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Ingrid Karklins – “A Darker Passion”

pop rock >> quarta-feira >> 12.01.1994
world


Passagem Para O Desconhecido

Ingrid Karklins
A Darker Passion
Green Linnet, import. Contraverso



Pois é, a confusão aumenta a cada instante e ainda bem. World, étnica, folk, tradicional, são cada vez mais termos sinónimos de inovação. A nova música passa pela descoberta dos estratos mágicos do mundo. Definir a música de Ingrid Karklins, uma americana do Texas, filha de pais lituanos, é tarefa impossível. Muitos só com a ajuda de um microscópio conseguirão vislumbrar em “A Darker Passion” os elementos susceptíveis de integrar este álbum em qualquer uma das categorias acima enunciadas.
Comecemos pela voz, um misto de Laurie Anderson, Mari Boine Persen, Kate Bush e da canadiana, menos conhecida, Dalbello. Ou seja, uma voz que percorre sem esforço a gama vocal que vai do sussurro ao grito. A música inclui quatro temas tradicionais da Lituânia, um do Texas e outro da tradição gaélica. O resto são composições originais. A propósito desta mescla estranhíssima que alinha as percussões sampladas a flautas, violinos, saxofone, violoncelo e um “kokle” (variante lituana do “kantele” finlandês, família dos saltérios), Mário Alves, da Etnia, referiu-se a uma espécie de “efeito Hedningarna” sobre o auditor. Isto é, um choque emocional causado por uma estética sem filiação visível. Andrew Cronshaw, músico e redactor da “Folk Roots”, confessou o seu espanto e rendeu-se sem perceber muito bem a quê. Música experimental, sem dúvida. Se nos Hedningarna a matriz tradicional é ainda o esteio firme de uma música que se vai até ao ponto limite de tensão, em que um passo a mais em frente poderá significar a ruptura, em “A Darker Passion” essa ruptura está consumada. Ingrid Karklins ultrapassou o ponto a partir do qual já não há retorno. Está só, numa terra de ninguém.
Se, em temas como em “Crack the slab” e, sobretudo, “Hiro/Smitten”, é lícito resguardarmo-nos no paralelismo vocal (e mesmo estrutural) com Laurie Anderson e, em “Metenitis”, não anda distante o som dos Hedningarna, no resto do disco navegamos sem bússola nem leme pelos mares em que tudo é possível e as formas se encaixam entre si com o maior desprezo pelas escolas e movimentos instituídos. Claro que “sentimos”, mais do que percebemos, a existência de códigos conotados com a herança étnica, em faixas como “Es apkalu ozolinu/Oceans apart”, “Kupla, kupla liepa auga” ou “Visas manas sikas dziesmas”, mas, mesmo nestas, a estranheza instala-se – fruto de uma impossibilidade de reconhecimento de normas pré-existentes. Pormenores de somenos quando o prazer sobeja em nos deixarmos arrastar na descoberta de um novo continente. Imaginário, obviamente, mas onde suspeitamos que haja uma lógica escondida e um elo de ligação com algo ainda por definir. (8)

Amélia Muge – “Amélia Inédita”

pop rock >> quarta-feira >> 12.01.1994


Amélia Inédita



Amélia Muge, autora de “Múgicas”, o álbum-revelação de 1992 que deu a conhecer uma das melhores vozes femininas da música popular portuguesa da actualidade, prepara a edição do seu segundo trabalho que, à semelhança do primeiro, será produzido e contará com a presença de António José Martins. Editora para o novo trabalho, já com título escolhido mas que a cantora prefere por agora não divulgar, ainda não há, nem a escolha de temas é definitiva. Mas se em relação ao novo álbum muita coisa está ainda por fazer e decidir, em relação aos espectáculos Amélia Muge prepara aquela que será a sua entrada em força em 1994, com três concertos agendados para o Instituto Franco-Português nos próximos dias 27, 28 e 29 deste mês. Três concertos que vão ser gravados, com a novidade de incluírem apenas temas inéditos, ao todo 20 e duas canções, não estando de parte a possibilidade de algumas delas poderem vir a ser editadas no novo disco. Ao lado de Amélia Muge vão estar em palco António José Martins, em teclados e percussões, e Luís Sá Pessoa, no violoncelo. Prometidas estão algumas surpresas.
“Para mim tem sentido começar o ano de 94 fazendo estes espectáculos em Janeiro”, diz, a propósito, Amélia Muge. “Não é birra nenhuma. Lisboa capital da cultura começa a 26 de Fevereiro, mas penso que a partir do dia 1 deste mês já estamos na capital da cultura…”. “Amélia 94”, assim se chama o genérico desta série de espectáculos, acrescenta ainda a cantora, “é o iniciar de um novo ciclo cujo sentido e linha condutora passa por um enxerto nas nossas tradições”.
Acrescente-se a toda esta actividade um outro projecto, a criação do colectivo Agrupa, com Margarida Antunes, do coro Cramol, e Cristina Antunes, que fez parte do GAC, actualmente em fase de ensaios e já com reportório próprio. Um trio que irá decerto dar que falar.

Vários – “Figuras Portuguesas Do Ano – Leões Da Música 1993” (balanço)

pop rock >> quarta-feira, 29.12.1993
FIGURAS PORTUGUESAS DO ANO

Leões Da Música 1993




O troféu Leões da Música é uma iniciativa de um grupo de sócios do Sporting com lugar cativo no Estádio de Alvalade que, graças a este expediente, assistem à borla a todos os concertos que lá ocorrem. Apesar de estarem particularmente gratos a todas as estrelas internacionais que de algum modo financiam a sua equipa ao actuar em Alvalade, evitando os descalabros de tesouraria de outro clube da Segunda Circular, a dita associação decidiu neste ano atribuir o prémio a uma banda portuguesa que também actuou no seu estádio: os Sitiados. Não tanto por lá terem tocado no Portugal ao Vivo, mas em virtude de lançarem uma canção, incluída no seu último álbum “E Agora…”, em que asseguram aquilo de que mesmo os sócios leoninos mais entusiastas já começam a duvidar. Dizem eles que o Sporting vai ser campeão…

Iniciação Sexual 1993




Falando ainda no Portugal ao Vivo, importa desmentir os boatos vindos a público de que uma parte significativa da comitiva da Secretaria de Estado da Juventude que presenciou aquele evento teria riscado os Xutos & Pontapés da enorme lista das bandas que, em 1994, merecerão apoio governamental. O chamado “incidente sexual” ocorrido durante a prestação do tema “Sexo”, quando os Xutos chamaram ao palco um trio de “strippers” que fez questão em despir as roupinhas até às partes mais íntimas, foi, de facto, aplaudido de pé pelas individualidades que a testemunharam e que, segundo fontes fidedignas, terão mesmo adiantado que, agora, finalmente, têm uma boa razão para acompanhar os filhos aos concertos de rock português. Claro que a criação do galardão Iniciação Sexual por parte da revista “Rezar” não tem nada a ver com estas motivações.

Caves Aliança 1993




Desde o ano passado, surgiram bandas portuguesas a cantar em inglês que de novo se fala em conflitos de geração entre os músicos da nossa praça. Para que não acabe tudo à estalada, uma conhecida associação de pais do rock português criou um prémio especial para artistas de gerações diferentes que sejam capazes de se sentar a uma mesma mesa a comer um cozido à portuguesa ou mesmo um arroz à valenciana. O troféu, atribuído este ano pela primeira vez, vai parar às mãos de José Cid e Paulo Bragança, em virtude das afirmações proferidas pelo segundo a este jornal. Apesar de ter dito, sobre o primeiro, que se tratava de uma “burra velha” reconheceu também que, para o outro, era o filho que ele nunca tinha tido. O que não faz dele, necessariamente, um burro novo, mas é uma manifesta prova de ternura intergeracional.

Bacalhau 1993




“Bacalhau”, por extenso “Quero cheirar teu bacalhau”, é o nome de um galardão especialmente atribuído a artistas portugueses pelo grémio de estudiosos que se debruçam sobre os efeitos sociais e antropológicos do maior êxito de Quim Barreiros. O troféu, que em anos anteriores foi sempre secretamente confiado, na medida em que as distinções resultavam de episódios decorridos à meia luz no canto de bastidores, por trás de colunas de som, no banco traseiro de “limousines” ou simplesmente em Monsanto, é neste ano pela primeira vez objecto de grande divulgação pública. O feliz premiado é Vítor Gomes, “rocker” lendário da década de 60, que confiou a este diário um inesquecível episódio ocorrido no seu actual regresso aos palcos. Uma senhora da assistência, não conseguindo mais conter-se perante o “charme” amadurecido do ídolo, terá coberto o artista ajoelhado com a sua saia, deixando-o no escuro de microfone na mão e não sabendo o que fazer a seguir.

Boas Maneiras 1993




É um prémio da responsabilidade de um grupo de psiquiatras cristãos anónimos mas muito atentos a estas coisas da juventude e do rock. Preocupados, na sua costela cristã, com a imoralidade infecciosa que alastra entre os lusitanos sub-21, desde as bancadas dos estádios às manifestações estudantis (todos domindados pelo hino “P’ro C…”), mas compreendendo, pelo lado da sua costela psiquiátrica, a necessidade de os jovens exprimirem as suas ambições, ou seja, praguejarem, o núcleo em questão decidiu neste ano laurear uma banda estreante. Trata-se dos Lulu Blind, cujo álbum de estreia “Dread”, lançado há pouco mais de um mês, é por certo o disco que inclui o maior rol de palavrões de toda a história do rock nacional. Mas, aí está, as bujardas dos Lulu são proferidas em inglês – o que instantaneamente transforma o ordinário em “chic” -, ainda por cima sob um mar de distorção e ruído, o que contribui ainda mais para que o eventual conteúdo ofensivo se dilua. Uma aliança perfeita, portanto, entre a catarse juvenil e a boa educação.

Embaixatriz 1993




Todos os anos, um núcleo de verdadeiros lusitanistas, que por uma questão de perspectiva preferem viver no estrangeiro, elege o seu embaixador cultural. O prémio vai para artistas nacionais que apesar da resistência das multinacionais do disco e da indiferença das entidades giovernamentais, arriscam por conta própria manter vivo o bom nome de Portugal além-fronteiras. O troféu vai neste caso para Eugénia Melo e Castro, que, depois de Roberto Leal e do desaparecido Dino Meira, assumiu a sempre difícil e algo ingrata tarefa de propagar a arte de ser português no Brasil, sobretudo agora que as relações entre os dois países estão manchadas pelo acidente dos e outras manifestações de xenofobia nacional. Geninha chegou ao extremo da abnegação de lançar o álbum “Lisboa dentro de Mim – O Sentimento de Um Ocidental” primeiro no Brasil, e vejam a retribuição: apesar do monte de recortes elogiosos na imprensa de São Paulo e de outras cidades brasileiras, ainda houve jornalistas portugueses que tiveram o desplante de desfazer no disco e, por sinal, nas qualidades vocais da artista.