Arquivo mensal: Agosto 2020

Quinta do Bill + Kdadalak + Ceolbeg – “Festival De Música Popular, Na Amadora – ‘Folk’ Fora De Horas” (concertos/ V Festival de Música Popular)

Cultura >> Segunda-Feira, 29.06.1992


Festival De Música Popular, Na Amadora
“Folk” Fora De Horas


No sábado, na Amadora, a música durou até às tantas. Só que quando os sons se estendem pela noite fora devido não aos calores da festa mas a atrasos de programação, não há paciência nem escoceses que resistam.

Aconteceu assim na sala D. João V, no V Festival de Música Popular realizado na Amadora, como já acontecera com Mari Boine Persen, na semana passada, em Belém. O adepto da música tradicional tem de esperar até depois da meia-noite. E é se quiser…
Quase 45 minutos depois da hora prevista teve início a função, com os Quinta do Bill que ainda por cima deram mostras de não querer abandonar o palco. Ou seja, o Bill fez da sala a sua quinta e quase foi preciso alguém ir lá atrás desligar o quadro para dar aos seguintes a oportunidade de tocarem uma musicazita. Os Quinta do Bill, para além do amor possessivo ao palco, mostraram um vocalista entusiasta e razoável tocador de flauta de bisel que tentou por todos os meios pôr o público a cantar, bons instrumentistas e uma pop cruzada de instrumentais de inspiração folk. Tivessem tocado menos tempo e toda a gente teria ficado satisfeita. Assim, só faltou serem empurrados.
Seguiu-se o grupo de emigrantes timorenses em Portugal, Kdadalak, em trajes tradicionais, que leram textos de luta e solidariedade aos seus irmãos “maubere”. Toda a gente apoiou, claro, é fácil apoiar, e apetece citar António Vitorino de Almeida: “Mais importante para vocês não é que nós estejamos convosco – mas sim que os indonésios não estejam. Para já, porém, a nossa solidariedade, lamentavelmente teórica”. A música, insípida, acabou por ser um pormenor de somenos importância.
O tempo escasseava entretanto e a organização receava a debandada geral antes da actuação do grupo principal, os escoceses Ceolbeg. A partir desta altura optou-se pelo sistema em “roulement”: Amélia Muge interpretou a primeira canção, sobre Timor, com os Kdadalak ainda em palco. Recordou José Afonso, emocionou-se e cantou como só ela sabe, canções do álbum estreia “Múgica”. Na última, “Quem à janela”, juntou-se-lhe José Mário Branco e os dois, debruçados sobre o passado e o futuro, proporcionaram um dos poucos momentos verdadeiramente tocantes da noite. José Mário Branco prosseguiu a solo, com “Correspondências” em forma de canção e convidados de nomeada: Paulo Curado, na flauta, José Peixoto, na guitarra e Yuri Daniel no baixo, sob o olhar atento do “maestro” e teclista António José Martins. Antes foram as cerimónias da praxe e a entrega ao cantor do prémio José Afonso, pelo álbum “Correspondências”.
Quando finalmente os Ceolbeg começaram a tocar passavam vinte minutos da uma da manhã e metade da sala já desistira de se entregar aos possíveis entusiasmos folk suscitados pela música dos escoceses. A maior surpresa na apresentação desta banda aconteceu com a presença da harpista Patsy Seddon (do duo Sileas, com Mary McMaster, presente nos Encontros da Tradição Europeia do ano passado) que à última e em boa hora subsituiu a prevista Katie Harrigan na formação dos Ceolbeg: De provocante mini-saia negra que lhe moldava o corpo já com alguma tendência para alargar dos lados, Patsy revelou-se a melhor intérprete em palco, mesmo se o som apenas nos temas mais calmos – como “Lord Galloways Lamentation” (composto pelo lendário harpista cego Turlough O’ Carolan) – permitisse ouvir com nitidez as subtilezas de cristal do instrumento. Quase à altura de Patsy estiveram o gaiteiro Gary West e o novo percussionista Jim Walker. O primeiro poderoso de fôlego e ágil no ponteiro, magnífico na suite instrumental “The Coupit Yowe set” ou no “encore” final, emq eu as Highland pipes” positivamente dispararam, arrancando para os prazeres da dança alguns jovens desejosos de dar ao pé, o segundo subtil e imaginativo na bateria e percussões. Os Ceolbeg cumpriram sem deslumbrar. A muitos terão feito apetecer ouvir o seu muito bom disco “Seeds to the Wind”.
Às 2h30 estava tudo consumado. Qualquer dia o melhor é levantarmo-nos cedo, aí por volta das seis da manhã, de maneira a podermos assistir, fresquinhos ao final dos espectáculos da noite anterior. Já faltou mais.

Davy Spillane – “Davy Spillane, Hoje, No Porto – Tradicionais Mas Não Muito” (concertos / festas de S. João)

Cultura >> Domingo, 28.06.1992


Davy Spillane, Hoje, No Porto
Tradicionais Mas Não Muito



“Na Irlanda há um grande número de seguidores da música tradicional, porque a música tradicional nunca morreu. Esta é a grande diferença entre alguns países da Europa e a Irlanda: nós não falamos de uma cultura renascida porque ela nunca chegou a morrer”. Quem o diz é Davy Spillane, emérito tocador de “uillean pipes” que hoje, domingo, actua, com a sua banda, no Porto, no encerramento das festas de S. João da cidade. Às 21h30, no cais da Estiva, junto à Ribeira. É a segunda apresentação de Spillane no nosso país, depois do espectáculo do “Folk Tejo” do ano passado.
Porque a cultura tradicional irlandesa nunca chegou a morrer, Davy Spillane permite-se fazer dela um “melting pot” de influências onde cabem o “bluegrass”, o pequeno jazz e o rock. Spillane, natural de Dublin, aprendeu com a nata dos gaiteiros irlandeses – Seamus Ennis, Leo Rawsome, Johnny Doran, Willy Clancy e, pertencentes a uma geração posterior, Paddy Keenan (Bothy Band), Finbar Furey e Tommy Peoples -, aprendizagem que lhe serviu sobretudo para desenvolver uma técnica irrepreensível num instrumento que, reza a lenda, necessita de 21 anos para ser “domesticado”: “sete para ouvir, sete para praticar e outros sete para tocar”.
Spillane toca as “uillean pipes” com a garra de um rocker. Fala dos “blues”, diz que Johnny Doran é como Muddy Waters, “um verdadeiro ‘bluesman’” mas, na prática, falta à sua música a profundidade, o suor e o sangue da música negra. Quando muito Davy Spillane será um “greensman”, o que está mais de acordo com a cor da sua Irlanda natal.
Fala-se muito da importância que tiveram durante os anos 80, os Moving Hearts, grupo do qual faziam parte, além de Spillane, dois ex-Planxty, Christy Moore e Donal Lunny. É uma importância relativa. Digamos que os irlandeses se atrasaram dez anos em relação aos seus vizinhos ingleses quando se tratou de juntar a música tradicional ao rock, como fizeram, na altura devida, os Fairport Convention e os Steeleye Span. Acontece que a Irlanda, como Portugal, é um país que, possuidor de uma cultura riquíssima, devido ao seu atraso, demorou mais que os outros a destruir o seu património.
A solo, nos quatro álbuns gravados até à data, Spillane não se afasta muito desta linha: “Atalntic Bridge”, “Out of the Air”, “ShadowHunter” e “Pipedreams”. Foi preciso Andy Irvine (outro ex-Planxty) chamá-lo à razão, pegar-lhe na orelha e “obrigá-lo, por uma vez, a trocar o conforto do 4/4 do “reel rock” pelos compassos “impossíveis” de 5 e 13/8 da música dos balcãs, em “East Wind”, álbum que retoma amores antigos de Irvine, dos tempos de “Mominsko horo” (da obra-prima “Cold Blow and the Rainy Night”), e que inclui participações vocais de Marta Sebestyen.
Mas festa é festa, o que importa é dançar, com whiskey ou um cálice de Porto na mão, tanto faz.

Davy Spillane – “Davy Spillane, Hoje, No Porto – Tradicionais Mas Não Muito” (concerto / céltica)

Cultura >> Domingo, 28.06.1992


Davy Spillane, Hoje, No Porto
Tradicionais Mas Não Muito



“Na Irlanda há um grande número de seguidores da música tradicional, porque a música tradicional nunca morreu. Esta é a grande diferença entre alguns países da Europa e a Irlanda: nós não falamos de uma cultura renascida porque ela nunca chegou a morrer”. Quem o diz é Davy Spillane, emérito tocador de “uillean pipes” que hoje, domingo, actua, com a sua banda, no Porto, no encerramento das festas de S. João da cidade. Às 21h30, no cais da Estiva, junto à Ribeira. É a segunda apresentação de Spillane no nosso país, depois do espectáculo do “Folk Tejo” do ano passado.
Porque a cultura tradicional irlandesa nunca chegou a morrer, Davy Spillane permite-se fazer dela um “melting pot” de influências onde cabem o “bluegrass”, o pequeno jazz e o rock. Spillane, natural de Dublin, aprendeu com a nata dos gaiteiros irlandeses – Seamus Ennis, Leo Rawsome, Johnny Doran, Willy Clancy e, pertencentes a uma geração posterior, Paddy Keenan (Bothy Band), Finbar Furey e Tommy Peoples -, aprendizagem que lhe serviu sobretudo para desenvolver uma técnica irrepreensível num instrumento que, reza a lenda, necessita de 21 anos para ser “domesticado”: “sete para ouvir, sete para praticar e outros sete para tocar”.
Spillane toca as “uillean pipes” com a garra de um rocker. Fala dos “blues”, diz que Johnny Doran é como Muddy Waters, “um verdadeiro ‘bluesman’” mas, na prática, falta à sua música a profundidade, o suor e o sangue da música negra. Quando muito Davy Spillane será um “greensman”, o que está mais de acordo com a cor da sua Irlanda natal.
Fala-se muito da importância que tiveram durante os anos 80, os Moving Hearts, grupo do qual faziam parte, além de Spillane, dois ex-Planxty, Christy Moore e Donal Lunny. É uma importância relativa. Digamos que os irlandeses se atrasaram dez anos em relação aos seus vizinhos ingleses quando se tratou de juntar a música tradicional ao rock, como fizeram, na altura devida, os Fairport Convention e os Steeleye Span. Acontece que a Irlanda, como Portugal, é um país que, possuidor de uma cultura riquíssima, devido ao seu atraso, demorou mais que os outros a destruir o seu património.
A solo, nos quatro álbuns gravados até à data, Spillane não se afasta muito desta linha: “Atalntic Bridge”, “Out of the Air”, “ShadowHunter” e “Pipedreams”. Foi preciso Andy Irvine (outro ex-Planxty) chamá-lo à razão, pegar-lhe na orelha e “obrigá-lo, por uma vez, a trocar o conforto do 4/4 do “reel rock” pelos compassos “impossíveis” de 5 e 13/8 da música dos balcãs, em “East Wind”, álbum que retoma amores antigos de Irvine, dos tempos de “Mominsko horo” (da obra-prima “Cold Blow and the Rainy Night”), e que inclui participações vocais de Marta Sebestyen.
Mas festa é festa, o que importa é dançar, com whiskey ou um cálice de Porto na mão, tanto faz.