Arquivo mensal: Dezembro 2020

Jorge Reyes – “Bajo El Sol Jaguar” + Jorge Reyes – “Niérika”

Pop Rock >> Quarta-Feira, 02.12.1992


Jorge Reyes
Bajo El Sol Jaguar (9)
CD, Exilio, import. Ananana
Niérika (9)
CD, No Rekords, import. Ananana



Em Jorge Reyes, músico mexicano pouco conhecido na Europa, o passado do México pré-hispânico encontra-se com os sinais extremos da modernidade. É possível situara sua obra em territórios próximos dos delimitados por Jon Hassell, O Yuki Conjugate ou Lights In A Fat City – músicas do “quarto mundo”, como se costuma dizer, na qual a electrónica e os elementos étnicos se cruzam em infinitas sínteses. “Bajo El Sol Jaguar”, o álbum mais recente, e “Niérika” (reedição do original de 1989, acrescentado de dois temas de “Ek-Tunkul”), como “Musica Pré-Hispânica” ou “Crónica da Castas” (de parceria com o guitarrista espanhol Suso Saiz), recuperam o ambiente e os mistérios das civilizações maia e asteca, em incursões sombrias em cavernas, pirâmides e vulcões, onde as energias telúricas e celestes se unem e dançam através do eixo humano. É uma música lenta, ondulatória, ritual, no sentido em que convoca e desencadeia movimentos interiores e deslocações da consciência. Ritmos primevos brotam de fontes sonoras como cântaros, troncos de árvore, pedras, fósseis ou do próprio corpo que Jorge Reyes percute e amplifica. Sons de chuva e vento ajudam a delinear paisagens recortadas contra o manto negro da noite. Ocarinas e flautas pré-hispânicas, “didjeridoo”, sintetizadores e sequenciadores ao serviço das energias naturais tecem quadrículas de tempo, relações bizarras entre culturas, transmutações da memória. A luz, quando o dia nasce, cobre de ouro velho as ruínas de templos esquecidos. Nas manchas de um jaguar, oculta-se o último segredo, terrível revelação que assombra um conto de Jorge Luís Borges. Na obra de Jorge Reyes, o sonho (tema sempre recorrente nos seus álbuns) é caminho e porta, meio sinuoso e alucinatório de acesso ao centro de um mundo povoado de fantasmas. “Bajo el Sol Jaguar” e “Nierika” são neste aspecto equivalentes à obra literária de Carlos Castaneda e às suas viagens de peyote – “Viaje al sitio de los violines de flores”, como diz o título de uma canção. As flores do mal, de Baudelaire?

Ferdinand Richard Et Les Philosophes – “… Enclume”

Pop Rock >> Quarta-Feira, 02.12.1992


Ferdinand Richard Et Les Philosophes
… Enclume
CD Rec Rec, import. Audeo



Filosofia à parte, Ferdinand Richard é, de facto, um amante da palavra, do texto. Ganhou notoriedade como baixista dos Etron Fou Leloublan, grupo francês que aliava o “vaudeville” e Captain Beefheart às divagações literárias de pendor surrealista. Tudo bem se Ferdinand não insistisse em ser ele próprio a cantá-las. Pela simples razão de ser tão bom baixista como mau vocalista, mas parece que ninguém tem coragem para lhe dizer isso. Nem sequer Fred Frith, com quem gravou um bom disco intitulado “Dropera”. “… Enclume” é um festival de baixo, guitarra (Alain Rocher) e bateria (Dominique Lentin) ao desafio, em intricadas texturas ao modo Etron Fou com o toque Frithiano que caracteriza grande parte das produções guitarrísticas com o selo Recommended. O pior são as tais palavras, excessivas, que brotam em catadupa em cada canção, no estilo discursivo de Richard – “50 sílabas por cada verso; se não couber, aperta-se” – que impede a respiração e uma maior eficácia na explanação instrumental. Não fora a oratória (e alguns textos até são interessantes, corrosivos e sarcásticos na análise a estereótipos sociais) e o tom redundante das vocalizações e a filosofia de “… Enclume” poderia ser bastante mais que um mero exercício de retórica. (6)

António Manuel Ribeiro – “Pálidos Olhos Azuis – P.O.A.”

Pop Rock >> Quarta-Feira, 02.12.1992

OS OLHOS DO TÉDIO


ANTÓNIO MANUEL RIBEIRO
Pálidos Olhos Azuis – P.O.A.
LP / MC / CD, Edição BMG



“Há uma parede mágica que rodeia a canção (…) não sabemos se alguém a vai descortinar à primeira escuta / essa magia que vive do outro lado da escuridade.” Escreve-se isto a propósito de “Velhos tamborins”, primeira canção a ser editada no formato de “single”, retirada do álbum de estreia “P.O.A” de A.M.R., vocalista dos UHF. Deve haver, de facto, uma parede a rodear cada canção de “P.O.A.”. Nem à primeira, nem à segunda, nem à vigésima sétima audição se consegue descortinar nelas qualquer tipo de magia, muito menos um bocadinho de música original – um mínimo de interesse que seja. Só escuridade. Só banalidade em cada melodia estafada, disco após disco, dos UHF.
António Manuel Ribeiro tinha que fazer um disco a solo, para dar a conhecer às multidões o enorme artista que é. Era preciso mostrar uma visão autónoma, um talento liberto das imposições do colectivo, a grande arte do génio solitário, abandonado à magna angústica da criação. Então A. M. R. pegou na guitarra, abriu a boca e a obra fex-se. Não devia. “P.O.A.” aproveita o pior dos UHF. Vai buscar o típico ambiente das noites de Benfica e passa-o a ferro em linhas melódicas sem ponta de inspiração, e textos que repisam velhos chavões e paranoias: a estrada, sempre madrasta, mas a que não se pode fugir; a marginalidade dos subúrbios; a violência juvenil como forma de fuga ao tédio; e agora, em estreia mundial, os “olhos das miúdas”, das “groupies”, aquelas mosquinhas que cirandam à volta do artista a pedir migalhas. Um espectáculo que visivelmente comove António Manuel Ribeiro. São pálidos olhos azuis, faróis na escuridão, essas tretas.
Tudo estaria bem e tudo seria perdoado, se não fosse a música. Com “P.O.A.” A.M.R. esqueceu uma década de evolução, regressando à pré-história do “rock português”, dos primeiros UHF, GNR e CTT. Não falta sequer um “puro sangue”, na melhor tradição dos “cavalos de corrida” e um coro de impensável parolice, no “épico” “A noite inteira”. Escapa à mediocridade total um “Aqui na arena” cantado de raiva, entre o ódio e a introspecção, contra o “portuga”, o “show business” e, por tabela, a humanidade em geral – o melhor A.M.R. na pele de D. Quixote em luta com os moinhos e consigo próprio. O CD inclui o tema-extra “Hi John”, dedicado a John Lennon, e a versão longa de “Velhos tamborins”. A António Manuel Ribeiro deseja-se rápidas melhoras e votos de um bom descanso. (3)