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Duquende & Tomatito – “Duquende Y La Guitarra de Tomatito” + El Indio Gitano & Gerardo Nunez – “Naci Gitano Por La Gracia De Dios”

pop rock >> quarta-feira >> 06.07.1994
World


Canto “Gitano”
Tradição E Fusionismo

Duquende & Tomatito
Duquende Y La Guitarra de Tomatito (7)
El Indio Gitano & Gerardo Nunez
Naci Gitano Por La Gracia De Dios (9)
Nuevos Medios, distri. MC – Mundo da Canção


Duas personalidades distintas na maneira de cantar o flamenco, Duquende e El Indio Gitano personificam a vitalidade de que o canto “gitano” da Andaluzia continua a desfrutar no país vizinho. Duquende é mais moderno e adapta o flamenco aos novos tempos, para tal não se coibindo de recrutar as colaborações dos notáveis “fusionistas” Jorge Pardo, no saxofone, e Carles Benavent, no baixo. Tangos, bulerias, soleás, alegrias, sevilhanas e fandangos são arranjados com alguma sofisticação e um olho posto no mercado, embora o coração não deixe de bater compassado com o “duende”, apesar de este não fazer aqui muita questão em pegar fogo ao seu protegido.
Já em El Indio Gitano joga a seu favor uma entrega que soa bastante mais verdadeira do que a de Duquende. São maiores os riscos, como o mertinete “a capella” “Me metieron en un calabozo”, e maior a força interior, presente nomeadamente numa visceralidade só comparável à de El Cabrero. Por isso, e ao contrário de Duquende, o índio cigano não precisa de mais nada além de uma guitarra e das indispensáveis palmas ou a percussão no “cajón” para deitar cá para fora toda a paixão vocal que jorra do flamenco. Depois, em qualquer dos casos, sobram motivos que os tornam recomendáveis a todos quantos se deleitam na audição de guitarras ciganas. Tanto Tomatito como Gerardo Núnez têm, neste aspecto, argumentos mais do que suficientes para satisfazer tais apetites.

BBM – “Around The Next Dream”

pop rock >> quarta-feira >> 06.07.1994


BBM
Around The Next Dream
Virgin, distri. EMI – VC



“B” é Bruce, Jack, “B” é Baker, Ginger, “M” é Moore, Gary. Ou seja os Cream em segunda edição com um novo guitarrista a substituir Eric Clapton. Ainda e sempre o regresso ou a ressurreição dos dinossáurios. Segundo parece, havia uma questão de “cheques volumosos envolvidos” que ameaçava deixar “agarrado” Jack Bruce. Fizeram-se uns telefonemas, Gary Moore estava disponível (já ouvia os Cream desde os 13 anos) e a coisa até nem custou a chegar a vias de facto. E terá valido a pena? Bom, os nostálgicos e saudosistas devem esfregar as mãos. “Around the Next Dream” não ofende. Mas às vezes é preferível que um disco ofenda em vez de provocar a indiferença. E é isto que acontece com esta nova saída do túmulo dos velhotes. O fantasma dos Cream paira, como é evidente, do primeiro ao último minuto do disco. Os “blues”, bem servidos em “Can’t Fool the blues”, os slows, apontados à mira das FM americanas no caso de “Naked flame” e coberto de nicotina o muito “cool” em “Wrong side of town”, são pausas de descanso entre o emaranhado de teias de guitarra e a rítmica cavalgante decalcada – e envernizada – dos Cream. E então? Então, se já havia os ELP, com Powell em vez de Palmer, porque não os BBM, sem Clapton? É tudo uma questão de iniciais e de jogar forte nas recordações. (5)

Anabela – “Anabela Lírica”

pop rock >> quarta-feira >> 06.07.1994


Anabela Lírica



Os Mler Ife Dada são coisa do passado. O fado, um ponto de passagem. Hoje, Anabela Duarte é uma cantora lírica que não quer ouvir falar em música ligeira. Já cantou o “Requiem” de Verdi e, no futuro, pensa trabalhar numa espécie de opereta baseada na temática do fantástico. Actualmente, prepara uma série de recitais, a realizar em Setembro – primeiro nos arredores de Lisboa, depois no coração da capital, ainda sem local nem datas certas -, de voz e piano. A sua voz, “um instrumento suficientemente maleável e híbrido”, e o piano de José Colorado, que além de acompanhante neste instrumento toca fagote na Orquestra da Gulbenkian. Longe vão os fonemas que caracterizavam a sua prestação na banda de Nuno Rebelo. Nestes concertos, o reportório consta, na primeira parte, de “Lieder” e operetas de compositores como Richard Strauss, Offenbach e Lecocq, enquanto a segunda vai ser preenchida com a ópera propriamente dita e peças de Puccini, Wagner, Verdi e Catalani.
Anabela Duarte escolheu, de há quatro anos para cá, o canto lírico, “que não tem que ser forçosamente clássico”, como forma de expressão, porque, diz, além de “vocação”, é “uma técnica altamente sofisticada”. Mas não se pense que Anabela Duarte é uma cantora lírica qualquer, do tipo obeso e voz lancinante que ficou imortalizado em banda desenhada por Hergé na personalidade de Madame Castafiore.
Pelo contrário, hoje como antes, Anabela Duarte procura a diferença, senão mesmo uma certa subversão do “statu quo” reinante no seio dos meios artísticos académicos: “Um problema de estruturas, o problema dos conservatórios, das academias de música, que criam muito medo nas pessoas. Ao nível do canto, como dos instrumentistas. Um medo de se afirmarem, de fazer coisas”.
Opinião que decerto não deve ser muito bem aceite nesses meios. “O facto de eu vir de um canto diferente e de me atrever a fazer coisas que as outras cantoras líricas não fazem cria atritos. Por exemplo, alguém atrever-se a fazer uma ‘Lady Macbeth’ neste país é uma heresia. E nesta terra ninguém se atrevera antes a fazer o ‘Requiem’ de Verdi com um grupo coral amador e com cantores solistas nossos. Em Portugal considera-se que só os solistas estrangeiros é que são bons e podem fazer as grandes obras. A minha luta é contra as mentalidades tacanhas. E contra o tipo de técnica que se aprende nos conservatórios.”
E Anabela pormenoriza: “Por exemplo, a da chamada ‘voz de peito’. Dizem que a voz de peito não se pode fazer, que estraga a voz. O que acontece é que as cantoras clássicas em Portugal não sabem usar a voz de peito. Em parte porque os professores de cá não a sabem fazer. E se não sabem também não vão saber ensiná-la. É assim que se criam tabus.”
A conclusão a extrair de tudo isto é clara: “É este provincianismo que corta as pernas às pessoas.”
Anabela Duarte tem pernas e uma voz para andar.