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Joe Jackson – “Night Music”

pop rock >> quarta-feira >> 19.10.1994


Joe Jackson
Night Music
Virgin, distri. EMI-VC



Na profundidade e sumptuosidade dos arranjos, na descoberta, a cada nova audição, de novos pormenores, “Night Music” tem a dimensão de um clássico. As canções desrespeitam o formato vulgar pop. “Flying”, com ressonâncias a Elvis Costello, o único momento em que a memória dos primeiros tempos de Jackson é consentida. As outras são lentas cascatas de emoção dentro das quais o músico inventa espaços que pinta a seu bel-prazer com traços electrónicos. Oboés, violinos e clarinetes contribuem para aumentar a dimensão clássica de “Night Music”, espécie de grande produção cinematográfica a que não é alheia a aprendizagem anterior de Jackson na autoria de bandas sonoras como “Tucker”, “Shijin No Ie” (com a orquestra Filarmónica de Tóquio) ou “Queens Logic”, a par da gravação dum álbum totalmente instrumental, “Will Power”, já editado em Portugal, Joe Jackson prepara ainda uma obra sinfónica para instrumentação electrónica a incluir no catálogo de clássicos da Virgin. “Ever after”, “The man who wrote Danny boy”, “Only the furore”, “Sea of secrets” e “Lullaby” são canções pára durar. A voz do cantor suavizou-se, os tempos ganharam uma respiração mais lenta, os sintetizadores assumem-se como principais tecelões das melodias. Espalhadas entre as imagens sonoras, outras imagens, sem palavras, falam na noite: quatro “nocturnos” onde os sons sintéticos se fundem, como as estrelas contra o pano negro do céu, com as cordas e os sopros acústicos para fazer surgir paisagens que evocam o universo musical de um Hector Zazou, de “Géographies” e “Géologies”. “Detesto a ideia de ser considerado um rocker veterano ou uma estrela pop envelhecida”, diz Joe Jackson, “se tiver que escolher, prefiro ver-me como um jovem compositor”. Gershwin e Cole Porter têm um discípulo. (8)

Annette Peacock E Carlos Zíngaro – “Annette Peacock E Carlos Zíngaro Encenam Encontros’ Em Lisboa – A Arte Da Incomunicação”

cultura >> segunda-feira >> 17.10.1994


Annette Peacock E Carlos Zíngaro Encenam “Encontros” Em Lisboa
A Arte Da Incomunicação


Em 50 minutos “non-stop” de música, luzes e dança, Peacock e Zíngaro passaram em revista todos os lugares comuns da “performance” dita vanguardista. Em “Encontros”, um espectáculo que incluiu corpos rastejantes, imagens de televisão, jogos de cama e outras momices que nos anos 70 teriam feito sucesso.



Cheirou a naftalina o espectáculo “Encontros” dado por Annette Peacock, Carlos Zíngaro e Roger Turner, acompanhados por dois bailarinos portugueses, sábado à noite no teatro S. Luiz, em Lisboa. O começo não podia ter sido mais previsível, com os bailarinos Margarida Bettencourt e João Natividade a rojarem-se pelo chão ao mesmo tempo que produziam ruídos desagradáveis. Já Gosciny e Uderzo sabiam, no álbum de Astérix “O Caldeirão de Ouro”, que para qualquer manifestação artística poder ser considerada de vanguarda é necessário que tenha corpos a rastejar, de preferência fazendo esgares e barulhos desagradáveis.
Foi então que Roger Turner, um notável percussionista, entrou a percutir o chão, partindo depois para um solo de bateria. Escuridão. A voz de Annette Peacock elevou-se em seguida num monólogo, antes de o violino de Zíngaro se lhe juntar e os bailarinos encetarem uma sessão de contorcionismo corporal. Ao longo de menos de uma hora de “performance” viu-se João Natividade ensaiando exercícios de ginástica nas argolas olímpicas e os intérpretes a vaguearem, segundo coreografias milimétricas, pelo palco, de olhos postos no infinito, vestidos de negro como mandam as regras da vanguarda. Os dois apontamentos mais engraçados da noite foram dados por Margarida Bettencourt a passear uma televisão com imagens de um cão no ecrã, e Roger Turner, agitando-se num acto de masturbação percussiva, debaixo de um lençol. Houve a parte do sexo. Embora este se tivesse revelado seguro, limitando-se a sensualidade dos gestos ao acto de Annette Peacock a desnudar uma boneca e, no capítulo dos jogos de cama, com todas as personagens a sentarem-se à vez na borda da dita cama sem chegarem a vias de facto. O casal de bailarinos aina mergulhou na confusão dos lençóis antes de o percussionista lhes invadir a privacidade. Divertido e muito modernaço.
No final, acabaram todos a mastigar, com Zíngaro a ferrar o dente numa maçã, segundo a denominada “estética reineta” que já o vocalista dos Area, Demetrio Stratos, utilizara há mais de 20 anos na primeira festa do “Avante!”, ao mastigar igualmente o saboroso fruto.
O tema dos “Encontros” era daqueles que dão sempre jeito e pano para mangas em espectáculos deste tipo: a solidão e incomunicabilidade do homem contemporâneo. O homem contemporâneo, o homem-comum, como toda a gente sabe, não comunica. A culpa é da sociedade em geral e da televisão em particular. Ora, salvo casos limite como os prisioneiros, os diminuídos físicos e mentais, os solitários terminais ou quando se está a dormir, a comunicação é um dado natural e adquirido da condição humana, nem que seja através da cópula sexual. Se um abstrôncio qualquer prefere passar dezoito horas por dia a ver televisão em vez de comunicar com o seu semelhante, a culpa não é da televisão, mas do abstrôncio que é bronco e não dá uma para a caixa. Aliás é por ser bronco que o homem-comum é comum. Em qualquer parte do mundo. O homem-comum sova a mulher só porque o clube da sua simpatia perdeu, pontapeia o miúdo só porque o dia no emprego lhe correu mal ou dá um tiro no vizinho só porque este lhe roubou um milímetro de terreno. São ainda formas de comunicação, só que mais dolorosas, principalmente para os receptores.
Peacock, Zíngaro e companhia limitaram-se à redundância, frisando o vazio da sociedade moderna e a inutilidade dos gestos. Mas sem criatividade nem imaginação, mais parecendo estar-se a assistir a uma prova de final de curso do Conservatório. Com a ênfase posta nos aspectos cénicos, a música ficou relegada para segundo plano. Pena que assim fosse, porque foi o melhor destes “Encontros” que não chegaram a comunicar com o muito público que acorreu ao chamariz do acto performativo. Annette Peacock manuseou de forma interessante por meios electróncios, os timbres da voz. Zíngaro procedeu de igual modo, entrando em diálogo consigo mesmo, na já habitual utilização do pedal de “delay”. Roger Turner alternou a subtileza quase subliminar com explosões orgásticas na bateria. O que foi dado a ver deitou, porém, tudo a perder.
(In)comunicação é isto mesmo.

Tangerine Dream – “Tangents, 1973-1983”

pop rock >> quarta-feira >> 12.10.1994


Tangerina De Plástico

Tangerine Dream
Tangents, 1973-1983
Virgin, distri. EMI-VC



Não são os mesmos Tangerine Dream que os fãs da música planetária adoravam, em contemplação nas volutas electrónicas de “Phaedra” e “Rubycon”. Agora, a banda berlinense liderada por Edgar Froese é apresentada como percursora da “tecno” e da “Ambient house”. Em conformidade, alterou-se tudo.
Nesta colectânea de cinco compactos arrumados em caixa, reunindo excertos da música dos Dream gravada para a Virgin ao longo de uma década, pouco ou nada existe da magia que emanava da banda no seu tempo áureo. Todas as faixas foram remisturadas e acrescentadas de novos sons, normalizando o som e eliminando diferenças, como se a música não tivesse evoluído e mudado durante esse tempo.
O mais grave, porém, é o assassínio cometido em faixas longas como “Phaedra” e “Rubycon”, por sinal consideradas pelo próprio Froese as suas preferidas. “Rubycon” foi retalhada e retocada, espalhando-se em fragmentos com pouco ou nenhum sentido. “Phaedra” sofreu tratos piores. Foi regravada na íntegra, passando dos 18 minutos de origem para um aborto de quatro onde se amontoam alguns dos famosos ritmos sequenciados do original, em velocidade acelerada. Ridículo.
Que o resto da música tenha sido de igual modo recontextualizada até nem faz grande diferença, uma vez que, descontando um ou outro pormenor de “Stratosfear”, “Force Majeure” e “Tangram”, a música dos Tangerine Dream descambou progressivamente para o inconsequente, alternando entre a new age vulgar e uma pop sintética à maneira dos Space, com o desafogo financeiro garantido pelas inúmeras bandas-sonoras que a banda passou a assinar, tornando-se numa das mais requisitadas da indústria cinematográfica.
“Tangents” arrasta-se aprisionada entre estas duas vertentes, recuperando com a artificialidade atrás referida álbuns dispensáveis como “Exit”, “Thief”, “WhiteEagle”, “Logos” e “Hyperborea”.
Um compacto é dedicado a bocados de bandas-sonoras e outro reservado a “originais” que mais não fazem do que prolongar o tédio. Dentro da tal opção por acentuar o lado “modernista” e pioneiro dos Tangerine Dream, a embalagem vem recheada de fotografias de realidade virtual e o “lettering” é muito “The Orb”.
Os Dream foram, até 1975, bastante mais que isto (a banda ainda existe, da mesma maneira que os Genesis ou os Pink Floyd também existem, na forma de “zombies”): uma catedral de sonhos. Assim, com a tangerina em plástico, não é uma tangente, mas uma rasteira. (4)