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Pink Floyd – “De Ambos Os Lados Da Lua” (artigo de opinião)

(público >> y >> pop/rock >> artigo de opinião)
28 Março 2003

O melhor ou o mais irritante álbum dos Pink Floyd, hoje, como há 30 anos, continua a dividir as opiniões.

de ambos os lados da lua



É a obra-prima dos Pink Floyd. Dizem uns. É uma desilusão, o álbum dos efeitos gratuitos, dizem outros. Poucos discos terão causado tanta discórdia no seio dos apreciadores do Rock Progressivo como esta “monstruosidade” de efeitos especiais e produção “over the top”, que ainda hoje divide as opiniões.
Eduardo Mota, 45 anos, professor, “melómano militante”, sócio fundador da Associação Cultural “Portugal Progressivo”, criador dos portais das bandas Amazing Blondel e Gryphon, e de outros como os de Maddy Prior e Van der Graaf Generator, e ainda o generalista Portugal Progressivo, e Álvaro Silveira, 38 anos, economista, “maluco por música, especialmente progressiva” estão de acordo que os Pink Floyd foram uma das bandas mais importantes do Progressivo. Mas, quando toca a “Dark Side of the Moon”, posicionam-se em lados contrários da barricada.
Álvaro chegou ao Progressivo quando já se agitavam as bandeiras negras do “punk”. “Quem iniciava a sua adolescência na segunda metade dos anos 70 tinha duas alternativas. Ou alinhava com o processo revolucionário em curso que chegava de Londres e pendurava alfinetes na roupa e na face, gritando ‘no future’, ou assumia a nostalgia de um passado imediato e embarcava no mundo do progressivo e do sinfónico.” Optou pela segunda hipótese, juntando-se a uma tertúlia de amigos para quem os Yes, os Led Zeppelin ou os Genesis representavam o “crème de la crème” do Progressivo. “Havia uma coisa que nos unia, o ‘The Dark Side of the Moon’. Era o disco que tinha mais audições. Individuais e coletivas. Só para ouvir ou também para dançar. Para confirmar um detalhe ou como evento conceptual. Com ou sem apoio de substâncias proibidas. Com namoradas ou sem elas. Em casa ou no liceu. Qual ‘The Lamb Lies Down on Broadway’, qual ‘Close to the Edge’, qual ‘Houses of the Holly’, ‘The Dark Side’ era o denominador comum.”
Já Eduardo Mota, dez anos mais velho, contextualiza de outra forma o seu contacto com o pomo da discórdia. “Chegado de véspera ao admirável universo sonoro do Rock Progressivo, num momento em que procurava consolidar os meus valores musicais, o disco dos Pink Floyd, para além de desiludir, veio confundir a seleção em curso. Para um lado ficavam Beatles, Stones, Deep Purple, Grand Funk, Black Sabbath e quejandos, os rejeitados. Para o outro, os fascinantes Gentle Giant, Van der Graaf Generator, Genesis, Yes, Tangerine Dream, Renaissance, Soft Machine, Caravan e os… Pink Floyd.” “Dark Side of the Moon”, contudo, provocou-lhe uma profunda deceção. Os Pink Floyd, que antes “surpreendiam com álbuns arrojados como ‘Atom Heart Mother’, ‘Meddle’ ou ‘Ummagumma’”, os mesmos “que meia dúzia de anos antes, em pleno psicadelismo, ousavam assinar ‘Astronomy Domine’, uma peça premonitória do próprio Progressivo”, eram agora os Pink Floyd que “não ousavam nada, apenas alindavam”. “Não aprofundavam, preferiam simplificar. Não surpreendiam, preocupavam-se em agradar. Não experimentavam, optavam por investir com retorno mais que garantido.” Eduardo não lhes perdoou. “Não comprei o disco. Nem desejei que alguém mo oferecesse numa ocasião festiva. Irritei-me até, sempre que o ouvia passar na telefonia, na discoteca, no intervalo de uma sessão cinematográfica, ou ao ser ‘tocado’ num baile provinciano pelo ‘jazz’ de serviço.”
Álvaro Silveira não poderia estar mais em desacordo: “Dark Side of the Moon”, na altura, “era o supra-sumo da música”. “Cada faixa tinha o seu detalhe que nos fazia delirar, permitindo que o classificássemos como algo que naquela idade nos parecia altamente de vanguarda. Eram os relógios de ‘Time’, a caixa registadora de ‘Money’, o riso louco de ‘Brain Damage’, o solo vocal de ‘The great gig in the sky’…”. Recorda ainda que “esses eram os tempos em que as danças se faziam ao som do ‘Money’ e os slows ao som de ‘The great gig in the sky’ (e de ‘Carpet crawl’ dos Genesis e ‘Child in time’ dos Deep Purple)”.
“Depois havia aquela capa com a luz a multiplicar-se nas cores do arco-íris e que era a embalagem perfeita do psicadelismo cósmico”, acrescenta. A mesma capa a que, quase 30 anos depois, nem mesmo Eduardo Mota conseguiu resistir, acabando por adquirir “um LP miniatura japonês que reproduzia fielmente a capa, ‘poster’ e autocolantes da edição original, tudo na escala reduzida de um CD”. “Um encantador objeto de coleção. Mais para guardar que para ouvir.”
Hoje, Álvaro Silveira, apesar de manter intacto o seu fascínio pelo disco, reflete de outro modo: “Há quem associe o ‘Dark Side…’ ao fim do período de ouro dos Pink Floyd. Penso que há um exagero. ‘Dark Side’ é o disco mais importante de toda a obra dos Pink Floyd, por inúmeras razões. É a síntese na modernidade dos vários caminhos experimentados na primeira metade da sua discografia. É o abrir para a nova sonoridade que irá estender-se pela grande produção que é ‘Wish you Were Here’. Em termos musicais foi a catarse da herança Syd Barrett e a passagem de testemunho a Roger Waters como o novo timoneiro. Sem ceder ao facilitismo comercial, trouxe os Pink Floyd para o grande palco universal. Ao fim de tantos anos continua a ser referência histórica e estética.” E personaliza: “’Dark Side of the Moon’ já me acompanhou nas descidas aceleradas das pistas de esqui da serra Nevada. Nas estradas poeirentas e desérticas de Marrocos. No calor das praias das Caraíbas. Nas tempestades tropicais africanas.” Porque, explica: “Dark Side of the Moon” é “uma das poucas obras que, ao fim de 30 anos, continuam a exigir uma meia dúzia anual de audições e que fazem parte da nossa lista de discos para levar para a tal ilha deserta.” Eduardo Mota encolhe os ombros. Afinal, será apenas o álbum que “ostenta o título de ‘o mais vendido de todo o Progressivo’”.

Pink Floyd – “O Monstro Que Saiu Dos Pink Floyd” (artigo de opinião)

(público >> y >> pop/rock >> artigo de opinião)
28 Março 2003

O lado escuro da Lua deixou de ser negro para passar a ser azul. “Dark Side of the Moon”, no original de 1973, e a presente reedição em Super Áudio CD, são como a noite e o dia. Um som perfeito para uma música que alguns teimam em não aceitar como tal. De que lado da Lua está a razão, afinal?


O monstro que saiu dos
PINK FLOYD



Se, no imaginário da música popular do último século, os Beatles foram condecorados com a insígnia mais nobre da pop e os Rolling Stones se assumem de bom grado como a mais perene das maldições rock, pertence aos Pink Floyd o estatuto de representantes oficiais de todas as outras músicas situadas no território indefinido onde as mais variadas tendências, cores, estilos e estratégias servem para, precisamente, retirar ao termo “música popular” o adjetivo “popular”. “Dark Side of the Moon”, editado pela primeira vez em 1973, tem suscitado desde sempre um sem-número de divergências, não sendo possível chegar-se a uma unanimidade quanto à sua dimensão e importância reais, quer no interior da discografia dos Floyd quer relativamente ao papel desempenhado por esta obra no desenvolvimento do rock progressivo dos anos 70.
A extrema exposição a que, logo nesse ano e até hoje, foi sujeito faz deste disco um objeto apetecível mas também uma presa fácil para os que têm o hábito de colecionar ódios de estimação. Como “Sgt. Pepper’s” dos Beatles, ”Dark Side of the Moon” começa por ser um triunfo da produção. Um disco fechado em si mesmo que parece existir suspenso num universo autónomo, quer em relação à fase anterior, psicadélica e “space rock”, do grupo, personificado pelos álbuns “The Piper at the Gates of Dawn” (ainda com Syd Barrett), “A Saucerful of Secrets”, “Ummagumma”, “Atom Heart Mother” e ”Meddle”, quer enquanto anúncio da fase mais pop que haveria de seguir-se com “Wish you Were Here”, “Animals” e “The Wall”. O impacte das canções esfuma-se perante a opulência dos efeitos — que vão do barulho de passos a um despertador, de uma caixa registadora a vozes perdidas –, a grandiloquência dos coros e solos de saxofone perigosamente colados à estética MOR (“middle of the road”).
Se a totalidade dos álbuns atrás referidos valem por uma música aberta que não se esgota nos meios de produção utilizados, “Dark Side of the Moon”, pelo contrário, soa como cristalização. O que para alguns é perfeição tem, para outros, a configuração da morte, mumificação de uma linguagem tornada autofágica, como a serpente que a si própria se completa e se devora. Claro que não é possível comparar as pequenas e iluminadas “comptines” alucinadas de Syd Barrett, como “Arnold Layne” ou “See Emily play”, ou navegações galácticas como “Set the controls for the heart of the sun”, com as melodias, tão exatas como redundantes, de “Dark Side of the Moon”. São naturezas diferentes e isso será o que mais chocará os admiradores dos Pink Floyd até ao aparecimento do “monstro”. O que, em contrapartida, levou a música do grupo a um outro tipo de auditores, mais vasto, e, como consequência, a ser abocanhada pela hidra do “mainstream”.

o mesmo e o outro. “Dark Side of the Moon”, apesar de poder orgulhar-se de ser um dos discos mais vendidos de todos os tempos (25 milhões de cópias, um número assombroso que não pára de crescer) e de ter permanecido durante uma década, sem interrupções, no Top da “Billboard”, continua, porém, a provocar tanto adesões entusiastas como a mais profunda das aversões. A verdade é que, ame-se ou odeie-se, não há ninguém que não tenha entranhadas nos ouvidos as melodias de canções como “Time”, “Money” ou “Us and them”, o que, temos que admitir, também contribuirá para que, de tempos a tempos, alguém sinta vontade de partir o disco em pedaços (as edições em vinilo) ou, no caso dos CD, o submeter a um banho de ácido sulfúrico concentrado.
Numa última tentativa de restituir ao dito cujo uma frescura que parecia definitivamente perdida, eis que a reedição em formato de Super Áudio CD “híbrido”, ou seja, passível de ser tocado tanto num leitor de CD específico como
num convencional, vem de novo recordar-nos que “Dark Side of the Moon” nunca esteve, afinal, longe de nós.
É o mesmo e outro disco, aquele que chega às bancas na próxima 2ª feira. A capa, apesar de levar a assinatura de Storm Thorgerson, o mesmo que, integrado no projeto Hipgnosis, desenhou a original, sofreu alterações de pormenor. O prisma que refrata a luz branca no espectro do arco-íris tornou-se mais branda, abandonando o negro do fundo. A noite tornou-se, mais do que penumbra, azul do dia, traindo a essência noturna que o próprio título do álbum contém. Mas o mais importante é que esta música, que pensávamos não ter já reservada qualquer surpresa para oferecer, soará agora como nunca soou antes, numa gloriosa submissão à audiofilia que finalmente justificará o esforço de produção posto na edição original de 1973. “Dark Side of the Moon” será, afinal, uma potência disponível até ao infinito, matéria de atualização dos permanentes avanços da tecnologia, um livro em branco através do qual sucessivas gerações encontrarão algo de feérico mas que pouco ou nada terá já a ver com o contexto histórico que esteve na sua origem. Mas talvez faça sentido: “Dark Side of the Moon” nunca teve verdadeiras sombras.

Sparks – “O Sentido Da Vida, Segundo Os Sparks” (crítica de concerto no CCB)

(público >> cultura >> pop/rock >> concertos)
28 Março 2003


O sentido da vida, segundo os Sparks

Sparks
LISBOA Grande Auditório CCB
26 de Março, 21h
Sala praticamente cheia

“Lil’ Beethoven”, uma mini-ópera gelada que desmonta os lugares-comuns da sociedade e do “show business” contemporâneo, foi apresentado anteontem no Grande Auditório do Centro Cultural de Belém, em Lisboa, para uma plateia praticamente cheia e deslumbrada pela estranheza do novo álbum dos Sparks. Montra de manequins e projeções de vídeo, habitado por estranhos personagens como o pianista de braços ridiculamente longos que Ron Mael protagonizou em “How Do I Get to Carnegie Hall?”, numa referência inicial ao universo dos Monty Python (houve quem descortinasse Samuel Beckett neste teatro do absurdo), citada de “The Meaning of Life”. “Lil’Beethoven” pode ser visto, aliás, como uma outra leitura, tão retorcida e não menos cáustica do que a do mítico grupo cómico inglês, do sentido da vida. Ron Mael, embora já sem o bigode à Hitler que o popularizou nos anos 70 e 80, continua a ter o ar de empregado de escritório engravatado que está ali por engano mas que em “Ugly Boys with Beautiful Girls” passeou pelo palco, com ar imbecil, de braço dado com uma morena escultural.
Musicalmente esta primeira parte seguiu à risca o alinhamento de “Lil’ Beethoven”, com utilização de sons pré-gravados e a presença adicional de uma baterista e de Dean Menta, ex-Faith No More, na guitarra. “My Baby’s Taking Me Home”, um dos temas melodicamente viciantes do álbum, com Russell a repetir a mesma frase até à exaustão e Ron a recitar um “poema” indescritível sem desmanchar o ar de autista compenetrado, deixou o público num estado intermédio entre o choque e o deslumbramento.
Numa segunda parte preenchida com temas de álbuns como “Indiscreet” e “Propaganda”, os Sparks entraram na onda de parolice “electro” que voltou a estar em voga. O conceptualismo de “Lil’ Beethoven” deu lugar ao exagero assumidamente gratuito e a tiques que foram dos Yello aos Soft Cell, passando pelos Simple Minds e Pet Shop Boys. Russell não resistiu a fazer de “bicha” louca, mas mesmo no meio deste serão pela Feira Popular coube uma vez mais ao irmão Ron o papel de rei das farturas, no momento mais genial e hilariante da noite. Foi assim, embora as palavras descrevam mal o absurdo da situação: Russell apresenta o irmão como principal artífice do conceito Sparks. A música
pára, as luzes apagam-se deixando apenas um holofote apontado à figura solitária de Ron Mael. Este aproxima-se timidamente da boca de cena e, após alguns segundos de hesitação, olhando o vazio com expressão esgazeada, desata a fazer um desengonçado sapateado. Muitos dos espetadores no CCB ter-se-ão nesse instante recordado de um dos momentos mais cómicos da história da Humanidade, aquele em que John Cleese faz o seu número de “passos disparatados” noutro “sketch” dos Monty Python.
No final, com “encore”, o público aplaudiu de pé, rendendo-se à desfaçatez com que os Sparks, ao fim de 30 anos, continuam a ridicularizar os lugares-comuns da música pop.