Arquivo mensal: Maio 2022

Fernando Magalhães no “Fórum Sons” – Intervenção #9 – “Mensagem do Arab”

Intervenção #9 – “Mensagem do Arab”

Fernando Magalhães
12.09.2001 190731

A grande mudança
Como tu fiquei, fiquei e continuo a estar chocado.

Um dos cenários possíveis do pós-atentado é a radicalização de posições/guerra entre o Ocidente (Europa + Estados Unidos + Rússia, esperemos) e o “terceiro mundo” (a ideia não é minha, mas julgo-a bastante aceitável), liderado pelo mundo árabe. Ou seja, o pior dos cenários possíveis, o confronto de civilizações/religiões, perigosamente potenciada pela loucura geral que se instalou no planeta.

Descontando o facto de vivermos num Ocidente dominado pela estupidez, a hipocrisia, a corrupção que, em última análise, tenta (ou tentava…) transformar o mundo numa espécie de jogo virtual (Cronenberg é perigosamente profético com “ExistenZ”…), em que cada cidadão funciona como uma peça passiva e alienada num jogo de xadrez (e de poder) cujo alcance nem sequer me atrevo aqui a nomear…

O mundo tornou-se um lugar ainda mais pequeno e perigoso do que já era. A mentira e a manipulação imperam, para além da tragédia da morte (potenciada, no seu impacte, emocionalmente, pelo “em directo na TV”).
A verdade dos factos, a verdadeira lógica inerente a todo este processo é de uma ordem mais terrível.
Há quem a veja, quem não a veja, quem não a queira ver.

O mundo é (tem que ser) mais do que um palco de poder.

A grande Transformação tem que nascer em cada um de nós. Não há sistema, absolutamente nenhum sistema político, que possa solucionar o problema global, o beco a que chegámos.

É preciso mudar o olhar, intuir definitivamente o amor e pô-lo em acção. Consciência e existência são o mesmo. É o modo como vemos o mundo que determina a sua forma. Há que limpar o olhar.

Só nos libertaremos (e ao mundo) quando cada um de nós SENTIR A DOR DO OUTRO COMO SENDO A NOSSA PRÓPRIA DOR.

Apocalipse significa revelação e precipitação.

saudações de esperança

Fernando Magalhães

Vários (Manuel Luna + Perlinpinpin Folc + Carlos Predes + Emilio Cao + Andrew Cronshaw) – “Começam hoje em Évora, Famalicão e Oeiras os Encontros Musicais da Tradição Europeia – À procura das raízes culturais da Europa” (artigo de opinião | crítica / antecipação de concertos / festivais)

PÚBLICO QUINTA-FEIRA, 5 JULHO 1990 >> Cultura

Começam hoje em Évora, Famalicão e Oeiras os Encontros Musicais da Tradição Europeia

À procura das raízes culturais da Europa

À procura das raízes culturais. A partir de hoje e até dia 13, terão lugar em Évora, Famalicão e Oeiras, os primeiros Encontros Musicais da Tradição Europeia, organizados pela Cooperativa Cultural Etnia, sediada em Caminha. Da Galiza, Grã-Bretanha, Occitânia e Piemonte virão cultores de antigos sons. Paredes representará o espírito português: a fatalidade e a distância.



A iniciativa, que conta com o apoio das três câmaras municipais, tem como objetivo “incrementar o intercâmbio cultural no espaço europeu, com base na promoção e divulgação da música e cultura das suas grandes regiões, e fomentar o contacto entre grupos ou solistas ligados à música tradicional dessas mesmas regiões”. Pretende-se que a série de concertos passe a ter uma realização regular, sempre numa perspetiva de descentralização, procurando deste modo tornar o nosso país num ponto privilegiado de encontro entre as diversas culturas musicais europeias.
Atuarão ao vivo, entre nós, alguns dos nomes mais importantes de cena “folk” atual, como Andrew Cronshaw, Emilio Cao, Manuel Luna, Perlinpinpin Folc, La Ciapa Rusa, para além do guitarrista português Carlos Paredes.
Andrew Cronshaw é um músico britânico, responsável por uma original e sedutora fusão das sonoridades tradicionais com o jazz e a música clássica. Como se poderá comprovar pela audição do excelente “Till the Beast’s Returning”, álbum já há algum tempo disponível no mercado nacional. Outras obras importantes são os discos “A is for Andrew, Z is for Zither”, “Earthed in Cloud Valley” (com o guitarrista Martin Simpson), “Wade in the Flood” e o recente “The Great Dark Water”. Intérprete brilhante na cítara elétrica, estende os seus talentos por outros instrumentos – flautas chinesas, concertina, sintetizadores, percussão e o shawm, antepassado medieval do oboé.
Emilio Cao é galego e já atuou várias vezes em Portugal, tendo colaborado com Fausto em “O Despertar dos Alquimistas” e com o grupo teatral “Os Comediantes”. Exímio executante de harpa, gravou entre outros o marco na evolução da música galega, “Fonte de Araño”. “No Manto da Auga”, “Amiga Alba e Delgada” e “Lenda da Pedra do Destiño” completam a sua atual discografia.
Também espanhol (se considerarmos que a Galiza é Espanha, o que é duvidoso”…) é Manuel Luna, antropólogo, apaixonado pela música e cultura da região da Cantábria. Publicou vários ensaios e cerca de 30 discos de recolha etnomusicológica. Gravou com os “La Quadrilla” o álbum “Como Hablam las Sabinas”, já importado pela Etnia. A investigar são também “Em los Jardines del Sueño” e o novo “Os Galos de Londres”.
No Sul de França, entre a Catalunha e a “Côte d’Azur”, fica a Occitânia, região natal dos Perlinpinpin Folc, um dos mais estranhos grupos do movimento folk gaulês. “Musique Traditionnelle de Gascogne”, “Gabriel Valse” e “Al Paїs d’Occitania” são alguns dos seus bons trabalhos. Sobre a sua música escreveu o crítico Pierre Corbefin: “Provoca-nos uma impressão quase opressiva, como se atravessássemos uma paisagem árida, despovoada, apenas habitada por um bater obscuro e pelos rumores da terra”.
Os “La Ciapa Rusa” são italianos de Piemonte, a Noroeste do país. Combinam a excelência instrumental, através da utilização dos sons tradicionais da sanfona, do violino, do pífaro de pastor e da “musa” (gaita-de-foles piemontesa) com um notável trabalho de harmonias vocais.
A representação portuguesa está a cargo de Carlos Paredes. Dele o mínimo que se poderá dizer é que é uma parcela importante da alma lusitana. Escutar a sua guitarra, contemplar o modo com se entrega a ela e à música que escorre pelos seus dedos até ao vibrar das cordas, é sentir o Fado e a distância. Ir ao sabor dos “Verdes Anos” até ao oceano sem fim.
Uma palavra final de louvor para a Etnia que tem vindo a desenvolver um notável trabalho de recuperação e revitalização da cultura tradicional. Desde a realização de espetáculos, exposições e seminários, até à publicação de livros e à importação de pérolas discográficas folk, para já oriundas do país vizinho, como são os álbuns de Rosa Zaragoza, Amancio Prada, Manuel Luna, “La Musgana” e, brevemente, Emilio Cao.

PROGRAMA

ÉVORA – Praça do Giraldo
Quinta, 5 de julho
MANUEL LUNA
PERLINPINPIN FOLC
Sexta, 6 de julho
LA CIAPA RUSA
CARLOS PAREDES
Sábado, 7 de julho
EMILIO CAO
ANDREW CRONSHAW

FAMALICÃO – Jardins da Câmara Municipal
Quinta, 5 de julho
CARLOS PAREDES
ANDREW CRONSHAW
Sexta, 6 de julho
MANUEL LUNA
LA CIAPA RUSA
Sábado, 7 de julho
EMILIO CAO
PERLINPINPIN FOLC

OEIRAS – Auditório do Complexo Social das FA’s
Quinta, 5 de julho
LA CIAPA RUSA
EMILIO CAO
Sexta, 6 de julho
MANUEL LUNA
ANDREW CRONSHAW
Sábado, 7 de julho
CARLOS PAREDES
PERLINPINPIN FOLC

Fernando Magalhães no “Fórum Sons” – Intervenção #8 – “Embryo p. Rat-Tat-Tat”

#8 – “Embryo p. Rat-Tat-Tat”

rat-tat-tat
12.09.2001 190739
Sobre o que andam acutalmente a fazer não tens nenhuma ideia? Como terás lido na minha msg original vi-os na Muzzik, no que parecia realmente ser uma jazz session (para onde derivaram, tal como disseste), denominada “Embryo sessions”, em que os músicos em palco íam alternando bastante (pelo que me pareceu!)

Fernando Magalhães
13.09.2001 121206

Com efeito, perdi por completo o contacto (e, devo dizer, o interesse…) com os Embryo, dada a direcção que a sua música pareceu tomar a partir do álbum “Apo-Calypso”: um caldeirão fusionista de jazz e world music com queda para cair, com crescente frequência, nos clichés do género.

Creio ter ouvido, aliás, um álbum mais recente do grupo, que confirmava estas suspeitas.

Confesso que a música de fusão, com uma outra excepção, não é propriamente um dos meus estilos favoritos. Sobretudo a partir dos anos 80, final dos 70, quando a atitude experimentalista e inovadora das primeiras fusões deu lugar ao conformismo e à cristalização de linguagens (veja-se o caso, típico, dos Weather Report).

Mas os Embryo, em toda a fase dos anos 70 da sua carreira, talvez porque nunca tivessem sido verdadeiros “virtuoses” no domínio instrumental, como a maioria dos jazzmen convencionais, e bem dentro do espírito vanguardista do krautrock, compensavam esse aparente handicap com uma loucura (e, quase de certeza, uma boa quantidade de droga a ajudar…) e uma atitude descomprometida que conferem à sua música uma aura e interesse únicos.

Dentro do mesmo espírito, recomendaria a audição de dois grupos que refiro na mesma peça jornalística: Os GURU GURU e os RELEASE MUSIC ORCHESTRA, estes últimos talvez mais formais, com a dificuldade acrescida de os seus melhores discos, “Garuda” e “Life”, apenas se encontrarem disponíveis em CD (pelo menos até agora) em versões pirata da Germanofon.

Dos GURU GURU recomendo especialmente os álbuns “Guru Guru”, um tratado de guitarra demencial e imaginação criativa e, sobretudo, “Känguru”, clássico absoluto do krautrock. Rock, electrónica, improvisação estruturada e energia atómica numa combinação verdadeiramente inusitada e genial.

saudações kraut

FM