Arquivo mensal: Outubro 2022

Fernando Magalhães no “Fórum Sons” – Intervenção #106 – “White Noise An Electric Storm (FM)”

#106 – “White Noise An Electric Storm (FM)”

Fernando Magalhães
10.05.2002 170500
WHITE NOISE: An Electric Storm (1969)

Trata-se, nunca é demais repeti-lo, do disco pioneiro (embora absolutamente irrepetível e avesso a recuperações…), mais mórbido, divertido, perturbante e fantasmagórico de toda a pop eletrónica.

O tema “The visitation” é uma coise simultaneamente sublime, sensual e medonha (o fantasma de um namorado acabado de morrer por atropelamento que tenta desesperadamente contactar com a sua apaixonada: sons repetidos de um carro que derrapa, suspiros, gritos, ecos, uma voz do além-túmulo segredando promessas de amor eterno, ela à espera para sempre, tudo isto servido por uma melodia do outro mundo e efeitos eletrónicos de cortar a respiração!).

Há ainda uma “Missa negra no inferno” (orgia de percussões e eletrónica, com a presença do improvisador inglês Paul Lytton), pop eletrónica viciante (“Firebird” – “fly me, fly high…psicadelismo astral, único!), erotismo e orgasmos sintetizados e uma sequência/colagem hilariante (“Here come the fleas”).

Quem tem, que se acuse! 🙂

FM

Vários – “É Preciso Violentar O Sistema” (artigo de opinião | blitz | valores selados)

BLITZ 20 FEVEREIRO 1990 >> Valores Selados

O universo do Rock tem as suas mitologias bem demarcadas. Ao longo de quase 40 anos a indústria soube sempre absorver as inovações e a rebeldia pretensamente típicas do género, retendo apenas a sua imagem superficial, integrando-a e faturando à sua conta. Em Portugal somos mais aconchegados. Poucos arriscam sair dos círculos de amigalhaços. Rocker português sofre? Felizmente ainda há quem vá fazendo por isso…


«É PRECISO VIOLENTAR O SISTEMA»

A galeria de mitos fabricada pelo business, desde Presley até Ian Curtis dos Joy Division, passando por Hendrix, Jim Morrison ou Janis Joplin, tem como características comuns a morte e o excesso. O herói rocker é inseparável da sua condição de mártir. A fama, o dinheiro e o sucesso tornam-se demasiado pesados para serem suportados. O ego das estrelas é sempre extremamente frágil e complexo. No fundo são pessoas como nós só que mais sensíveis e vulneráveis.
Vão-se abaixo facilmente, afundados em terríveis dilemas existenciais. O seu estatuto de stars torna-se penoso. O sucesso é insuportável, a sua ausência também. O medo do palco transforma-se, com a experiência dos anos, em pânico. O talento passa a funcionar unicamente ao toque do álcool e das drogas.
A imagem pública sobrepõe-se à verdadeira personalidade. Tudo é agonia e sofrimento.
A indústria sofre em silêncio com a dor dos seus meninos de ouro e também em comovido silêncio vai fornecendo a farmacologia necessária e esfregando as mãos de contentamento. É um ciclo vicioso que desemboca na morte ou no abandono.
No nosso país de pequeninos são poucos os músicos que alcançaram o estatuto de mitos/mártires incompreendidos. O guitarrista Filipe Mendes, o Jimi Hendrix português, e mais recentemente António Variações são os dois únicos exemplos conhecidos. O primeiro nunca alcançou a merecida glória, o segundo passou de quase desprezado em vida para referência obrigatória para a nova geração de rockers, depois de morto. É triste, mas a coisa funciona mesmo assim.
Os nossos músicos não se arriscam muito. Morrer sim, talvez, mas muito devagarinho e de preferência só depois dos 90. Em vez de se afogarem em quantidades inimagináveis de substâncias proibidas caminhando rapidamente para a autodestruição, preferem ser empregados de escritório, bancários ou técnicos e computadores.
A máxima punk de que se é velho aos vinte anos não lhes diz nada. Em vez de se divertirem à grande em orgias com groupies apetitosas, casam e constituem família. Em vez de provocarem distúrbios na rua ou nos hotéis, serem presos por posse de droga ou destruírem em palco material do mais caro, preferem trabalhar e ser úteis à sociedade. Então essa rebeldia e espírito de transgressão? Que é feito da insolência e da provocação gratuita? Ou será que os nossos rockers são todos quarentões de barriguinha e bem instalados na vida?
Aos fins-de-semana, os nossos músicos rock tiram a máscara de cidadãos normais e cumpridores e trocam-na pela de estrelas do rock and roll. Mas porquê só aos fins-de-semana? Todos sabemos que o País fervilha de salas e de gente ávidas do bom velho compasso de 4/4. Não precisavam de se esconder por detrás de balcões de banco ou de escritório. Ou será que os nossos jovens rebeldes encontraram novas e mais subtis formas de subversão e contestação social? À fúria das guitarras elétricas, das calças justas e das letras intervencionistas, estilo «é preciso violentar o sistema», terão achado mais eficaz o desvio voluntário de um processo lançado nos labirintos de um arquivo ou a introdução de um vírus no computador? Não há dúvida que os tempos são outros?
Não se conhecem muitos casos apaixonantes ocorridos com músicos portugueses. Há o Jorge Palma que tocava no Metro, o António Manuel Ribeiro que levou com a casca de noz no olho e se casou, ou uma ou outra queda do palco. É pouco. A maior parte da vida do músico é passada a protestar: contra a falta de condições e de organização dos espetáculos ao vivo, o preço dos instrumentos musicais, a falta de um lugar para ensaiar sem incomodar os ouvidos dos vizinhos, a ausência de salas e de interesse das editoras. Uma vida de cão.
Os nossos músicos de rock dividem-se em três grupos distintos: o primeiro é o dos consagrados que subiram a pulso a escada do sucesso. É o caso dos UHF, GNR, Heróis do Mar ou dos Xutos e Pontapés. Ao fim de 10 anos de esforços e cedências conseguiram obter discos de prata e ouro, com vendas astronómicas na casa dos dois e três mil exemplares. Vão à televisão e enchem os arraiais de província. Ao fim de mais 10 anos arriscam o Coliseu. E ao fim de outros 10 começam a considerar a hipótese de abandonar os empregos seguros. Passam a vida à procura de projeção no estrangeiro e a afirmarem que «desta vez é que é», «o empresário interessa-se mesmo pela nossa música» e «estão reunidas as condições necessárias». O melhor que conseguem é ir tocar a Espanha, vá lá, com sorte, a França, perante emigrantes. No regresso contam que a Europa os adorou.
O segundo grupo é o dos desgraçados tesos, sem dinheiro sequer para comprarem os instrumentos. Procuram furar a todo o custo mas raramente o conseguem. Afirmam-se todos independentes e marginais mas à primeira oportunidade assinam por uma multinacional. A maioria não chega a gravar qualquer disco e mesmo esse vende-se pouco. Incluem-se neste grupo os incontáveis concorrentes aos concursos do Rock Rendez-Vous ou a massa amorfa das bandas de bailarico. Não cito nomes para não desmoralizar. Além de que a vida não é só música.
Por fim há os queridos da crítica, uns realmente bons outros nem tanto, que ou por terem verdadeiro talento ou boas amizades nos meios certos adquirem uma aura de prestígio e qualidade. Têm mais fama que proveito. É o caso dos realmente talentosos Mler Ife Dada, Sétima Legião, Madredeus, ou Nuno Canavarro, entre outros apenas preocupados com a qualidade da música que praticam. Tocam poucas vezes ao vivo mas não se ralam muito. Gravam bons discos mas as massas persistem em ignorá-los. São teimosos e ingénuos e pensam que a qualidade, a sinceridade e a honestidade de processos bastam para a obtenção de sucesso. Não bastam. Mas ainda bem que persistem na sua ingenuidade e teimosia.
O melhor do «rock português» não é rock. Às vezes é português…

Fernando Magalhães no “Fórum Sons” – Intervenção #105 – “Sacana da Meira Asher! (FM)”

#105 – “Sacana da Meira Asher! (FM)”

Fernando Magalhães
07.05.2002 150323
Ouvi ontem o “Infantry”.
Se já não andava muito bem disposto, fiquei pior.

A sacana da israelita tem o condão de pegar nos temas mais incómodos e deprimentes e atirá-los à nossa cara.

Em “Infantry” o tema é o abuso de menores, nas suas várias vertentes. As letras são, em certos casos, aterradoras (descrições minuciosas de torturas, a morte que aniquila em instantes uma criança que atravessa uma rua num dia de sol e é baleada na cabeça).

Musicalmente, o álbum funciona num registo diferente (como o César já aqui fez notar) de “Spears into Hooks”, mas o resultado talvez ainda seja mais perturbador. É eletrónica pegajosa, programações de máquinas com maus instintos e sobre este lancinante mundo sem alma, a voz de Meira a declamar/cuspir/vomitar palavras onde a dor e a crueldade são uma constante.

É um daqueles álbuns que se odeia, porque nos obriga a confrontar com o lado mais negro e miserável da condição humana.

Não lhe atribuo qualquer classificação, por enquanto. Ainda não me consegui distanciar.

Quanto ao novo dos Chicago Underground Duo, está, de facto, na linha do anterior “Synesthesia”: Jazz-jazz, jazz digital, vibrafones ambientais, interlúdios eletrónicos, solos de R. mazurek na “cornet” (cujo som é um bocado mais irritante que o do trompete…). Bom, por vezes muito bom, sem ser brilhante.

Sobre as japonesas BUFFALO DAUGHTER…bem…aquilo é uma salada que às vezes atrai outras nos deixa sem saber o que pensar. Há um pouco de tudo em “I”: Jazz third stream, Anna Homler, Astrud Gilberto, After Dinner, eletrónica a la Laurie Anderson com o toque de elegância japonesa, pop semi-psicadélica…
O todo fez-me lembrar frequentemente os…DONNA REGINA.

FM