Arquivo mensal: Dezembro 2014

O Balanço Final: A lista dos melhores discos da década de 1980 (parte 2 – 1985/89)

BLITZ

23.1.90
VALORES SELADOS

O BALANÇO FINAL

Depois dos primeiros cinco anos conclui-se nestes «valores» o balanço final dos melhores da década. A partir de 85 houve ainda mais discos a merecerem toda a nossa atenção e aplauso. Poucos os terão notado. Não faz mal, eles (os discos) continuam à espera de quem os souber merecer. Muitos dos nomes citados permanecem num injusto quase anonimato. Mas são eles que fizeram e fazem o melhor da história da música dita popular.

Novamente por ordem alfabética, eis a relação dos vinte melhores para cada ano:

Delerium_-_Faces,_Forms_&_Illusions

1985

Alésia Cosmos: Aeroproducts (Pop minimalista francês).
Andrew Poppy: The Beating of Wings (Minimalismo outra vez, desta vez do sério. Mais electrónico do que a concorrência).
Art Barbeque: Feet Hacked Rails (Música industrial para Sado-masoquistas).
Benjamin Lew & Steven Brown: À Propôs d’un Paysage (Paisagens ambientais em aguarela, cheias de pormenores).
Biota: Vagabones & Rockabones (Compêndio definitivo da arte do ruído).
Einstuerzende Neubauten: Halber Mensch (Os martelos-pilões finalmente domesticados).
Foetus: Nail (Viagem guiada ao Inferno).
Kalahari Surfers: Living in the Heart of the Beast (Su-africanos vanguardistas e intervencionistas).
Laibach: Nova Akropola (Neo-nazis ou brincalhões? Wagner, se fosse vivo, aprovaria).
Legendary Pink Dots: Asylum (Hippies disfarçados, clássicos, bizarros, transtornados).
Mathilde Santing: Water Under the Bridge (Pura magia. Nunca mais fez nada igual).
Michael Nyman: A Zed and Two Naughts (Novos labirintos para a fita de Greenaway).
Nico & The Faction: Camera Obscura (Requiem final pela senhora de negro).
Nurse With Wound: The Sylvie and Babs High-Thigh Companion (Stephen Stapleton é louco e gosta de misturar todos os sons, todas as músicas, todas as manias. Stephen é um génio, só que doutro mundo).
Peter Principle: Sedimental Journey (O lado mais experimental dos Tuxedomoon).
Regular Music: Regular Music (Repetitivos e barrocos. Discípulos de Nyman com Charles Hayward ao comando).
Severed Heads: Clifford Darling, Please don’t Live in the Past (Obras mestra dos terroristas australianos. O terror pode ser engraçado).
Urban Sax: Fraction sur le Temps (Os saxofones do Apocalipse).
Wondeur Brass: Ravir (Três senhoras canadianas que aprenderam muito com Carla Bley).
Zoviet France: Gris (O cimento é musical? Resposta: Nesta caso é).

1986

Cassiber: Perfect Worlds (Free jazz + Beethoven + ruído, por Heiner Goebbels e Chris Cutler).
Conrad Schnitzler & Michael Otto: Micon in Italia (Fusão entre a electrónica e instrumentos de orquestra).
Daniel Schell & Karo: If Windows They Have (Expoente máximo da nova música de câmara europeia).
David Garland: Control Songs (Canções, sampling exaustivo, acordeão, voz de «Crooner», Zorn, C. Marclay e G. Klucevsek como convidados. Chega?).
David Linton: Orchesography (As tácticas de Elliott Sharp aplicadas à electrónica).
Elliott Sharp: Virtual Stance (As tácticas de Elliott Sharp aplicadas à electrónica).
Godard Fans: Godard, Ça vous Chante? (Homenagem ao cineasta com interpretações brilhantes de Zorn, Lindsay, Clint Ruin (Foetus) e Amati Ensemble, ente outras).
Graeme Revell: The Insect Musicians (Inteiramente realizado com samples de sons dos ditos, pelo mentor dos SPK. Brilhante).
Holger Hiller: Oben im Eck (Opus 2 da bíblia do «sampling»).
John Zorn: The Big Gundown (Obra-prima absoluta pelo mestre da rapidez. Tudo encaixa no lugar certo, como nos desenhos animados. Só para ouvidos ultra-ágeis).
Kraftwerk: Electric Cafe (disco típico do séc. XXII).
Laurie Anderson: Home of the Brave (Laurie antes do grande pecado).
Nurse With Wound: Spiral Insana (mais contemplativo e perturbante que «Sylvie»).
O Yuki Conjugate: Into Dark Water (Electrónicos e sombrios. Jon Hassell teve u pesadelo).
Poules (les): Contes de l’Amère-Loi (As mesmas senhoras dos Wondeur Brass brincando aos computadores).
SPK: Zamia Lehmani (Songs of Byzantine Flowers) (A Música religiosa dos discípulos das trevas).
Steve Beresford, David Toop, John Zorn, Tonie Marshall: Deadly Weapons (Quatro excêntricos unidos na produção de um filme imaginário superinspirado. Ponto de fuga das mais recentes tendências do Jazz (?) actual).
Steve Reich: Sextet/Six Marimbas (Cristal minimal).
Sussan Deyhim & Richard Horowitz: Desert Equations: Azax Attra (as vozes do deserto encontram os sintetizadores).
Test Dept: Unacceptable Face of Freedom (O Ocidente infernal)
e ainda: Bruce Gilbert: The Shivering Man; Camberwell Now: The Ghost Trade; Collectif Nox: Sessions 84/86; Derome/Lussier: Soyez Vigilants, Restez Vivants; Harold Budd: Lovely-Dusks; Jon Hassell: Power Spot; Masahide Sakuma: Lisa; Neo Museum: Nouvelles Ethnologies de L’Obscure Museum; Orthotonics: Luminous Bipeds; Peter Hammill: Skin; PFS: Illustrative Problems; Semantics: Rothenberg, Sharp, Bennett; Skeleton Crew: The Country of Blinds; Recoil: 1+2; The The: Infected; Tom Van Der Geld: Small Mountain.

1987

Arthur Russell: World of Echo (com pouco se faz muito, uito, uito…).
Art Zoyd: Berlin (O disco da década. A síntese perfeita. Encontro da Tradição com o Futuro num disco perfeito).
Derome/Lussier: Le Retour des Granules (Nova colaboração entre os sopros de Derome e a guitarra Frithiana de Lussier).
Double-X-Project: Fallobst (grupo alemão feminino de Jazz electrónico minimalista ou lá o que isso é).
Elliott Sharp: In the Land of the Yahoos (Sharp goes Electropop? Quase!… O seu disco mais acessível, com a voz de Sussan Deyhim).
Jocelyn Robert: Stat-Live-Moniteur (Colagens. Ruído. Ambiental. Étnico. Electrónico. Lembram-se dos Faust?).
John Zorn: Spillane (Banda sonora de filme negro a 78 rotações).
Lounge Lizards: No Pain for Cakes (John Lurie volta a atacar o Jazz com unhas e dentes. Os puristas não gostam).
Negativland: Escape from Noise (Os rapazes da Contracosta americana voltam a baralhar tudo de novo. Paranóico, diferente, divertido).
Popular Mechanics: Insect Culture (A vanguarda soviética nos desvarios de Sergei Kuriokhin, ainda não se falava da Perestroika).
Renaldo And The Loaf: The Elbow is Taboo (Discípulos dos Residents, como estes divertidos e esquisitos).
Robert LePage: La Traversée de La Mémoire Morte (Sintetizadores analógicos, manipulação de fitas à antiga, sopros ora swingantes ora fragmentados. Excelente e genuinamente original).
Robert Musci & Giovanni Venosta: Water Music on Desert Sand (A Música de todos os mundos. A síntese de todas as tradições. A mistura de todos os sons. Genial).
Scott Johnson: John Somebody (Guitarra e colagens sem tesoura. Filho do casamento entre Steve Reich e Laurie Anderson antes do pecado).
Slagerij Van Kampen: Out of the Doldrums (Inteiramente realizado com samples de percussão).
Startled Insects: Curse of the Pheromones (Funky para mentes muito, muito distorcidas).
Teargarden: Tired eyes Slowly Burning (Projecto de E. Ka-Spel dos L.P. Dots e Cevin Key, dos Skinny Puppy).
Wondeur Brass: Simoneda, Reine des Esclaves (das Canadianas apreciadorad de jazz e «Chanson Française»).
Wayne Horvitz: This New Generation (Costuma tocar com Zorn mas este disco nao tem nada a ver. Pop-Jazz, talvez?…)
e ainda: Andrew Poppy: Alphabed (a Mystery Dance); Bourbonese Qualk: Bourbonese Qualk; French, Frith, Kaiser & Thompson: Live, Love, Larf & Loaf; Jazz Passengers: Broken Night/Red Light; Kahondo Style: Green Tea and Crocodiles; Legendary Pink Dots: Any Day Now; Mark Stewart: Mark Stewart; Meredith Monk: Do You Be; Nimal: Nimal; Philip Perkins: Hall of Flowers/The Flame of Ambition; Steven Brown: Searching for Contact; Yasuaki Shimizu: Music For Commercials.

1988

Ben Neill: Mainspring (Trompete traficado em fundo minimalista).
Bobby Previte: Claude’s Late Morning (Mais um músico ligado a Elliott Sharp, desta vez o percussionista).
Coil: Gold is the Metal (As magias invertidas em tons classizantes).
David Borden/Mother Mallard: Migration (Um dos nomes fundamentais da nova escola minimalista americana).
David Fulton: Marcos & Harry, pt. 3 – Semi Trilogy (Serrotes e computadores no novo tribalismo eléctrico).
Delerium: Faces, Forms & Illusions (Arabizantes, ambientais e ameaçadores).
Elliott Sharp: Larynx (Nova Iorque histérica).
Fred Frith: The Technology of Tears (A tecnologia da complexidade).
Jon Hassell/Farafina: Flash of the Spirit (A música do Burkina Faso accionada por botões e enfeitada com trompete).
Lights In A Fat City: Somewhere (Didgeridoo digital em música para aborígenes sofisticados).
Mikel Rouse Broken Consort: A Lincoln Portrait (Outro dos nomes importantes do minimalismo americano).
Motor Totemist Guild: Shapuno Zoo (Rebuscados, Perfeccionistas, tocam tudo e mais alguma coisa. Inclassificáveis).
Non Credo: Reluctant Hosts (os medos infantis. O papão. Estes alemães parecem inocentes mas tocam-nos o cérebro como se fôssemos bonecos).
Pere Ubu: The Tenement Year (Regresso em forma do gordo mais simpático do mundo em novos exercícios de contorcionismo vocal).
Recoil: Hidrology (Kraftwerk, versão esotérica).
Robert Musci & Giovanni Venosta: Urban and Tribal Portraits (O título diz tudo).
Steve Moore: A Quiet Gathering (O mistério das catedrais. Um dos lados é apelidado de «Música de câmara para sons ambientais»).
Test Dept.: Terra Firma (Depois do metal a Terra, os cânticos guerreiros e a gaita-de-foles).
Univers Zero: Uzed (Os belgas discípulos dos Magma continuam a tarefa de dar um rosto solene à velha Europa).
When: Death in the Blue Lake (O líder dos Holy Toy inspira-se na obra do seu compatriota, o escritor Henrik Ibsen, agarra em samples do «Tristão e Isolda» de Wagner e constrói um disco estranhíssimo e grandioso).
e ainda: Heiner Goebbels & Heiner Muller: Der Mann im Fahrstuhl; Jazz Passengers: Deranged and Decomposed; Jocke Soderqvist: Perma Blue; Last Exit: Iron Path; Luciano Margorani: Home Recording is Killing Studios; John Surman: Private City; Peter Blegvad: Downtime; President: Bring Yr Camera; Uludag: Mau Mau; 5UU’s: Elements.

1989

Agnes Buen Garnas/Jan Garbarek: Rosensfole (A voz celestial de Agnes leva-nos direitinho ao Céu).
Barry Adamson: Moss Side Story (O ex-Magazine numa obra heterogénea em tons de negro e sangue).
Charles W. Vrtacek: When Heaven Comes to Town (O que Eno poderia ter feito mas não fez. O que Satie faria se fosse vivo e utilizasse um sampler em vez do piano).
David Byrne: Rei Momo (Onde se prova que as boas saladas devem levar salsa).
Edward Ka-Spel: Perhaps We’ll Only See a Thin Blue Line (Edward mais experimentalista do que nos Legendary).
Einstuerzende Neubauten: Haus der Luege (Os niilistas berlinenses mais virulentos do que nunca).
Fred Frith: The Top of his Head (Aproveito para dizer que, para mim, é Frith e não Zorn, o músico da década. Zorn é o segundo… Está feita a correcção).
Glenn Branca: Symphony N.º 6-Devil Choirs at the Gates of Heaven (Não sei quantas guitarras fazem a festa e o rugido do costume).
Hector Zazou: Géologies (música clássica erudita que Zazou é gente séria).
Invaders Of The Heart: Without Judgement (Oriente vs, Ocidente em guerra religiosa instigada por Jah Wobble).
Laurie Anderson: Strange Angels (Laurie Pop, a grande pecadora…).
Lounge Lizards: Voice of Chunk (O sax emblemático da Nova Iorque underground).
Michael Nyman: The Cook, The Thief, His Wife & Her Lover (De novo juntos, Nyman e Greenaway. Como sempre obcecados pela morte e desta vez também pela comida).
Philip Glass: 1000 Aeroplanes on the Roof (Ou mudava ele ou nós). Felizmente, mudou ele. Ou será que fomos nós?…).
Robert Merdzo: Darwin Waltzes (Da mesma escola que Branca).
Seigen Ono: Comme des Garçons, vols. 1 & 2 (Da New Age dos primeiros tempos passou para companhia de Frith, Zorn, Frisell, Lindsay, Lurie e por aí fora. Sim, os referidos tocam todos neste disco).
Stan Ridgway: Mosquitos (O melhor contador de histórias da América, a par de Tom Waits. Como este também das vozes mais originais).
Steve Tibbetts: Big Map Idea (o misticismo ECM por um dos melhores guitarristas da casa).
Worlds Of Love: The Worlds of Love (Depois de canções sobre o poder, David Garland regressa cantando o amor em todas as suas variantes. Apaixonado ou não, mantém-se tão excêntrico como nunca).

Delerium – Faces, Forms & Illusions, aqui.



Balanço Instável: A lista dos melhores discos da década de 1980 (parte 1 – 1980/84)

BLITZ

16.1.90
VALORES SELADOS

O BALANÇO INSTÁVEL

CABE-ME a mim, finalmente, fazer o balanço dos melhores discos da década (esta semana a lista dos quinze melhores dos anos de 1980 a 1984. A outra metade fica para a semana. Decerto repararão que desta lista constam muitos nomes estranhos e desconhecidos. A culpa não é minha. Procurem-nos e talvez cheguem à conclusão que nem sempre a melhor música é a mais badalada. Para não dizerem que invento, informo que todos os discos mencionados fazem parte de minha colecção particular. E agora podem começar a copiar e a lamentar o tempo perdido…

fm

1980

Alan Stivell: «Symphonie Celtique – Tir Na Nog» (Todas as músicas e tradições do mundo convergindo na Bretanha).
Cabaret Voltaire: «The Voice of America» (Quando ainda eram ameaçadores).
Captain Beefheart & His Magic Band: «Doc at the Radar Station» (o esquizofrénico genial de «Trout Mask Replica»).
Chrome: «Red Exposure» (Americanos precursores de tudo o que é industrial).
Flying Lizards: «The Flying Lizards» (David Cunningham e a vanguarda como grande paródia).
Fred Frith: «Gravity» (Frith é um universo inteiro à parte).
Harold Budd/Brian Eno: «Ambient 2 The Plateaux of Mirror» (o mundo cristalino).
Jon Hassell/Brian Eno: «Fourth World, Vol. 1 Possible Musics» (a selva electrónica).
Monochrome Set: «Strange Boutique» (dandies dos eternos 60s. Tommy, can you hear me ?)
Negativland: «Negativland» (a América do avesso pelos mestres da colagem).
Pere Ubu: «The Art of Walking» (o rock à beira do abismo, sem cair).
Peter Hammill: «A Black Box» (o último voo a grande altura de eterno romântico).
Talking Heads: «Remain in Light» (com Eno desta vez luxuriante).
Tuxedomoon: «Half-Mute» (os americanos mais europeus do mundo).
Univers Zero: «Ceux du Dehors» (a nova música de câmara europeia passa por estes belgas apreciadores de Lovercraft).

1981

Art Bears: «The World as it is Today» (Fred Frith, Chris Cutler e Dagmar Krause anunciando o fim do mundo).
Brian Eno/David Byrne: «My Life in the Bush of Ghosts» (sim, já se sabe, o primeiro a fazê-lo foi Holger Czukay, mas eles não se importam).
Carla Bley: «Social Studies» (a sociologia da fanfarra pela senhora sempre bem acompanhada).
Heaven 17: «Penthouse and Pavement» (os derradeiros estertores da Pop electrónica inteligente).
King Crimson: «Discipline» (Robert Fripp e as técnicas mágicas da J.G. Bennett).
Kraftwerk: «Computer World» (o melhor disco do séc. XXI).
Marc Hollander: «Onze Danses pour Combattre la Migraine» (o homem dos Aksak Maboul e o «Vaudeville» minimalista).
Meredith Monk : «Dolmen Music» (o nascimento da voz humana).
Nick Mason/Carla Bley: «Fictitious Sports» (Carla, outra vez, brincando ao Rock. Tomara este que houvesse mais brincadeiras assim. Mason é só um pretexto).
Penguin Cafe Orchestra: «Penguin Cafe Orchestra» (a caixinha de música onde cabe tudo).
Residents: «Mark of the Mole» (Os Beatles dos anos 80? Dos 90? Mas quem são eles afinal?)
Soft Cell: «Non-Stop Erotic Cabaret» (Desculpem lá, mas muito antes de Momus já Marc Almond estava a agitar todos os fantasmas).
This Heat: «Deceit» (o som do holocausto).
Tuxedomoon: «Desire» (Aqui já eram definitivamente europeus. Até perderam a pronúncia).
ZNR: «Barricades 3» (Satie por Zazou ou vice-versa?)

1982

Andy Summers/Robert Fripp: «I Advance Masked» (Frippertronics mais Police pelos mestres da guitarra).
Annette Peacock: «Sky-Skating» (a voz mais sensual em cetim aveludado).
D.A.F.: «Fur Immer» (Um, dois, esquerdo, direito).
Etron Fou Leloublan: «Les Poumons Gonflés» (Captain Beefheart + Henry Cow em tons parisienses).
Fad Gadget : «Under the Sky» (Frank Tovey é uma espécie de Matt Johnson, só que ainda mais doentio).
John Cale: «Music for a New Society» (a sociedade ainda não é suficientemente nova. Ainda bem).
Kate Bush: «The Dreaming» (deixem a menina sonhar).
Laurie Anderson: «Big Science» (deixem a senhora falar).
Michael Nyman: «The Draughtman’s Contract» (música das imagens do labirinto das imagens da música).
Monochrome Set: «Eligible Bachelors» (Ainda e sempre o chá das cinco).
Peter Gabriel: «Peter Gabriel IV» (é o quarto, é o melhor e não embirrem mais com o homem).
Residents: «The Tunes of Two Cities» (segunda parte da luta entre toupeiras e Hrtywxlks).
Snakefinger: «Manual of Errors» (costumava tocar guitarra com os senhores acima. Seria um novo Zappa se não tivesse entretanto morrido).
Soft Veredict: «Vergessen» (Wim Mertens antes de se tornar Merdens – obrigado Jorge).
Terry Riley: «Descending Moonshire Dervishes» (Riley antes de se tomar por profeta).

1983

Art Zoyd: «Les Espaces inquiets» (franceses. Música total. Só gravaram obras-primas).
Benjamin Lew/Steven Brown: «Douzième Journée: Le Verbe, la Parure, l’Amour» (precursores da Made to Measure. Nao sei porquê lembram-me Duras).
Einstuerzende Neubauten: «Zeischnungen des Patienten O.T.» (queriam destruir a música e quase o conseguiram).
Fred Frith: «Cheap at Half the Price» (outra vez, agora em canções Pop. O quê?)
Golden Palominos: «The Golden Palominos» (primeira grande conferência nova-iorquina. Estão lá todos: Fier, Lindsay, Laswell, Zorn. Frith também, claro).
Moebius, Plank, Neumeier: «Zero Set» (alemães, electrónicos e à procura de África).
Peter Blegvad: «The Naked Shakespeare» (o excêntrico dos Slapp Happy em canções ainda mais excêntricas).
Phantom Band: «Nowhere» (o percussionista Jaki Liebezeit continuando brilhantemente o espírito dos Can).
René Lussier: «Fin du Travail» (o Fred Frith canadiano).
Severed Heads: «Since the Accident» (os Throbbing Gristle australianos, mas com humor).
Tom Waits: «Swordfishtrombones» (a Lua na sarjeta).
Virginia Astley: «From Gardens where We Feel Secure» (Onde ficam esses jardins? Silêncio).
Wha Ha Ha: «Wha Ha Ha» (são japoneses. O Free-Jazz pode ser melodioso e dançável).
Yello: «You Gotta Say Yes to Another Excess» (Dieter Meier é suíço, gosta da Europa dos casinos e de computadores).
Zazou/Bikaye: «Noir et Blanc» (Europáfrica em ritmo de dança).

1984

After Dinner: «After Dinner» (mais japoneses. Música de bonecas e cristais).
Andre Duchenes: «Le Temps des Bombes» (as canções de Andre é que caem como bombas).
Brian Eno/Harold Budd: «The Pearl» (até onde é audível o silêncio?)
Débile Menthol: «Battre Champagne» (a boa velha música progressiva continua viva e de boa saúde).
Foetus: «Hole» (gritos. Sofrimento. Auto-Tortura).
Frank Zappa: «Them or Us» (sempre genial. Continua a fazer rir).
Hector Zazou: «Reivax au Bongo» (Zazou e Bikaye reincidentes, agora mais surrealistas).
Holger Czukay: «Der Osten ist Rot» (o homem dos Can que fez tudo antes de Brian Eno e pôs o papa a cantar Blues).
Holger Hiller: «Ein Bundel Faulnis in der Grube» (o mestre absoluto do sampler. Reinventou a música. Nao me voltem a falar nos De La Soul).
Mnemonists: «Horde» (o ruído da deformidade).
Officer!: «Ossification» (música medieval na óptica de um banco de malucos).
Pascal Comelade: «Détail Monochrome» (música ambiental no quarto dos brinquedos).
Penguin Cafe Orchestra: «Broadcasting from Home» (basta sintonizar).
R. Stevie Moore: «Everything You Always Wanted to Know About to Ask About R. Stevie Moore But Were Afraid to Ask» (Ufa! Tem gravadas mais de cem cassetes. Inclassificável. Como é possível ser Pop, experimentalista, doido varrido, sério, etc., etc., etc?)
Test Dept.: «Beating the Retreat» (Metal on metal).

Test Dept. – Beating The Retreat, a partir daqui



King Crimson – Na Corte Do Rei Carmesim

BLITZ

2.1.90
VALORES SELADOS

KING CRIMSON

NA CORTE DO REI CARMESIM

kc2

Ainda se cantavam a paz e o amor nos finais da década marcada pela geração hippie quando Robert Fripp e os seus pares entraram a matar, anunciando de forma violenta o advento do homem esquizóide do século XXI. Era de mais para a época. Os King Crimson ficavam definitivamente marcados com o estigma de grupo maldito. Fripp nunca se importou muito com isso. A sua guerra era outra.

Muito se escreveu e historiou já acerca desta banda, uma das mais marcantes e decisivas na definição das novas estéticas da década agora prestes a findar. Será pois talvez mais interessante procurar levantar um pouco o véu que cobre algumas das ocultas intenções do seu líder e mentor espiritual, Robert Fripp.
Logo no primeiro álbum eram já visíveis alguns indícios das principais preocupações e motivações do guitarrista e compositor do grupo. O rosto e o sinal da personagem desenhada na capa, os títulos sintomáticos de algumas das canções (entre as quais a já citada «21st Century Schizoid Man» e a que dava o nome ao disco: «In the court of the Crimson King») e as tonalidades majestosas e sombrias da música apontavam inequivocamente para uma personagem que era nem mais nem menos que o próprio diabo, padrinho e mestre de Fripp.
Peter Sinfield, letrista e encarregado de todo o aspecto gráfico e visual da banda, era o pólo oposto à negritude diabólica daquele. A tensão entre estas duas polaridades resultaria nalguns trabalhos fabulosos que viriam a constituir a fase inicial da banda. Depois do álbum de estreia, «In the Wake of Poseidon» e o deslumbrante «Lizard» (ambos de 70) marcam o apogeu desta fase de contornos classizantes e sinfónicos. No primeiro as tendências mefistofélicas do guitarrista, bem expressas em temas como «Pictures of a City» ou «The Devil’s Triangle», são contrabalançadas pelos dois poemas que abrem e fecham o disco, «Peace-A Beginnig» e «Peace-An Ending», da autoria de Peter Sinfield.
Mas seria com «Lizard» que os King Crimson atingiriam o ponto culminante da sua arte. A imprensa britânica, deslumbrada, comparava-os com os grandes autores da música clássica. O Rock (seria?) alcançava, com os Crimson e outras bandas importantes da então designada «Música Progressiva», o estatuto e as honras da maioridade e paridade em relação aos seus vizinhos eruditos.

kc3

«Lizard» é também o álbum mais «branco» de toda a sua discografia. Por uma vez o diabo ficava fora da jogada. Memorável o combate travado entre a guitarra demoníaca de Fripp e a voz celestial de Jon Anderson, convidado especial no tema épico que ocupa a totalidade do segundo lado. Do outro, a entrada grandiosa do Mellotron e do sax de Mel Collins (mais tarde nos Camel) em «Circus», as perturbantes sonoridades e alusões ao free-jazz de «Indoor Games», a subtil paródia aos Beatles em «Happy Family» e a balada de tons medievais que é «Lady of the Dancing Water». Produção impecável, arranjos esplendorosos e executantes excepcionais (que incluem como convidado o pianista de jazz, Keith Tippett) dão a esta obra o cunho da perfeição.
Em «Islands» (71) Fripp ultrapassa os limites, tornando-se como compositor de música clássica «a sério». O tom geral torna-se demasiado óbvio, com a inclusão da soprana de Ópera, Paulina Lucas e um prelúdio instrumental de música de câmara com Fripp tocando órgão de pedais.
«Earthbound», gravado ao vivo nos E.U.A., sofre de um som péssimo mas tem a vantagem de nos dar a perceber toda a energia que a banda desenvolvia em palco, com a guitarra de Fripp arrasando tudo e todos em torrentes eléctricas demenciais. A nova versão de «21st Century Schizoid Man» causa arrepios.
Os King Crimson fecham entretanto para balanço, Fripp viria a ressurgir mais alguns anos mais tarde, orientando definitivamente a sua música segundo as directivas do senhor das trevas. «Larks’ Tongues in Apic» (73), «Starless and Bible Black» (74) e «Red» (74) constituem a fase mais negra da banda. Entram e saem constantemente novos músicos, incapazes de suportarem a tensão acumulada e a tremenda energia exigida nas prestações ao vivo. Apenas Fripp se mantém inexorável, cumprindo escrupulosamente as ordens do chefe. «Red» tem momentos quase insustentáveis, com a guitarra eléctrica e a secção rítmica formada pelo baixo de John Wetton e a bateria de Bill Bruford sem darem um minuto de descanso, numa espécie de Heavy-Metal mais sofisticado. Com «Red» os King Crimson atingem novo ponto crítico e novamente é dado o toque a dispersar, não sem entes editarem mais um disco gravado ao vivo nos E.U.A., intitulado obviamente «U.S.A.».
Fripp confessa-se então à beira da loucura e retira-se para um mosteiro para receber os ensinamentos de J.G. Bennett, discípulo de Gurdjieff, cujas doutrinas esotéricas eram o suporte teórico ideal para os seus futuros projectos musicais.
Práticas mágicas e rituais, exercícios de auto-disciplina e a aprendizagem de novas técnicas (de guitarra e não só…) impelem o músico para uma atitude agora declaradamente luciferina. Domínio da dor, o sofrimento como forma de ascese ou a utilização fria e sistemática da inteligência em detrimento das emoções conduzirão a partir de agora toda a sua vida e obra.
O modo como Fripp toca a sua guitarra é exemplar desta nova atitude. A energia é agora perfeitamente canalizada e contida, jamais explodindo em clímaxes libertadores. Exercício tântrico. Toda a energia, sexual ou emocional, é contida e dirigida para os centros mentais superiores. Como consequência, o aumento de poder e de uma certa forma de lucidez e o crescente controlo que o músico vai progressivamente adquirindo, sobre si próprio e (mais subliminarmente) sobre os outros.
Grava entretanto, juntamente com Brian Eno, os álbuns «No Pussyfootin’» (74) e «Evening Star» (75), utilizando pela primeira vez a técnica das «Frippertronics». «Evening Star» é, ainda hoje, para quem o souber escutar e perceber, dos álbuns mais terríveis e diabólicos que alguma vez foram gravados. «Index of Metals» desvela-los implacavelmente a beleza gelada do mais terrível dos Infernos, os da inteligência que se auto-devora nos labirintos do seu próprio orgulho e desmesura. Fripp foi ainda um dos precursores das técnicas de inversão.
Não quero para já adiantar mais sobre este assunto. A electricidade e a música sempre foram bons condutores para a passagem de energia, seja ela positiva ou negativa. Magia, pois claro, neste caso melhor dizendo escuro, pois que de magia negra se trata. O trivial, nos tempos que correm, em algumas das correntes da música actual. Quanto ao resultado final de tudo isto só Deus o decidirá.
A trilogia final dos King Crimson, novamente reciclados para os anos oitenta, é constituída por mais três álbuns: «Discipline» (81), «Beat» (82) e «Three of a Perfect Pair» (84). Fripp é ultrapassado pela rapidez dos acontecimentos e pelos seus discípulos, nas artes diabólicas. Os citados álbuns são «apenas» bons, reunindo como sempre excelentes executantes, como Tony Levin ou Adrian Belew.
Hoje é um pacato cidadão casado com a senhora Toyah Wilcox e dá aulas regularmente na sua Winbourne natal.
Uma referência final para os álbuns a solo, exceptuando o primeiro, «Exposure», exercícios de estilo de «Frippertronics» apoiados em manifestos teóricos de tom apocalíptico e profético. Duas vozes dão vida e entusiasmo aos dois primeiros trabalhos: as de Peter Hammill em «Exposure» e de David Byrne em «God Save the Queen/Under Heavy Manners». Dos restantes que venha o diabo e escolha…

kc

In The Court of The Crimson King, aqui.