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Fernando Magalhães no “Fórum Sons” – Intervenção #139 – “Hammill – um manifesto (MárioZ)”

#139 – “Hammill – um manifesto (MárioZ)”

MárioZ
08.11.2002 160455
Deparei com um texto-manifesto do Peter Hammill algures na net e decidi postá-lo aqui. Acho que exprime com felicidade a essência do que é o seu trabalho. Originalmente o texto – manuscrito – foi publicado como introdução a uma compilação qualquer, creio que ainda nos anos 70.

Vision

The aspects of vision are many,
and in addition there are reflections, illusions and hallucinations.
If some can be shared that makes us less alone.
If the dark can be faced, that makes us less afraid.
If we accept sight, that makes us more visible.

I feel the city caging me like an animal;
I am crushed by the weight of the system,
but I can still raise a – human- shout against it.
I feel the tension of doubt surge in me,
the release of eye-on-eye love,
the loss of childhood idols and aspirations;

I clutch the transitory prizes of knowledge and unspoken faith.
I feel the torch in my hand,
The spark in my heart,
and I must carry both as long as I can.
We all have our torches;
but lone flame-bearers do not make a procession of humanity.

It has been, and remains, my hope that through songs
vision can be shared and enhanced.
As for me, disappearing like the Cheshire Cat
with hardly even my smile intact,
I can still look at you only through the camera.
There is more urgent vision than that.
Listen to yourself.

Saudações

Mário

__________________
If I gave you just a little song
would that be enough
to save your life
or is the knife already turning in my hand?

Fernando Magalhães
08.11.2002 170526
Caro Mário

Está aqui tudo, de facto, senão relativamente aos “conteúdos” (esses que o tempo e a experiência vão moldando e transformando), pelo menos em relação às intenções e orientação geral da obra de PH.

O texto é, nesse aspeto, luminoso.

O problema com que já te deves ter deparado (o mesmo com que eu me deparei e deparo, de resto…) tem a ver com um “problema” com que todos os fãs de Hammill se debatem: por um lado a vontade imensa de partilhar esta luz imensa que jorra da obra musical e poética do autor em questão, por outro, e isto pode ser frustrante, a noção de que é impossível conseguir esta partilha com quem ainda não INTERIORIZOU todo o universo hammilliano que, em última análise, sendo de uma UNIVERSALIDADE quase heroica, começa por ser uma EXPERIÊNCIA PESSOAL INTENSÍSSIMA, de COMUNICAÇÃO com as palavras e a música.

Como tu bem disseste aqui há dias, a música e os poemas de PH revelam-se no contacto direto (interior), na sensação de identificação que se estabelece entre ele, autor, e cada um de nós, recetor/ouvinte/leitor.

Só se gosta verdadeiramente da obra de PH e dos VDGG quando chegamos aquele ponto em que achamos que esta música e estas palavras nos pertencem, nos transmitem qualquer coisa de vital, como se fossem um espelho da nossa própria humanidade.

É impossível apreciá-los de FORA, como também decerto já te apercebeste. Podemos achar a música interessante, original, forte, etc etc etc, mas o clique apenas acontece quando tem lugar o tal sentimento de identificação.

Hammill atinge o inconsciente (Jung chamou-lhe o ULTRA-consciente…). O milagre está em que a sua voz, a sua poesia e o seu génio enquanto compositor (e, já agora, pianista, guitarrista…), constituem as ferramentas ideais para a transmissão dessa tal VISÃO enunciada no texto que transcreveste.

De resto, tudo o que acabei de escrever, está bem explícito nesse manifesto – o desejo de partilha, mas também a distância, a solidão e o isolamento…

Penso que, por esta altura, já compreendes os motivos que me levam a considerar o Peter Hammill o maior músico/compositor da música popular dos tempos atuais (numa edição da Mojo comparavam-no, em importância, ao F. Zappa e a…Picasso!!!).

Tudo o mais é segredo. Sagrado. Ou…

“the least we can do is wave to each other”

saudações hammillianas

FM

Fernando Magalhães
08.11.2002 170531
Faltou acrescentar que esta identificação/comunicação a que me refiro é de uma natureza algo diferente, e mais profunda, do que aquela que em geral se estabelece com a obra da maioria dos músicos (por melhores que sejam) pop.

Ela funciona ao nível do mito, dos arquétipos psíquicos do homem, daí a “pancada” que sentimos no embate (no bom sentido) com os sons e as palavras de Hammill.

“A Plague of lighthouse keepers” (e, numa outra perspetiva, a sequência “Gog/Magog”, de “In Camera”) leva-nos a subir até à mais alta das montanhas, à mais alta das solidões (“The tower”, repara…). Nietzsche, de resto, também esteve lá.

FM

Fernando Magalhães
08.11.2002 180626
Passando do PH para os MAGMA, estou curioso em saber a tua reação. O CHRISTIAN VANDER é outra figura (e esta assumidamente Nietzschiana…), mas no sentido da magia negra (pela qual, diga-se de passagem, o PH também se interessou nos primeiros anos de carreira, parece que os outros músicos dos VDGG andavam um bocado assustados, como já li algures…). A música dos MAGMA (que o PH ouvia e apreciava) é totalitária e assustadora, mas num sentido diferente da do PH. Imagina se Wagner fizesse parte de um grupo rock…

Depois há a língua inventada por ele, os concertos de oito horas, os solos arrasadores de bateria, a vertente Coltraniana…

Já ouviste alguma coisa?

FM

Sting – “The Soul Cages”

Pop-Rock 23.01.1991


A INSOFISMÁVEL CLAREZA DO SISTEMA “Q”

STING
The Soul Cages
LP, MC e CD, A&M, distri. Polygram



Desta vez parece que foi difícil. Ou, pelo menos mais difícil que em ocasiões anteriores. É o próprio Sting quem o diz. A inspiração não vinha. Somente ao nível das letras, cuidado, que no resto, tudo bem. Ele esforçava-se, esforçava-se, mas não havia esforço que lhe valesse. Era sempre o vazio. Pelo sim pelo não, enquanto se prolongava a espera angustiada, o homem dos Police foi adiantando trabalho: alugou estúdio (em Paris), alugou músicos (Manu Katche – bateria; Kenny Kirkland – teclados; e Dominic Miller – guitarra), alugou produtor (Hugh Padgham). A música começou a brotar em grandes torrentes de criatividade. Ele eram melodias, acordes, harmonias, introduções (musicais), codas, contrapontos, enfim, o compêndio inteiro do “Escreva você mesmo Uma Canção”, que não paravam de jorrar da cabeça do compositor. Mas, quanto a letras… o vazio persistia em não se deixar vencer. Sting tentou tudo, para alterar tão comprometedora situação: passeou, tomou banhos de mar, enfim, a acreditar nas suas palavras, passou grande parte do tempo a caminhar ao acaso por praias áridas, meditando sobre o destino e a inutilidade da existência. Talvez por isso, grande parte dos temas deste álbum se relacione de algum modo com o mar. Colocada de lado a hipótese de crise da meia idade, terá concluído que “não pode ser só isso”, que “é preciso ir mais fundo, ao princípio de tudo!…”. A resposta encontrava-se escondida algures nos meandros mais recônditos da memória. Imagens de um certo barco… de um rio que desaguava no mar… (há algum que não desague?…). Então, de repente, no seu espírito, fez-se luz. E fez-se o disco. Disco típico de quem não tem nada de novo para dizer. Sting deveria ter dado ouvidos ao silêncio e esperar um pouco mais antes de gravar. Ao invés, optou por esconder a falta de inspiração, recorrendo à inventividade do produtor e às requintadas técnicas de estúdio, incluindo o misterioso e revolucionário sistema Q. O sistema Q é um sofisticado produto da nova geração áudio, que permite, utilizando qualquer aparelhagem estereofónica convencional, reproduzir na perfeição um palco sonoro tridimensional. Pensava-se que qualquer boa aparelhagem conseguisse tal proeza, mas afinal não passava de uma patranha bem engendrada. Reconheça-se que o som Q atinge de facto uma pureza e claridade excepcionais. A que Sting, infelizmente não deu, em termos musicais, a resposta adequada. Nove temas chegam para mostrar que o autor dos trabalhos anteriores, “The Dream of the Blue Turtle” e “Nothing but the Sun”, está realmente em crise. Lança mão a tudo para tentar esconder que o rei vai nu, mas em vão. Há a já citada produção (irrepreensível) e, sobretudo, o truque actualmente na moda, da ornamentação exótica e mais ou menos “world”, cujo mote é dado logo de entrada, com “Island of Souls”, que julgaríamos pertencer a um qualquer disco de Stephan Micus. Para o efeito, recrutaram-se o oboé de Paola Paparelle e a gaita-de-foles de Kathryn Tickell. O saxofone Branford Marsalis limita-se a ser mais um enfeite que passa despercebido. Porém, à medida que cada tema se vai desenvolvendo, é o deserto de ideias, encoberto por nuvens de misticismo, com constantes alusões a “barcos que singram em direcção a terra de sonho”, oceanos imensos, anjos que tombam do céu, luz, muita luz e am consequente auto-iluminação. O pior é a banalidade das canções, quase todas baladas de tempo médio em que o cantor se limita a despejar as palavras e a alinhavar meia dúzia de frases melódicas. Excepções são o instrumental que abre o segundo lado, “Saint Agnes and the Burning Trian”, tecido por uma guitarra acústica desenhando arabescos flamenco-arabizantes sobre um arranjo de extrema limpidez, e o tema seguinte, “The Wild, Wild Sea”, em que, por uma vez, a interpretação de Sting consegue ser convincente. De resto, assiste-se à queda do império, aparentemente sólido, edificado à custa dos anteriores álbuns, substituído pela ditadura asséptica do sistema Q.
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Fernando Magalhães no “Fórum Sons” – Intervenção #138 – “Novos P_Hammill e Thomas Brinkmann (FM)”

#138 – “Novos P_Hammill e Thomas Brinkmann (FM)”

Fernando Magalhães
07.11.2002 140236
Desiludiram-me ambos.

“Clutch”, de Peter Hammill, o tal álbum de guitarra acústica (mas não só…), não adianta nada e relação à anterior discografia. Se as letras evidenciam a qualidade de sempre (aqui mais personalizadas e pessoais do que nunca, uma das faixas, tocante, fala da relação com uma das suas filhas), sobre o avanço inexorável da idade e a sensação de perda, a música achei-a pobre, sem ideias originais, mero PH vintage.

Já “Row”, o “novo” (trata-se de material antigo antes editado em vinilo, como acontecia com um CD anterior, “Rosa”) de Thomas Brinkmann, é música a metro. Beats e mais beats (ou melhor, sempre o mesmo beat…) arrastando-se por faixas de 6 e 7 minutos, com as velhas fórmulas de sempre. pela primeira vez em relação a um disco deste alemão, fiquei com a sensação de que a simplicidade que sempre elogiei em discos anteriores, é aqui sinónimo de pobreza de ideias.
Vou ouvir de novo, mas a primeira impressão não é nada animadora…

FM