas. De há muito que a música passou para um lugar secundário nas preocupações desta banda que os anos transformaram numa colectividade de três simpáticos veteranos.



Há três fases distintas na vida dos Pink Floyd. A primeira coincide com a emergência do psicadelismo em Inglaterra – de que os Floyd, como pelo menos os mais velhos de certeza devem saber, foram actores principais – e foi marcada pela presença meteórica de Syd Barrett. Desta época, finais dos anos 60, ficaram actuações memoráveis no clube UFO (lado a lado com os paladinos “intelectuais” do movimento, os Soft Machine) e a estreia discográfica, “The Piper at the Gates of Dawn”, por muitos considerado o melhor álbum da banda.
Barrett saiu em 1968, obrigado pela loucura e pelos seus companheiros que não conseguiam atinar com o seu comportamento em estúdio e em palco e que cedo descobriram que o ácido nem sempre é bom conselheiro. Anos mais tarde arrependeram-se, dedicaram-lhe um disco, “Wish You Were Here”, e ainda hoje choram e recordam os tempos de glória vividos com Barrett, que desde então vive isolado numa mansão em Cambridge.



Roger Waters, que também é louco, mas menos, e sabe controlar-se e até tirar partido e gravar álbuns duplos sobre o que lhe apoquenta a cabeça, ocupou o seu lugar, dando início aos anos de maiores cometimentos. Descontando “A Saucerful of Secrets”, um álbum de transição, “Ummagumma” e “Atom Heart Mother” são dois marcos fundamentais na história da música popular. E assim os Pink Floyd foram subindo de cume em cume, insuflando bonecos gigantes, tocando em frente das pirâmides do Egipto ou no Coliseu de Roma e deixando pelo caminho discos como “Meddle”, “Dark Side of the Moon” (o tal que quase toda a gente aclama, que ainda hoje vende que nem sardinhas mas que consideramos acima de tudo um triunfo da produção) e “Animals”. Nesta altura havia já quem se começasse a fartar e foi preciso Waters assumir por inteiro o comando das operações, explodindo no duplo “The Wall”, para que as coisas voltassem, se não ao que eram, pelo menos ao lugar.
Mas se “The Wall” foi sem dúvida a derradeira glória numa dinastia de grandes álbuns dos Pink Floyd, foi igualmente o seu canto do cisne. De banalidade me banalidade e após um último trabalho, “The Final Cut”, que pode ser considerado uma espécie de posfácio a “The Wall”, Waters abandonou por sua vez os Floyd, em 1985, encetando um período de álbuns a solo e conflitos legais contra os restantes músicos da banda. Ainda hoje, em termos legais, Rick Wright não é um elemento oficial da banda, mas sim um simples empregado. Eis enfim os Pink Floyd instalados na sua última e mais recente fase. Sem Roger Waters, mas com álbuns e espectáculos que custam milhões a fazer e rendem o dobro ou o triplo. Os Pink Floyd, quais Spielbergs da música deste século, tornaram-se profissionais do artifício. Infelizmente, sem a poesia deste realizador americano.
Em Portugal saiu há poucos meses, com a pompa e circunstância possíveis, o mais recente álbum do actual trio formado por Gilmour, Wright e Mason, intitulado “The Division Bell”. Ninguém lhe ligou muita importância mas o facto é que já é platina. E não é de prever que haja alguém que entre em Alvalade envergando a “T-shirt” idealizada há anos pelos Sex Pistols, com a frase “Eu odeio os Pink Floyd”.

Sidsel Endresen – “Exile”

pop rock >> quarta-feira >> 20.07.1994


Sidsel Endresen
Exile
ECM, distri. Dargil



De onde caiu esta voz da qual não conseguimos definir ao certo a temperatura? Sidsel Endresen é uma norueguesa de olhar distante, em cuja figura se agitam os reflexos dos fiordes e de uma aurora boreal do grande Norte. Nunca temos a certeza se esta voz nos queima ou enregela. É um timbre único. Com o recorte fino de uma lâmina, cujo gume aparece tingido por uma perturbante gota de sangue. Já era assim no álbum anterior, “So I Write”, de 1992, primeiro editado na ECM, que a revista “The Wire” considerou ser provavelmente “o melhor disco vocal de sempre” em todo este catálogo. Polaridade (“Polarities” é mesmo o título de um álbum da cantora, gravado em 1982 com o grupo de Jon Eberson) de opostos que coincidem. Quente-frio. Igual ao vermelho-azul de uma chama. Dicotomia que se prolonga nas canções, selecionadas por Sidsel de um lote maior, a que a compositora dera o nome de “Pagan Pilgrimages” (“peregrinações pagãs”). Annette Peacock é a referência mais próxima. Mas também Kirsten Beaten Berg, em “Theme 1”, toque delicado, mas pleno de energia, nas inflexões tradicionais. Poderíamos olhar para Sidsel Endresen e ver nela uma outra Nico, deusa da Lua, de “Here the moon” (“here the face / here the foot, here the path…”), mais dinâmica, mais sereia, mais luminosa, se ela própria não olhasse e visse com a lucidez da observadora. O que Sidsel Endresen faz na súmula final de “Exile”: uma viagem “a vários níveis”, segundo a sua autora, através de “mitos e crenças, estratagemas e esperança”. (8)

Leonard Cohen – “Cohen Live”

pop rock >> quarta-feira >> 13.07.1994
ÁLBUNS POP ROCK


Leonard Cohen
Cohen Live
Columbia, distri. Sony Music



Em 26 anos de carreira, este é o Segundo álbum ao vivo, depois de “Live Songs”, do lendário cantor canadiano que foi recentemente alvo de homenagem em “I’m your man”, cujo segundo volume está já em preparação. Percebe-se que o trovador prefere mostrar-se ao abrigo de um estúdio. Se agora Cohen resolveu apresentar excertos das suas digressões realizadas em 1988 e no ano passado, tal deve-se, como o próprio explicou em entrevista ao PÚBLICO, a uma espécie de desejo de confrontação consigo mesmo, em termos de qualidade técnica, ao mesmo tempo que a uma tentativa de arquivar o ambiente de euforia e comunhão dionisíaca que caracterizam os espectáculos actuais deste compositor-intérprete.
“Cohen Live” é, em termos de qualidade, muito superior ao que é habitual em registos ao vivo. O som é ao mesmo tempo detalhado e caloroso, permitindo comparar a evolução da voz de Cohen no tempo que mediou entre as duas digressões. Mais directa há seis anos (ainda) mais profunda e aveludada nos concertos do ano passado. Não podendo de modo algum considerar-se um “best of”, até porque isso não seria possível num único disco, é em “Cohen Live” contudo possível rever e revisitar sob uma nova luz clássicos como “Dance me to the end of love”, “Bird on a wire”, “Joan of Arc”, “Sisters of mercy”, “Hallelujah”, “I’m your man” e “Suzanne”, num total de treze canções presentes na forma original nos álbuns “The Songs of Leonard Cohen”, “Songs of Love and Hate”, “New Skin for the Old Ceremony”, “Various Positions” e “I’m your Man”. Um Cohen que, como o vinho do Porto, tem sabido envelhecer. (7)