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Leonard Cohen – “Cohen Live”

pop rock >> quarta-feira >> 13.07.1994
ÁLBUNS POP ROCK


Leonard Cohen
Cohen Live
Columbia, distri. Sony Music



Em 26 anos de carreira, este é o Segundo álbum ao vivo, depois de “Live Songs”, do lendário cantor canadiano que foi recentemente alvo de homenagem em “I’m your man”, cujo segundo volume está já em preparação. Percebe-se que o trovador prefere mostrar-se ao abrigo de um estúdio. Se agora Cohen resolveu apresentar excertos das suas digressões realizadas em 1988 e no ano passado, tal deve-se, como o próprio explicou em entrevista ao PÚBLICO, a uma espécie de desejo de confrontação consigo mesmo, em termos de qualidade técnica, ao mesmo tempo que a uma tentativa de arquivar o ambiente de euforia e comunhão dionisíaca que caracterizam os espectáculos actuais deste compositor-intérprete.
“Cohen Live” é, em termos de qualidade, muito superior ao que é habitual em registos ao vivo. O som é ao mesmo tempo detalhado e caloroso, permitindo comparar a evolução da voz de Cohen no tempo que mediou entre as duas digressões. Mais directa há seis anos (ainda) mais profunda e aveludada nos concertos do ano passado. Não podendo de modo algum considerar-se um “best of”, até porque isso não seria possível num único disco, é em “Cohen Live” contudo possível rever e revisitar sob uma nova luz clássicos como “Dance me to the end of love”, “Bird on a wire”, “Joan of Arc”, “Sisters of mercy”, “Hallelujah”, “I’m your man” e “Suzanne”, num total de treze canções presentes na forma original nos álbuns “The Songs of Leonard Cohen”, “Songs of Love and Hate”, “New Skin for the Old Ceremony”, “Various Positions” e “I’m your Man”. Um Cohen que, como o vinho do Porto, tem sabido envelhecer. (7)

Eddi Reader – “Eddi Reader”

pop rock >> quarta-feira >> 13.07.1994


Eddi Reader
Eddi Reader
Blanco Y Negro, distri. Warner Music



O que elas dizem é sempre a mesma coisa. E, já agora, eles. Põem a alma a nu em disco. No caso delas é sempre uma perspectiva especial do feminino (que nunca, mas nunca, se confunde com feminismo), a explanação de vivências que envolvem toda a gama de contradições e quezílias internas. A ex-cantora dos Fairground Attraction procura levar a exibição da sua personalidade a níveis de maior estranheza, o que de resto, vai ao encontro da actual tendência de “flirtar” com a loucura, de que são exemplos relativamente recentes Jane Siberry e Tori Amos, ambas discípulas da “louca” que deixou de o ser, Kate Bush. Depois, na prática, são quase sempre canções que falam do eterno tema do amor e descrevem a complexidade de relações que, por norma, acabam mal. E há a voz. Algo, que por si só, pode traduzir para além das palavras, um determinado “bouquet” de emoções. Eddi Reader tem um registo vocal a atirar para o doce profundo, de timbre confortável, sem tensões nem angulosidades que possam magoar sem querer. Quando é mais profunda e um pouco menos doce, como em “East of Us” e “When I watch you sleeping”, Eddi Reader lembra a dimensão trágica de K. D. Lang. Facto a que não é alheio a produção de Greg Penny, o mesmo de “Ingénue”. O álbum peca pela vulgaridade de alguns temas, para terminar em alto nível com “Siren”, um lamento perturbante de enredo mitológico. Se deitarmos para trás das costas as angústias da senhora, pode ser usado como um bom álbum-refresco para os longos dias (e noites) de Verão. (6)

Nick Drake – “Way To Blue – An Introduction To Nick Drake”

pop rock >> quarta-feira >> 29.06.1994
REEDIÇÕES


De Costas Para A Luz

Nick Drake
Way To Blue – An Introduction To Nick Drake (8)
Island, distri. BMG



Nick Drake pertence à categoria dos mártires que se foram discretamente. Não se pode alinhá-lo ao lado dos monstros que morreram, ou se deixaram morrer, com pompa e clamor, como Jim Morrison, Hendrix ou Janis Joplin. O seu caso tem a mais a ver com Nico e Ian Curtis, com os criadores supliciados pela sua própria inspiração, inacapazes de suportar o fardo da vida, da música, da vida “on the road”, da sua própria condição enquanto criadores, enfim. Nick Drake levou ainda mais longe a recusa aos padrões do “show business”. Uma timidez quase esquizofrénica fazia dele uma personagem fugidia, uma sombra de contornos indefinidos. Por ocasião do seu terceiro e último álbum, “Pink Moon”, nem sequer apareceu no estúdio, enviando as fitas pré-gravadas pelo correio.
Sabe-se pouco da vida de Nick Drake. Surgiu a cantar quase por acaso no meio da vaga de folk rock que rebentou em finais dos anos 60 nas ilhas britânicas, ao lado de figuras como Ashley Hutchings e Fairport Convention. Foi Joe Boyd, produtor e empresário dos Fairport e “descobridor” oficial de talentos para a editora Island quem o descobriu e lhe proporcionou o primeiro contrato de gravação. “Five Leaves Left”, de 1969, integra-se perfeitamente no som acústico da época, revelando um cantor/compositor de veia nostálgica com tendência para a depressão.
Na altura houve quem comparasse este disco a “Astral Weeks”, de Van Morrison, mas, se há que fazer comparações, sobretudo ao nível das vocalizações, invariavelmente no limite do equilíbrio emocional e da lucidez, estas deverão ser encontradas em John Martyn, por sinal também agenciado por Boyd na Island e por coincidência autor de um tema, “Solid air”, incluído no álbum do mesmo nome, dedicado a Nick Drake. A presente colectânea reúne cinco temas deste álbum maioritariamente composto por solilóquios de Drake sobre a guitarra acústica, com ocasionais contribuições de uma orquestra de cordas, do violoncelo de Clare Lowther (no maravilhoso tema de abertura “Cello song”) ou do contrabaixo de Danny Thompson.
“Bryter Layter”, o álbum seguinte, de 1970, apresenta um leque maior ao nível dos arranjos, para tal contando com as presenças de John Cale e de três membros dos Fairport Convention, Dave Pegg, Dave Mattacks e Richard Thompson. A depressão intensificava-se e com ela a solidão. Amontoavam-se os despojos de uma alma em conflito perpétuo e à deriva dentro de si própria, cujas canções cada vez mais se assemelhavam ao murmúrio de uma criança precocemente envelhecida a quem tivessem arrancado à força a inocência. Nick Drake abandonou em definitivo os espectáculos ao vivo dando início a um tratamento psiquiátrico, que pelos vistos não surtiu efeito.
Paris acolheu-o, como sempre acolhe os foragidos da “normalidade”. Na cidade-luz, Drake – há nome mais romântico do que este? – compôs canções para Françoise Hardy que, conta a lenda, chegaram a ser gravadas mas nunca editadas em disco. As cinco canções de “Bryter Layter” incluídas nesta introdução à “loucura suave” inflectem no jazz, oferecendo à voz o amparo de um piano cheio de nostalgia ou o embalo de um vibrafone que tiveram o condão de manter intacta durante mais algum tempo a ilusão.
Volvidos dois anos, em 1972, data da edição de “Pink Moon”, o desabamento psíquico era já irreversível. Depois do abandono dos palcos seguiu-se o abandono do canto. A Island recebeu as fitas do disco pelo correio. Drake fechara-se já no quarto escuro e deitara fora a chave. Era a retirada definitiva. Primeiro da arte e, pouco tempo depois, da vida. Quatro temas de “Pink Moon” marcam o retorno à conversa a dois (ou de um só, cindido em dois) com a guitarra. Drake cantava cada vez mais baixo, para si, contra o vento. Canções desarmantes de simplicidade, de alguém já sem nada a esconder. O resto de “Way To Blue” é preenchido com dois temas de “Time of no Reply”, uma edição póstuma de “takes” alternativos e alguns originais, semelhante a outra, “In a Wild Flower”, realizada no ano anterior. Finalmente, em 1986, foi editada a caixa de quatro discos com a obra completa de Nick Drake, de genérico “Fruit Tree”.
Nick Drake morreu a 25 de Novembro de 1974, em casa dos pais, vítima de uma “overdose” de antidepressivos. A capa de “Way To Blue – Na Introduction to Nick Drake” capta de maneira sublime a essência da personalidade musical de Nick Drake, uma figura franzina, de olheiras enormes, envolto numa manta, perdido numa floresta. Ao fundo, uma luz branca. A luz era ofuscante, mas ele não a podia ver porque estava de costas.