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Cream – “Fresh Live Cream” (VHS)

pop rock >> quarta-feira >> 01.06.1994
VÍDEOS


Cream
Fresh Live Cream
Polygram video, distri. Polygram



Eric Clapton, Jack Bruce e Ginger Baker formaram, em 1966, a partir das cinzas dos Yardbirds e dos Graham Bond Organisation, uma das superbandas emblemáticas do rock psicadélico do final dos anos 60 – os Cream. O grupo durou apenas dois anos, tempo suficiente para deixar atrás de si um rasto de prestígio que até hoje permanece intocável. Em abono da verdade, deve dizer-se que a posterior carreira a solo de cada um dos seus membros revelou ser bastante mais interessante que a do grupo, mas isso não impede de rever com satisfação as imagens de algumas das suas melhores prestações ao vivo e recordar temas que permanecem na memória, como “Sunshine of your love” e “White room”.
“Fresh Live Cream” inclui actuações ao vivo dos Cream no Revolution Club, de Londres, no primeiro Festival de Pop Music no Palais des Sports, em Paris, e no Glen Campbell Show, todas em 1967, e no Fillmore de São Francisco e no Royal Albert Hall, de Londres, em 1968, intercalados de excertos fotográficos e material documental de arquivo inédito, além de declarações dos três músicos, já na idade actual, com rugas e cabelos brancos aumentadas pela ressaca, a explicarem-se e a explicarem como foi. Embalado a preceito num desenho psicadélico ao melhor estilo piroso d época, “Fresh Live Cream” tem um indubitável interesse documental, embora a música (fica a suspeita) só deva ser do agrado dos mais velhos, para quem um dos maiores prazeres da vida é recordar. O “creaminoso” volta sempre ao local do Cream. (7)

Teresa Tarouca – “Teresa Tarouca Comemora 33 Anos De Carreira, No Tivoli – Morte E Ressurreição Do Fado”

cultura >> quinta-feira >> 26.05.1994


Teresa Tarouca Comemora 33 Anos De Carreira, No Tivoli
Morte E Ressurreição Do Fado


TERESA TAROUCA celebra neste ano 33 anos de carreira. Este aniversário será comemorado com um espectáculo intitulado “33 Anos a Cantar Portugal”, que se realizará hoje no cinema Tivoli em Lisboa, com produção das Edições Ledo.
Acompanhada à guitarra por João Torre do Vale e Pedro Veiga, e à viola por D. Segismundo de Bragança e Jaime Santos, Teresa Tarouca contará ainda com a presença de dois convidados – Gonçalo da Câmara Pereira e o actor Tó Zé Martinho, que vão cantar dois ou três fados cada. Ao todo, a fadista interpretará 26 fados, entre os quais alguns inéditos, como uma versão de “Lágrima”, imortalizada por Amália, ou “À minha mãe”. Parte dos lucros deste espectáculo – que poderá ser repetido em Paris e noutras cidades portuguesas – reverte a favor do Instituto Português de Oncologia.
Não vai ser um espectáculo qualquer. Porque Teresa Tarouca tem pergaminhos na canção nacional, porque pertence a uma família ilustre de cantadores – é prima de Vicente da Câmara e foi D. Teresa de Noronha quem a iniciou nas lides fadistas – e, acima de tudo, porque canta o fado com a emoção que ele exige.
Vale a pena citar uma das suas declarações à revista “Olá! Semanário”, publicada em 24 de Julho do ano passado: “Estive a cantar em França, para um auditório de jovens universitários. Ao fim de umas horas senti as pernas dormentes, coisa que nunca me tinha acontecido. E das duas uma: ou tirava os sapatos ou caía. Tirei os sapatos e pedi-lhes desculpa por ter de cantar descalça, explicando o que estava a acontecer. Foi impressionante! Todos se levantaram e aplaudiram.”
Por aqui se vê a raça da artista que, curiosamente, canta um fado intitulado “Não sou fadista de raça”.
Além disso Teresa Tarouca é uma pessoa bastante religiosa. Diz que Deus a ajudou na sua carreira e faz mesmo notar que o número 33, correspondente ao seu aniversário como fadista, é igual ao da idade de Jesus Cristo quando morreu e, três dias depois, ressuscitou. Até porque, como avisadamente nos é explicado no folheto de promoção do espectáculo, “o acto de criação artística é simultaneamente um acto de morte e de ressurreição”.
Entra-se depois no território da filosofia (de inspiração cristã) e aqui as elipses são obscuras e de mais difícil decifração, como que a querer dar um sentido ao título de um dos fados mais célebres de Teresa Tarouca, “Saudade, silêncio e sombra”. “A Arte deve procurar estas correspondências em símbolos que transcendem a própria natureza humana.”
Teresa Tarouca, à sua maneira, com o sentimento e a voz que Deus lhe deu, foi isto que fez e continua a fazer ao longo de 33 anos de carreira. É verdade que o fado não é símbolo de nada e que não há nada menos simbólico do que a música, seja ela qual for. Quando muito, os portugueses é que são símbolo do fado.
Quem, no entanto, tiver dúvidas o melhor que tem a fazer é ouvir os discos de Teresa Tarouca – de preferência os de fado, uma vez que a artista também tem uma queda pelo folclore. “Portugal Triste” ou o recente “Teresa Tarouca canta Pedro Homem de Mello”. E dar hoje à noite no Tivoli toda a atenção a composições como “Não sou fadista de raça”, “O meu bergantim”, “Zé sapateiro”, “Povo que lavas no rio”, “Canção verde”, “Deixaste a vida de outrora” e o maior êxito da fadista, “Saudade, silêncio e sombra”.

Vários (Festival Cantigas do Maio – edição 5) / Javier Ruibal – “No Seixal Tudo Mal Menos Ruibal” (reportagem)

cultura >> segunda-feira >> 23.05.1994


No Seixal Tudo Mal Menos Ruibal

Falhou quase tudo na edição número cinco do festival Cantigas do Maio que no passado fim-de-semana terminou no Seixal. Falhou o tempo, falhou o som, falhou a electricidade, falhou o programa, falharam os músicos. Uma desilusão à qual escapou Javier Ruibal.



Muzsikas e El Cabrero, respectivamente nomes de cartaz de sexta e sábado no Cantigas do Maio, realizaram ainda há bem pouco tempo em Portugal prestações brilhantes. Os húngaros no festival Intercéltico do Porto, o cantor de flamenco no Teatro S. Luiz em Lisboa. No Seixal as coisas correram-lhes mal.
Márta Sebestyen, ao contrário do que estava anunciado, não veio. Ainda os problemas pós-parto, segundo parece, que têm levado sistematicamente a cantora a anular os seus espectáculos com o grupo. Em seu lugar esteve Ticiána Kazár, uma mocinha de dezassete anos com muito futuro, um penteado igual ao de Márta e uma voz que, por enquanto, não chega aos calcanhares da outra senhora. Num dos temas, precisamente do reportório de Márta, Ticiána tocou “tin whistle” e até desafinou um pouco, decerto por estar muito nervosa.
Quanto aos Muzsikas, com um alinhamento totalmente diferente do do Porto, faltou-lhes desta vez o pequeno “it” que por vezes é tudo: o “swing”, aquele balanço que transforma a técnica e a matemática dos ritmos em qualquer coisa de orgânico. Em seu lugar houve uma componente didáctica, com longas introduções, demonstrações (uma delas cheia de humor, quando Daniel Hámar exemplificou no seu contrabaixo de três cordas o esqueleto rítmico de certas danças, reduzindo a música ao típico binário ao qual alguém já chamou de “serrar presunto”) e explicações sobre os temas. O virtuosismo esteve lá, é evidente, mas deu sempre a ideia de que os músicos tacteavam em busca do ponto de encontro. Miháli Sipos, o maior tecnicista dos Muzsikas, manteve-se à altura de si próprio, executando um solo prodigioso, melhor até do que no Porto, no tema do diálogo com o “gardon”. Mas Sándor Csóori, o segundo “virtuose” dos Muzsikas, mostrou-se demasiado ansioso no solo de gaita-de-foles que antecedeu “The Train”, o tema de desbunda que no Porto fez furor, e numa longa sequência de improvisação em trio foi igualmente infeliz no violino. Para piorar as coisas, a energia faltou por duas vezes – o que obrigou os músicos a tocarem sem luz nem amplificação – e o som esteve bastante mal, metálico e cheio de estridências. Como se tudo isto não bastasse, na parte de trás da sala (vamos chamar sala ao caixote sem o mínimo de condições para se ouvir música que é a Sociedade União Seixalense…) elementos infiltrados da geração rasca fizeram opossível para perturbar, falando em voz alta, abrindo e fechando portas, enfim, compondo o ramalhete de confusão e desconforto.
A chuva encarregou-se de dar o golpe de misericórdia, impedindo a programada sessão de teatro de rua, com bruxas e bruxedos, que não chegaram a sair de Salém, pela companhia Art’Imagem e alunos de escolas do Seixal.
Sábado começou da melhor maneira. Com Javier Ruibal, um cantor de flamenco da Andaluzia senhor de uma voz belíssima e pouco preocupado com purismos, ao ponto de incluir no seu reportório uma vocalização de uma “gnossiana” de Satie, a par de temas equidistantes da pop e do flamenco como “La rosa azul de Alejandria”, “Ay! Pelao” e “Pension Triana”. Na maioria das composições, Javier fez duo com António Toledo, um guitarrista de técnica vertiginosa, mais velocidade e dedos do que coração é certo, o que até acabou por ser coerente, já que a música de Ruibal tem sobretudo uma elegância e sensualidade cutâneas, mais do que profundidade e paixão visceral.
Esperava-se isso de El Cabrero, o sangue e a força da terra. Decepção! O cantor de flamenco e guardador de cabras em “part-time” esteve muitos furos abaixo da sua prestação do S. Luiz, chegando ao ponto de cantar totalmente fora de tom nos primeiros temas. Deficiências no som de munição? A guitarra de mestre Paco del Gastor mal afinada? Seja qual for a resposta, o certo é que só na parte final do concerto El Cabrero justificou a fama com que vinha justamente aureolado.
E como a chuva entretanto não parara, a organização, por vontade dos artistas, voltou a cancelar a sessão de rua. Desta feita com os Trastobilis, da Catalunha, já maquilhados e vestidos a preceito, a terem de desmontar a tenda, gorando deste modo as expectativas de quem se preparava para assistir a uma sessão de fogo, teatro, música e pirotecnia em frente ao Tejo. Antiapoteose e falta de sorte para uma iniciativa que este ano se debateu com uma série de adversidades contras as quais nada pôde ou não soube fazer. Maio, pode dizer-se, não foi em cantigas.