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Vários (Fairport Convention, Skolvan, Boys Of The Lough, Luar Na Lubre, Four Men And A Dog, Realejo) – “Festival Intercéltico Anuncia Programa – AS JÓIAS DA COROA”

pop rock >> quarta-feira >> 01.03.1995


Festival Intercéltico Anuncia Programa
AS JÓIAS DA COROA



FAIRPORT CONVENTION, SKOLVAN, Boys Of The Lough, Luar Na Lubre, Four Men and a Dog e Realejo são os nomes que integram o programa do 6º Festival Intercéltico do Porto, que decorrerá nesta cidade de 7 a 9 de Abril, no cinema do Terço. No primeiro dia, sexta-feira, a honra de abertura caberá aos portugueses Realejo, de Fernando Meireles e Manuel Rocha, na altura em que será lançado no mercado o seu álbum de estreia. A noite conclui-se com osmeio irlandeses, meio escoceses Boys of the Lough, com o virtuoso do violino, no estilo de Shetland, Aly Bain; assim regressam ao nosso país depois de – como já vem sendo hábito – uma inglória passagem pela Festa do Avante! O novo álbum dos Boys chama-se “The Day Dawn”. Sábado verá no cinema do Terço uma banda inglesa tornada uma lenda, os Fairport Convention, papas do “folk rock” britânico, já com meio século de existência e uma passagem, esta inesquecível, por uma das primeiras edições da festa comunista; deles acaba de ser editado o novo “Jewel in the Crown”. No mesmo dia actuam, na primeira parte, os Skolvan, para muitos o melhor grupo da Bretanha da actualidade, cujo último álbum, “Swing & Tears”, foi considerado pela crítica, nacional e estrangeira, Poprock incluído, um dos melhores do ano passado. O Intercéltico fecha no domingo. Na primeira parte com os galegos Luar na Lubre, grupo de música sofisticada, cujo álbum mais recente, “Ara-Solis” (belíssimo), já se encontra disponível em Portugal. A festa vai ser festa mesmo, no concerto de encerramento, com o folk rock energético dos Four Men and a Dog (têm um álbum novo acabado de sair, “Doctor A’s Secret Remedies”), uma máquina de fazer dançar. Como se tornou hábito nas últimas edições, o Intercéltico, organizado como sempre pelo MC – Mundo da Canção, apresenta um vasto programa de actividades paralelas. Este ano, inclui uma exposição sobre José Afonso, uma feira do disco “Celtifolk”, um debate sobre “A imprensa folk europeia” – onde vão estar presentes, entre outros jornalistas, Andrew Cronshaw, da “Folk Roots”, Phillipe Krumm, da “Trad. Magazine”, e Pete Heywood, da “Living Tradition” -, uma Escapada Intercéltica, com visita à Citânia de Briteiros e um “repasto celta” na Penha, em Guimarães.

Né Ladeiras “Né Ladeiras Traz Os Montes A Belém – A Cidade E As Serras”

cultura >> sábado, 25.02.1995


Né Ladeiras Traz Os Montes A Belém
A Cidade E As Serras

Ponto de encontro da tradição com um cosmopolitismo reaprendido, a música de Né Ladeiras acorda memórias esquecidas e abre novas portas para a renovação da música popular portuguesa. Em Belém, Trás-Os-Montes foi berço de uma terra com futuro.



“São cantos de nascimento e morte, embalo de meninos e brado de folia, ajudantes no trabalho e no lazer, confissões d’amores proibidos, hinos de crenças cristãs e das pagãs. Vozes de tempos recuados foram ensinando outras vozes e chegam-nos hoje sob a forma de cantos ‘bizarros’ que o cidadão português comum não reconhece como seus.” O texto, escrito à laia de prefácio no mais recente álbum de Né Ladeiras, “Traz os Montes”, ilustra bem a história de magia que ao vivo se contou na noite de quinta-feira no grande auditório do Centro Cultural de Belém. Outro texto, vulgo programa – com chancela da Fundação das Descobertas e do CCB -, menos poético, é certo, mas bastante mais didáctico, alertava em grossos caracteres para as “percurssões”, com “r”, para dar mais ênfase, ao mesmo tempo que promove o encenador Ricardo Pais a director musical e autor dos arranjos, deixando Ricardo Dias, o verdadeiro responsável, a chuchar no dedo. Só faltava mesmo que alguém com responsabilidades no centro declarasse com entusiasmo a sua admiração pelos “paliteiros de Miranda”, assim como se falasse entre dentes, num espírito de criatividade linguística sempre de saudar. Adiante…
Cerca de uma hora e dez de música bastaram a Né Ladeiras e ao seu grupo Galandum para ter a seus pés uma plateia no final rendida aos sons e atitude “bizarros” desta mulher, misto de virgem e feiticeira, vinda de “Alhures” em “Trás-os-Montes”, sua pátria espiritual. Né veio vestida de prata lunar, contra um fundo simulando fragas transmontanas. Teve início o ritual com “Fonte do salgueirinho”, ao som da voz gravada da anciã Adélia Garcia. “Çarandilheira”, “Roro”, “Anda duermete nino” e “La molinera” revelaram as duas principais vozes instrumentais, de Ricardo Dias, no piano e sintetizador, e Manuel Rocha, no violino, ambos da Brigada Victor Jara, recordada no tema seguinte, “Marião”. Depois as notas aceleraram até à velocidade do rock, em “Ai se a luzia”, um tema da Banda do Casaco, onde se destacaram Ricardo Dias, na sonoridade arcaica de uma ponteira, o baixo de Vítor Milhanas e as vozes de apoio de Isabel Bernardo e Genoveva Faísca.
Com “Pingacho” o oceano da tradição invadiu as montanhas. Amadeu Magalhães (natural do Barrosão e elemento dos Realejo) iniciou o seu “tour de force” na gaita-de-foles, ao mesmo tempo que um careto cabriolava no estrado e os oito dançarinos do grupo G. E. F. A. C. derreteram de vez o gelo do auditório. “Ora assi que te quiero morena, ora assi que te quiero salada, por beilar lo pingacho!”. Um diálogo de bateria e percussões, mais em força do que em jeito, de André Sousa Machado e Joaquim Teles, desaguou numa batida transmontana, tornada berço de “Cirigoça”, uma das notáveis interpretações vocais de Né Ladeiras, com bons apontamentos de Amadeu no “tin whistle” (ou flauta de lata…). As serranias soltaram espectros carnavalescos num lhaço animado pela dança guerreira dos paliteiros, perdão, pauliteiros, de novo com Amadeu Magalhães endiabrado na gaota-de-foles. À ventania sucedeu a ternura de uma canção de embalo, “Perlimpinchim”, entre o sussurro do piano e os sobressaltos da guitarra de António Pinto. Em “En tu puerta” a voz da cantotra escalou os montes mais latos, pairando à altura das vozes búlgaras, as tais que falam com Deus. “Indo por la sierra” antecedeu “Beijai o menino”, no louvor das gaitas-de-foles, por Amadeu e Ricardo Dias, com Manuel Rocha notável de subtileza e doçura no violino. “Ó que estriga tenho na roca” fechou o ciclo. Né trocou as voltas ao tempo, banhando-se namesma água-régia da anciã cantora do tema inicial. A serpente mordeu a sua cauda.
Três “encores”, com repetição de “Çarandilheira”, “Ai se a Luzia” e “Beijai o menino”, constituíram o justo prémio para um espectáculo onde tudo pareceu encaixar no lugar certo. Um reparo final, apenas, para o som, que se cumpriu em termos de clareza, terá pecado por alguma dureza. Mas aí terá que haver, na mesa de mistura, alguém com coração e ouvido para este tipo de música. A de Né Ladeiras, se é verdade que tem a força do granito, pede igualmente pétalas de rosa.
Um espectáculo de música portuguesa como há muito não se via nem ouvia.

Mafalda Arnauth – “Mafalda Arnauth – O DOM DE UMA VOZ FELIZ” (concerto)

pop rock >> quarta-feira >> 22.02.1995


Mafalda Arnauth
O DOM DE UMA VOZ FELIZ



No recital “Em Nome do Fado”, de João Braga, realizado recentemente no Teatro S. Luiz, entre as vozes dos jovens convidados, uma houve que se destacou. A sua possuidora chama-se Mafalda Arnauth e as interpretações de “Foi Deus” e “Que Deus me Perdoe”, com que, na sua noite de estreia, iluminou o S. Luiz, deixara, o público estarrecido. Como em Amália Rodrigues, no canto de Mafalda Arnauth há a dimensão da transcendência, fruto de uma entrega total a Deus e ao fado.
Mafalda Arnauth tem 20 anos e estuda na Faculdade de Veterinária. Foi lá que cantou fado pela primeira vez, “por brincadeira”. “Peguei numa cassete da Amália e foi daí que aprendi um fado pelo qual me apaixonei logo à primeira, ‘Que Deus me Perdoe’”. De “Foi Deus” diz que é um fado “com uma magia tão grande” que empre pensou que “nunca o conseguiria cantar”. No S. Luiz foi o que se viu.
É uma católica confessa. Canta no coro de uma igreja em S. Domingos de Rana, faz parte de um grupo, “shalom” (“paz”, em hebraico), inserido na Igreja Católica, e dá aulas de catequese. Assume a sua voz como “um dom” divino – “um dom que tenho que assumir com humildade; se me vem de uma transcendência qualquer não tenho poder sobre ele” – e “uma forma de comunicação com as pessoas”. João Braga descobriu-a por intermédio do guitarrista José Luís Nobre Costa, que a acompanhou numa actuação num congresso de medicina veterinária em França. Seguiu-se um ensaio, já na presença de João Braga, onde cantou “O Namorico da Rita” – “durante muito tempo um fado que cantei para quebrar aquele primeiro impacto com as pessoas” – e “Foi Deus”. “O Fadista Louco”, como vem escrito na tal cassete com fados de Amália, é outro fado com o qual Mafalda Arnauth se identificou de imediato e que cantou no espectáculo “Em Nome do Fado”. “Amália foi a primeira voz que adorei, uma voz que consegue despertar uma magia qualquer”.
Quando subiu ao palco do Teatro S. Luiz não se lhe notaram quaisquer traços de nervosismo. “Uma pessoa tem de ter uma certa segurança”. Uma segurança que Mafalda Arnauth diz ser necessária para poder ajudar os mais novos, como faz nas reuniões de grupos de jovens onde participa. “As pessoas hoje em dia já pensam e falam nas coisas de uma maneira tão perdida que se não aceitarmos os desafios com segurança não é possível fazer nada”. No S. Luiz sentiu-se feliz por estar a fazer uma coisa de que gosta. “Basta-me ouvir uma guitarra que seja uma maravilha, como nas mãos daqueles mestres, para me sentir feliz”. Quando Mafalda Arnauth canta, essa felicidade passa também a ser nossa.