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Banda do Casaco – “No Jardim Da Celeste” + “Também Eu” + “Banda Do Casaco Com Ti Chitas”

pop rock >> quarta-feira, 08.12.1993


O AVESSO DO CASACO

BANDA DO CASACO
No Jardim Da Celeste (6) / Também Eu (5) / EMI-VC
Banda Do Casaco Com Ti Chitas (5) / Companhia Nacional de Música, distri. MVM




Brada-se aos céus em louvor quase religioso ao papel redentor, e também um pouco de mártir, que a Banda do Casaco (alguém disse Filarmónica Fraude?) desempenhou na história, sempre pequenina e feita de singelas glórias, da música moderna portuguesa (MMP). Esse papel teve-o sem dúvida a Banda, na visualização de um conceito original sobre uma música ao mesmo tempo urbana e eléctrica mas enraizada na tradição popular. A Banda do Casaco terá acertado na “mouche”, mas apenas durante alguns momentos de fulgor que permitiram vislumbrar a tal música redentora. Nuno Rodrigues e António Pinho, os dois hemisférios do cérebro do Casaco, sempre funcionaram por contraste e segundo uma estratégia de conflito, daí resultando a originalidade da música da Banda, mas também a sua fraqueza.
Explicando melhor: à visão de Rodrigues, cimentada nas músicas ditas da tradição celta e do progressivismo inteligente que nos anos 70, para o melhor e para o pior, iam dando ao rock um cunho erudito, contrapunha-se a veia satírica e desestruturadora de Pinho, materializada nas letras das canções e na pose anarquista do grupo, mal aceite na época e agora acolhida pela gente de bem. Dessa estranha aliança, que contou sempre, é preciso dizê-lo, com excelentes intérpretes – de Carlos Zíngaro e Celso Carvalho (que pena ter passado ao lado de uma grande carreira!) às vozes femininas de Né Ladeiras e Concha -, resultaram em cheio “Coisas do Arco da Velha”, este de facto um marco da MMP (e momento de glória para Cândida Branca Flor…), e bastante bem, “Hoje Há Conquilhas, Amanhã não Sabemos” e “Contos da Barbearia”, aqueles onde as virtudes fizeram esquecer os defeitos e os três que falta ainda reeditar. Uma das consequências de se encetar a saga das reedições pelo fim, primeiro a EMI-VC, depois o próprio Nuno Rodrigues para a Companhia Nacional de Música, em “Ti Chitas”, foi a exposição prévia dos pontos fracos da banda, a saber, um desequilíbrio, amiúde revelado, entre as intenções e os resultados, visível nos arranjos e no trabalho de produção, por vezes infeliz, em falhas de dinâmica, deslizes do bom-gosto e uma certa desorientação onde alguns viram experimentalismo e a ousadia de novas soluções: em “No Jardim da Celeste”, “Também Eu” e “Ti Chitas” sãopoucos os momentos realmente de excepção, e razoavelmente abundantes os de puro tédio instrumental e falta de criatividade. No jardim florescem viçosas “Argila de luz” e “Ai se a Luzia”. “Natação obrigatória”, que todos citam, é sobretudo divertido. Pior é o violino, misturado de forma, vamos lá, incómoda e por vezes despropositada, como no solo final de “Estranha Força”, ou os tiques vocais, pretensamente vanguardistas, de “Lliliana Nibelunga”. Um problema de forma que a Banda do Casaco nunca conseguiu resolver a contento mas que soube encobrir de modo mais do que satisfatório enquanto a criatividade de Rodrigues e Pinho transbordava. “Também Eu”, já sem o letrista, navega ao sabor dos efeitos de estúdio, esperando pelo farol de uma boa canção. Nuno Rodrigues, só, perdido na sua visão, refugia-se nas brincadeiras do sintetizador e no nome de Jerry Marotta. “Salvé Maravilha” é o único feixe luminoso numa longa noite de águas paradas. O último golpe de rins, antes do olvido, foi tentado através da aproximação à música tradicional, com a chamada (muito antes de Rui Reininho ter trazido Isabel Silvestre para os GNR…) de Catarina Chitas, Ti Chitas, pastora, cantora e tocadora de adufe que vale a pena conhecer e amar no álbum “Cantares de Penha Garcia”, uma das obras fundamentais e de maior beleza da música étnica portuguesa.
Mas o vício da pop, então já ampapada no excesso de maquilhagem, impediu que resultasse em cheio aquela que poderia ter sido uma experiência ímpar, mas que deste modo se perdeu numa, mais do que síntese, colagem de duas sensibilidades nessa altura já em definitivo apartadas.
Neste “Matar saudades” – tema novo aqui incluído, escrito por Rodrigues, Celso de Carvalho e António Emiliano – do passado, é difícil escutar sem uma certa desilusão a voz de Chitas tacteando uma “Consolação” em busca de âncora, no meio das vagas da modernidade. Ao contrário da pureza de “Nossa Sinhora d’Azenha”. Mas talvez tenha sido esse afinal o destino desde sempre escolhido pela Banda. O de caminhar à beira do abismo. Mostrado o avesso do casaco, resta aguardar pela elegância do corte inicial.

Vitorino – “As Mais Bonitas”

pop rock >> quarta-feira, 08.12.1993


Vitorino
As Mais Bonitas
EMI-VC



Sejam ou não as mais bonitas canções de Vitorino, a memória e o coração aceitam de bom grado a escolha do cantor. O começo é antigo e novo em simultâneo: uma versão, a quarta, já deste ano, do clássico “Menina estás à janela”, um original do álbum de estreia “Semear Salsa ao Reguinho”. Mesmo à quarta, continua bonita. “Ó rama ó que linda rama”, produzido por Vitorino para um álbum de Teresa Silva Carvalho, e “Laurinda”, do álbum “Romances”, ficaram igualmente com arranjos de 1993. Seguem-se mais 18 canções, retiradas dos álbuns “Flor de la Mar”, “Leitaria Garrett”, “Sul”, “Negro Fado”, “Lua Extravagante” (com a banda com este nome) e “Eu que Me Comovo por Tudo e por Nada”, além do maxi “Joana Rosa”.
Em todas elas a mesma elegância, o rigor e o pendor classicista que Vitorino tem vindo a aparar ao longo dos anos, entre a vastidão da planície e noite alentejanas e as vivências urbanas numa Lisboa do princípio do século que o cantor canta como se fosse a sua dama. Não vale a pena mencionar outros nomes de canções. São “as mais bonitas” e é quanto basta. (8)

Júlio Pereira – “Cavaquinho”

pop rock >> quarta-feira, 08.12.1993


Júlio Pereira
Cavaquinho
Companhia Nacional de Música, distri. MVM



Regressa com capa amputada o clássico da guitarra em miniatura que empurrou para debaixo dos projectores o nome de Júlio Pereira. “Cavaquinho”, entre outras virtudes, é o responsável pela recuperação, para a música popular contemporânea, do som e personalidade de um instrumento feito à dimensão dos portugueses, acrescentando-lhe uma linguagem inovadora e o tecnicismo aprendido e desenvolvido com os mestres minhotos (poderemos chamar-lhes, sem ofensa, cavaquistas?) Bernardo Silva e Domingos Machado. Isso foi bom e devemo-lo a Júlio Pereira.
Por outro lado, é igualmente o disco responsável por, a partir dele, todos os grupos de música de raiz tradicional portuguesa passarem a utilizar um cavaquinho, até por ser um instrumento maneirinho e, lá no juízo deles, fácil de tocar. O que teve como resultado já não haver paciência para ouvir um cavaquinho (o próprio Júlio o compreendeu, passando rapidamente para a braguesa…). Também, graças ao arranjo, aqui incluído, de um “Catar galego” (ouve-se sempre em todos os comícios e festas do PCP ou nas feiras de ecologia), nunca soara tão amaricado o som de uma gaita galega. Consequência de um estilo de produção asséptica, que fez escola, cá e na Galiza. Isso foi mau e devemo-lo a Júlio Pereira.
Mas devemos louvá-lo por nunca ter voltado as costas à experimentação – nem sempre, é certo, com os melhores resultados, como aconteceu nos discos recentes, que se diria terem sido feitos em laboratório – e reconhecê-lo como um dos maiores intérpretes de instrumentos de cordas do nosso país. Que, ainda por cima, se afdisposto a, ao que parece, num futuro próximo, dar rédea menos larga ao computador, no que a sua música só terá a ganhar.
“Cavaquinho”, se ignorarmos os temíveis entretantos, soa hoje tão fresco como em 1981 e recomenda-se como uma entrada convidativa e bem decorada para quantos ainda permanecem do lado de fora da música tradicional portuguesa e querem entrar. (6)