Arquivo mensal: Maio 2023

Vladimir Estragon – “Three Quarks For Muster Mark”

Pop-Rock Quarta-Feira, 23.10.1991


VLADIMIR ESTRAGON
Three Quarks For Muster Mark
CD, Tip Toe, import. Dargil



Os Vladimir Estragon contribuem, sem complexos, com a sua quota parte para a aniquilação, há muito anunciada e sempre adiada, do jazz. E não só por nas suas fileiras militar um dos demolidores de serviço nos Eisntuerzende Neubauten, F. M. Einheit. Exéquias celebradas nas contorções, sublimes e subliminares, do saxofonista e clarinetista Alfred 23 Harth (precisamente antigo companheiro do homem dos Cassiber, Heiner Goebbels). Ulrike Haage fornece o suporte electrónico, entre o martelo-pilão digital e o indizível de impossíveis manipulações sonoras. Einheit acaba com o resto, recorrendo às suas percussões metálicas e a eventuais curto-circuitagens eléctricas: em “Seine Register” o CD ameaça explodir em estilhaços devido ao ruído parasita, ultra-amplificado, de um disco de grafonola riscado. Phil Minton, quando lhe dão espaço, amassa a própria voz como se fosse plasticina, moldando-a entre o gutural concreto de “Der verbleibende Haufen” e a microscopia a Schumann, “Die Nachttigall”. Na Alemanha os muros continuam a cair. (9)

Cassiber – “A Face We All Know”

Pop-Rock Quarta-Feira, 23.10.1991


CASSIBER
A Face We All Know
CD, ReR, import. Contraverso



Se ainda é lícito falar de terrorismo estético, os Cassiber constituem a frente avançada da guerrilha contra esse “império do mal”, cujos contornos e ideologia tendem a adquirir formas cada vez mais ambíguas.
Chris Cutler (a ficha completa ocuparia a totalidade da página…), Heiner Goebbels (“O Homem do Elevador”…) e Christopher Anders, depois de “Beauty and the Beast” e “Perfect Worlds”, persistem em manobrar no centro do Apocalipse. Textos de Cutler e Thomas Pynchon, extraídos de “Gravity’s Rainbow”: “Íamos por um túnel de onde jamais sairíamos. Eu já sabia. Era o fim.” Palavras gritadas, sussurradas, alteradas. Por torrentes de raiva. Por sombras húmidas. Pelo Medo. Lucidez gelada. O filme derradeiro: “Quando fecho os olhos vejo os pensamentos. E as palavras. Em cores terríveis.”
O som (lembrando por vezes as emanações venenosas dos This Heat) completa o horror. Obsessivo, massacrante, por momentos aberto à ironia (o jazz de variedades, em “I was old”, as intromissões de insecto de “Philosophy”…). Os samplers de Goebbels rangem os dentes sobre a percussão-folia de Cutler. Música-manifesto. Sirene de aviso. Que rosto é este, que não ousamos nomear? (8)

Robyn Hitchcock & The Egyptians – “Perspex Island”

Pop-Rock Quarta-Feira, 23.10.1991


ROBYN HITCHCOCK & THE EGYPCIANS
Perspex Island
LP / MC / CD, A&M, distri. Polygram



Decididamente, a pop resignou-se ao papel de discípula da tradição. Mas se Hitchcock não hesita um momento em firmar-se nessa tradição, tal não implica a inexistência de um discurso personalizado e original. Pelo contrário, partindo de modelos tão sólidos como os Pink Floyd, da época Syd Barrett, os Beatles psicadélicos das “sitars” e gurus, ou os Byrds (comparação inevitável se levarmos em conta que Peter Buck, dos R.E.M., toca guitarra em oito temas, num deles, “So you think you’re in love”, retomando sem vergonha a chave melódica de “Turn Turn Turn”), consegue traduzi-los numa linguagem autónoma, reveladora de um compositor / intérprete suficientemente amadurecido para não recear o confronto com o passado.
“Parspex Island” é misterioso e nocturno, vogando por sonoridades aquáticas e sombrias (“Vegetation and dimes” ou “She doesn’t exist” são dois bons exemplos deste lado lunar), em contraste com o tom extrovertido de “Oceanside” e “Child of the universe” que abrem respectivamente o lado 1 e 2 do disco. A cada audição revelam-se novos pormenores: a textura íntima dos arranjos, os insuspeitados recantos emocionais que a voz vai desvelando.
Desaconselha-se pois o mergulho de cabeça. Convirá antes emergir lentamente, de modo a permitir a observação cuidada de cada nível de profundidade. Por debaixo da superfície espelhada de guitarras surge do fundo submarino um mundo de melodias insinuantes que aos poucos dá a conhecer o mistério. Michael Stipe e o trompetista Mark Isham contribuem para o adensar das brumas. (8)