Arquivo mensal: Fevereiro 2021

Canned Heat – “The Big Heat” (3xCD)

pop rock >> quarta-feira, 17.02.1993

REEDIÇÕES


BOOGIE MEN

CANNED HEAT
The Big Heat
3xCD Emi, distri, Emi-VC



Os Canned Heat são uma lição de história, agora disponível nos seus capítulos fundamentais. Muita gente conhece-os de alguns “boogies” irresistíveis para ajudarem a fazer a transição da década “hippie” para a seguinte. “On the road again”, “Let´s work together” e “Going up the country”, imortalizado na banda sonora do festival de Woodstock.
Os Canned Heat foram os reis do “boogie”, do “rhythm ‘n’ blues” e dos “blues” de pigmentação branca, ao lado dos Bluesbreakers de John Mayall, que aqui tem participações pontuais. Ao longo de quase quatro horas e 54 canções selecionadas por ordem cronológica dos sete álbuns de originais gravados pela banda, o “swing” omnipresente e o típico “falsetto” de Al Wilson fazem cócegas na cabeça e nos pés. O som nem sempre é o melhor, mas a música compensa. Directa, honesta, vivida e sedimentada na estrada. Sem truques nem golpes baixos.
Adolpho “Fito” de la Parra, Larry Taylor (tocou com Jerry Lee Lewis), Al Wilson, Harvey Mandel, Henry Vestine (integrou uma das formações dos Mothers of Invention) e Bob Hite (também conhecido por “o urso”) – núcleo essencial dos Canned Heat – deixaram para a posteridade autênticos compêndios da arte de como ser branco e sentir os “blues”: o duplo “Living the Blues”, de 1969, que inclui uma maratona de 40 minutos de “boogie” ao vivo (“Refried boogie”), “Hallelujah” (1969), “Future Blues” (1970) e “Hooker ‘n’ Heat” (1971), este de parceria com um dos heróis da banda, John Lee Hooker, “bluesman” de eleição. Um entre vários mestres que os Canned Heat não se esqueceram de homenagear: Tommy Johnson (autor de “Canned heat blues”, título aproveitado para o nome do grupo, que designa o efeito de uma droga artesanal, o “sterno”, cuja inalação prolongada podia provocar a morte), Sonny Boy Williamson, James Burke Oden, Eddie Jones, Charlie Patton, Henry Thomas e James Rogers.
Hoje, os Canned Heat já não são os mesmos que eram nos anos de antanho. Dois dos seus principais membros, cuja combinação de vozes conferia à música um cunho pessoalíssimo, abandonaram pelo mesmo motivo: morreram. Al Wilson em 1970, de “overdose”, para uns, ou suicídio, para outros. Bob Hite, onze anos mais tarde, vitimado por um ataque cardíaco (era lendária a sua figura de gordo bonacheirão e bebedor inveterado de cerveja, daí a alcunha por que era conhecido, “The Bear”, “O Urso”, embora “The Beer” também não lhe tivesse ficado mal). Se em “Historical Figures and Ancient Heads”, “New Age” e “One More River to Cross” a magia ainda funciona, após o desaparecimento de “O Urso” (deixou uma colecção de 60 mil discos de “blues” que contribuiu para elaborar a série “Legendary Masters”, editada pela United Artists) ficariam apenas um nome e um naipe de músicos novos que não perderam o gosto pela poeira da estrada.
Atente-se, em “The Big Heat”, na capacidade de recriação da simplicidade rítmico-melódica do “boogie”, no mergulho em profundidade nos “blues” do terceiro disco, na concisão vocal e instrumentação, na harmónica visceral de Al Wilson, nos 20 minutos de “Parthenogenesis”, onde participa o guitarrista convidado John Fahey, que mostram os Canned Heat a dar a volta à “música progressiva”. Como passatempo, tente-se descobrir as faixas em que aparece o piano de Dr. John. Finalmente, perca-se o tino e faça-se como Bob Hite pediu no final de um concerto: “Don’t Forget to boogie!” (8)

Ronda Dos Quatro Caminhos – “Ronda Dos Quatro Caminhos Em Lisboa – Os Caminhos Da Cruz” (concerto / teatro s. luiz)

cultura >> sexta-feira, 05.02.1993


Ronda Dos Quatro Caminhos Em Lisboa
Os Caminhos Da Cruz
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QUATRO CAMINHOS, quando se encontram, formam uma cruz. Símbolo sagrado mas também, segundo a tradição, local preferido pelo demo para tentar e perder o viajante incauto. A Ronda dos Quatro Caminhos é um dos grupos emblemáticos da música tradicional portuguesa. Leva 10 anos de caminho e, ao contrário de outros companheiros de jornada, nunca se perdeu. Actua hoje em Lisboa, no Teatro S. Luiz, pelas 22h, num espectáculo de genérico “Uma noite de música tradicional”, que a RTP vai gravar. Material que poderá ser utilizado para eventual edição de um disco ao vivo.
Pela Ronda passaram vários e bons músicos, entre os quais Vítor Reino, que deu o seu contributo aos dois primeiros trabalhos do grupo, “Ronda dos Quatro Caminhos” e “Cantigas do Sete-Estrelo”, que permanecem como exemplos do que melhor se fez até à data neste campo. Reino sairia da Ronda para formar os Maio-Moço, que começaram bem mas finalmente se renderam ao nacional-folclorismo de uma “História de Portugal” mal contada.
A Ronda sobreviveu. Findo o reinado, abriu, com a mesma nobreza, outros caminhos: “Amores de Maio” e “Romarias”. Com nova formação e o amor de sempre às forças que regem e anima as gentes, os costumes, os ciclos naturais e a música do Portugal que a tradição ordena.
Hoje percorrem esses caminhos António Prata, em violino e percussão, António Lopes, percussões, Daniel Completo, guitarra, José Barros (ex-Romanças), cavaquinho e bandolim, e João Cavadinhas, braguesa e voz. No concerto desta noite vão ter a companhia de convidados: Rui Vaz, ex-GAC e Ó Que Som Tem, sessões com Fausto e José Mário Branco, participante habitual nas gravações e actuações ao vivo do grupo, em gaita-de-foles, flautas, percussões e voz, Fátima Valido, na banda em regime actual de “part-time”, guitarra clássica, cavaquinho, flautas, braguesa, gaita-de-foles, bandolim e vox, Helena Mendes, dos Piratas do Silêncio, no acordeão, e José Martins, ex-Trovante e Ó Que Som Tem, produtor e arranjador das “Múgicas” de Amélia Muge, em percussões e braguesa.
Compõem esta “Noite de Música Tradicional”, temas populares de Trás-os-Montes, Minho, Douro Litoral, Beira Alta, Beira Baixa, Alto e Baixo Alentejo, Ribatejo e Açores. Quatro caminhos, quando se encontram, formam uma cruz. Símbolo do centro. Da permanência que permite todas as viagens.

Marc Ribot – “Guitarrista Da Cena “Downtown” Actua Hoje Em Lisboa – Sons Da Cidade De Néon” (concerto)

cultura >> quarta-feira, 03.02.1993


Guitarrista Da Cena “Downtown” Actua Hoje Em Lisboa
Sons Da Cidade De Néon



Da “soul” e do “rock ‘n’ rol” até à “downtown” nova-iorquina, passando pela poesia de Ginsberg, o percurso musical de Marc Ribot tem sido um elo de ligação entre estilos e gerações diversificados. Wilson Pickett, Chuck Berry, Tom Waits, John Lurie e John Zorn contam-se entre os seus companheiros de viagem. Toda uma tradição que a sua guitarra reduz a estilhaços.

É este guitarrista e compositor conotado com a corrente “downtown” nova-iorquina, que hoje actua acompanhado pelo grupo Shrek, em Lisboa, no teatro S. Luiz, pelas 22h, num espectáculo organizado pela Simbiosis.
Marc Ribot nasceu em New Jersey, em 1954. Começou por estudar música com o compositor e guitarrista clássico Frantz Casseus. Os ensinamentos e a leitura da pauta foram-lhe de extrema utilidade para a fase seguinte da carreira, vivida entre o excesso de decibéis das várias “garage bands” onde tocou. Dicotomia entre classicismo e transgressão que constitui, em última análise, o núcleo central do trabalho que Marc Ribot viria a encetar no futuro com os Lounge Lizards e os Jazz Passengers, e que em “Rootless Cosmopolitans”, o seu álbum mais recente, atinge o ponto máximo de depuração.
Mas antes disso o guitarrista teve de fazer pela vida. Já em Nova Iorque e no final da década de 70, foi acompanhante do organista de jazz Jack McDiff e dos cantores “soul” Wilson Pickett, Rufus Thomas e Carla Thomas. Depois seria a vez do rock ‘n’ rol e de sessões com Chuck Berry em período de decadência.

Entrada Na “Catedral”

John Lurie, saxofonista, actor e personagem carismática da “downtown” (inesquecível o papel de saxofonista assassino que desempenhou nesse filme paradigma da paranoia urbana que é “Os Viajantes da Noite”, de Amos Poe) recrutou-o para os Lounge Lizards. É o ponto de viragem na carreira do guitarrista que a partir desse momento não parou de ser visto na “Knitting Factory”, catedral de todas as vanguardas “downtown”, e solicitado para projectos de autores ligados a outras áreas musicais. Tom Waits convidou-o para participar nos álbuns “Rain Dogs”, “Frank’s Wild Years” e “Big Time”. Elvis Costello fez questão de o ter presente em “Spike”.
Empenhado na exploração de novas linguagens para a guitarra eléctrica ou electrificada – em paralelo com Fred Frith, Derek Bailey, Christy Doran, Elliott Sharp, Rhys Catham, Robert Musso, Arto Lindsay, Robert Quine, Caspar Brotzmann ou Bill Frisell – de modo a levar tão longe quanto possível as possibilidades desse instrumento, Marc Ribot integra desde 1987 os Jazz Messengers, de Roy Nathanson e Curtis Fowlkes, extensão bem-humorada dos Lounge Lizards.
Entre as actividades do guitarrista contam-se igualmente a composição da banda sonora para “No Sense of Crime”, documentário com realização de Julie Jacobs, e três canções de parceria com Roy Nathanson sobre poemas de Allen Ginsberg – “To aunt Rosie”, “The shrouded stranger” e “The end”, incluídas na produção de Hal Wilner, “The Lion for Real”, dedicada aquele que foi um dos profetas da geração “hippie” norte americana.
Marc Ribot participa ainda numa lista extensa de álbuns, com destaque para “Pieces for Bandoneon” e “Il Piccolo Diavolo”, ambos de Evan Lurie, irmão de John Lurie, o segundo banda sonora do filme com o mesmo título realizado por Roberto Benigni, “Cynical Hysterical Hour”, de John Zorn, “Surprise”, de Syd Straw (Golden Palominos), “Mystery Train” de John Lurie e “Lust”, dos Ambitious Lovers, além próximo disco de Marianne Faithfull, ainda sem data de edição.
Acompanham Marc Ribot, na sua vinda a Portugal, os três músicos que formam o grupo Shrek: Jim Pugliese (composição nas áreas da música microtonal e do jazz; colaborações com John Zorn, Anthony Coleman e Bobby Previte, Solista da London Sinfonietta), em percussão, Roger Kleier (gravações e concertos com Zeena Parkins, David Moss e Stan Ridgway), segundo guitarrista, e Sebastian Steinberg (tocou com Syd Straw, Zeena Parkins, John Zorn e Elliott Sharp), no baixo. Sons da cidade de néon. Esta noite, em Lisboa. A não perder.