Arquivo mensal: Outubro 2020

Telectu – “Evil Metal”

Pop Rock >> Quarta-Feira, 30.09.1992


TELECTU
Evil Metal
CD, Área Total



Desde os primeiros acordes da guitarra frippiana de Vítor Rua e os ambientes carregados de tensão criados por Jorge Lima Barreto nas suas “workstations”, é notório que, desta feita, os Telectu acertaram em cheio, conseguindo uma obra de síntese entre as diversas enunciações musicais que foram ordenando al longo dos anos. “Evil Metal” é, até à data, o melhor disco da banda – sem grandes conceitos a sustentá-lo e evidenciando a preocupação de apenas fazer música pela música. O resultado é uma obra imaginativa, dividida em doze peças numeradas, nas quais Rua e Barreto criam um híbrido musical possuidor de uma lógica própria e coerente. Desapareceram as concepções circulares do minimalismo, dando lugar a estruturas mais lineares que incorporam estilhaços e clonagens do jazz, da “new music” filiada na escola “brutalista” de David Fulton, David Linton ou Elliott Sharp, do rock sinfónico (o espectro dos King Crimson, omnipresente na guitarra de Rua) ou do ambientalismo étnico transfigurado por inflexões demoníacas, exemplificado no longo tema número nove – uma falsa praga de ácido e metais retorcidos, que faz jus ao título do álbum. Elliott Sharp, presente nos dois temas finais, acaba por passar despercebido. (8)

Howard Shore, C/ Ornette Coleman (Sol.) E The London Philharmonic Orchestra BSO – “Naked Lunch” (banda sonora / soundtrack)

Pop Rock >> Quarta-Feira, 30.09.1992


HOWARD SHORE, C/ ORNETTE COLEMAN (SOL.) E THE LONDON PHILHARMONIC ORCHESTRA
BSO – Naked Lunch
CD, Milan, import. Contraverso



A chave de “Naked Lunch”, a partitura, encontra-se, segundo Ornette Coleman, no minuto mágico de “Misterioso”, de Thelonius Monk. Um minuto onde o piano, o sax alto e a orquestra apresentam formas distintas que “não existiam antes da sua relação mútua”. Coleman vai mais longe ao afirmar que esta mesma relação é visível nos diálogos do filme de Cronenberg. Ainda segundo o saxofonista, tudo é “hamolódico” neste “festim nu”, isto é, numa definição simplista que “todas as partes são iguais”: da escrita musical ao “script”, diálogos, objectos e cores do filme. Só que há partes mais iguais que outras. Sem as baratas, as máquinas de escrever falantes e outras monstruosidades do filme, “Naked Lunch” tem a consistência de uma manta de retalhos orquestrais, perfurada ocasionalmente por parasitagens étnicas e cujo sentido apenas se autonomiza nas ocasiões em que o saxofone de Ornette Coleman lhes concede o sustentáculo do seu discurso, ora reminiscente do “free jazz”, ora transbordante de lirismo trágico, como em “Intersong”. “Interzone suite” é o tema mais harmolódico e dá uma boa ideia da confusão que reina na cabeça do personagem principal do filme, o escritor William Lee. O problema está em que, sem as imagens que provoquem o vómito, “Naked Lunch” não é tanto um festim mas um “lanche nu”. (6)

John Zorn – “Elegy”

Pop Rock >> Quarta-Feira, 30.09.1992


JOHN ZORN
Elegy
CD, Eva, import. Contraverso



“O Diário de Um Ladrão”, de Jean Genet – onde este faz a correspondência entre a alma dos condenados e as flores – serve de ponto de partida a cerca de 30 minutos de loucura musical, divididos em quatro partes, correspondentes a outras tantas cores, “azul”, “amarelo”, “rosa” e “negro”. “Elegy apresenta as idiossincrasias que fazem o estilo de John Zorn: a mistura de géneros musicais, a velocidade, o grito, a paranoia, a reprodução das técnicas de “cut up” interpretadas em tempo real, a Nova Iorque “downtown”, o erotismo em tons carregados. Para trás ficou a histeria, na versão Carl Stalling, substituída por estruturas formais próximas do dodecafonismo. Flautas hesitantes, “staccatos”, estrondos de percussão, gorgolejos vocais e o saxofone psicótico de Zorn, radiante, no meio de um caos cuidadosamente elaborado, conferem a “Elegy” a aura de música concreta. Da séria. A parte final, “Black”, perturbante de outro modo, espécie de invocação ritual-gutural, junta a fanfarra totalitária dos Laibach a uma qualquer celebração religiosa tibetana. Interessante, embora menos que a recente compilação “Locus Solus”, contendo material antigo que o autor considera “o mais estranho” que alguma vez gravou, disponível na mesmam discoteca. (7)