Arquivo mensal: Agosto 2023

Van Morrison – “Van Morrison Em Portugal, Com Datas A Confirmar – Sem Guru, Sem Método, Sem Mestre”

cultura >> sábado, 16.01.1993


Van Morrison Em Portugal, Com Datas A Confirmar
Sem Guru, Sem Método, Sem Mestre


Desta vez é a sério. Van Morrison, cantor irlandês de voz como a dos negros – diz-se sempre isto quando se ecreve sobre ele -, tem concertos agendados para Lisboa e Porto, respectivamente a 19 e 20 de Fevereiro, datas prováveis em salas a designar. Noites de “Gloria” anunciada.



Muitos chamam “génio” a este cantor-autor veterano a quem se deve a invenção da “celtic soul” – música de raiz celta interpretada com a mesma paixão com que os negros se entregam a todas as notas que nascem dos “blues”. É oq eu se poderá verificar nos concertos portugueses que a R & B organiza, gorados que foram os espectáculos do cantor anunciados há dois anos na capital.
Comparam Van Morrison a Dylan, pela importância que sempre concedeu às palavras, pelo peso de uma obra marcada por um cunho pessoalíssimo iniciada nos primórdios dos anos 60 com os Them. Dylan escreveu “Blowin’ in the wind”, em 63, Morrison assinou “Blowin’ your mind”, quatro anos mais tarde. É uma diferença importante, que se expressa nestas duas maneiras de soprar. Enquanto o americano se fez porta-voz dos ideais de toda uma geração (o que não deixa de ser curioso em alguém cuja voz tendia e tende a desafinar…), o irlandês preferiu o caminho da introspecção, da luta e da descoberta interior, como formas de dizer aos outros a utopia. Um anarquista.
Nos Them, o grupo que projectou o seu nome na cena pop internacional, Van Morrison foi responsável por um dos hinos psicadélicos dos anos 60, “Gloria”, que viria a ser recuperado ao longo das décadas seguintes em várias versões, das quais se destaca a de Patti Smith incluída no álbum estreia de 1976, “Horses”. A insatisfação com a editora, a par da necessidade de controlo absoluto sobre o seu trabalho, levaram-no a pôr fim a este projecto, em 1966, para se dedicar a uma carreira a solo.

Entre Dois Mundos

Só consigo mesmo desenvolveu um estilo, no qual procurou juntar tradições distintas – os “blues”, que aprendeu a sentir com Leadbelly, e a música irlandesa. Equilíbrio difícil de manter, entre a negritude que lhe escorria pela voz e o verde esmeraldino da ilha encantada. Entre estes dois mundos nasceram as canções. Entre a urgência de pregar ao mundo a mensagem evangélica (sim, Van Morrison desde cedo evidenciou uma costela religiosa, patente na maior parte dos seus álbuns) e o recolhimento.
“Astral Weeks”, de 1968, é considerada a sua primeira obra-prima. Semanas de viagem pelo plano astral que demoraram em estúdio somente dois dias a gravar. Álbum de assombramentos místicos, de enigmas e contradições que o tempo tem vindo a desvelar.
Depois, já no plano material, seguiram-se os passos, que não os do calvário, que o conduziram à fama. Quer dizer, À colaboração com Georgie Fame, outro cantor negro por dentro e branco por fora. Entre os pecados deste irlandês natural de Belfast (convém aqui notar o facto de os irlandeses conseguirem conciliar o cristianismo com um lado mais belicoso, chamemos-lhe assim. Em que outro país, senão na Irlanda, TODA a Irlanda, se pode ser ao mesmo tempo anarquista e cristão, e ver padres de metralhadora em punho?) contam-se um duo com Cliff Richard (em “Whenever God shines his light”) e ter deixado Tom Jones ruminar quatro canções suas num disco em que também este canastrão deixou vir ao de cima a transcendência.

O Diálogo Com Deus

Os álbuns imensos, resgataram-no. Uns mais do que outros, é verdade. Sobretudo “Moondance”, “St. Dominic’s Preview”, onde bebe na mesma fonte de “Astral Weeks” e se aproxima ainda mais do céu, “Beautiful Vision”, “No Guru, No Method, No Teacher” e “Irish Heartbeat” – este último na companhia dos Chieftains, banda emblemática da música tradicional da Irlanda – aqueles em que explorou mais fundo o filão celta.
Consumada a consagração pública na actuação ao vivo, no estádio de Wembley, em 1984, ao lado de Dylan, Van Morrison passou a preocupar-se quase em exclusivo com o diálogo com Deus. Não espanta, deste modo, a sua inflexão nas sonoridades “gospel” que ocupam lugar privilegiado no álbum de 91, “Hymns to the Silence”. Van Morrison decidiu subir. “Sem guru, nem método, nem professores”, como ele próprio disse. Quem quiser e puder que o acompanhe.

Yello – “Essential Yello” (vídeo | VHS)

pop rock >> quarta-feira, 13.01.1993
Vídeos


BARRACA BARROCA

YELLO
Essential Yello
62’52”, Polygram Vídeo, distri Polygram



Correspondente em imagem ao disco e CD do mesmo nome reunindo alguns dos maiores êxitos da banda suiça de electropop, tendência dadaísta. Boris Blank, bigode, ar de engatatão latino, e Dieter Meier, bigode, “dandy” quarentão alisado a brilhantina, privilegiam o humor em detrimento da seriedade. Gostam de dar barraca. Faixa a faixa, encenam pequenas peças de absurdo, iluminadas a cores primárias – amarelo, verde, azul e vermelho -, servindo-se sobretudo do jogo histriónico e da gestualização levada ao ridículo. Requebros de galinha, esgares mirabolantes, poses “macho” e de matador compõem uma comédia em que as personagens secundárias (invariavelmente, uma “partenaire” com ar de escriturária à moda antiga que faz de mulher fatal e é cortejada de todas as formas e feitios e uma miúda novinha no papel de anjinho “kitsch”, cheia de sedas e auréolas) acentuam ainda mais o lado cómico e descabelado da acção.
Há corridas de automóvel com a menina Henriqueta (chamemos assim à senhora de óculos que parece sempre ter acabado de despir a bata), que é mais rápida que os bólides, Boris a fazer olhinhos de carneiro mal morto à menina Henriqueta que se vestiu de adolescente e se enfiou num descapotável “sixties”, Dieter a morrer de amores (pela menina Henriqueta?) e solidão num parque de diversões, caçadas numa selva de plástico, serenatas a manequins como o de “In every dreamhome a heartache”, de Bryan Ferry, e máquinas de “flippers” animadas. Ou seja, é quase sempre a brincar e em ritmos fortes, visto que a maioria dos temas, os mesmos dos formatos áudio (com excepção de “Driver/driver”, que no vídeo foi substituído por “Who’s Gone?”), são os mais comerciais e os escolhidos para a edição em single. Tudo num registo barroco recortado a papelão com forro dourado.
Duas canções escapam à tónica dominante: “Bostich”, um exercício de estética industrial criado na época em que os Yello rivalizavam em estranheza com os Residents, na editora Ralph, e “The rhythm divine”, na qual os dois suiços se rendem à voz de Shirley Bassey, deixando a câmara ocupar-se com ela, pondo por uma vez de lado a folia.
O único senão de “Essential Yello” é a insistência numa única fórmula. A concepção estética dos diversos clips é idêntica. As caretas, à medida que se avança através dos 16 temas, vão perdendo a graça, a iluminação, de chocante, passa a embirrante. Por fim, até a batida “disco” e as vozes de fantoche típicas dos Yello acabam por tornar-se maçadoras. Sabe-se como as imagens podem ser redutoras da mensagem musical, banalizando-a e tornando explícito o que vivia da sugestão. “Essential Yello” sofre deste mal. Salvam-se as coreografias patuscas e as expressões de virgem louca da menina Henriqueta. (6)

Robin Holcomb – “Rockabye”

pop rock >> quarta-feira, 13.01.1993


Robin Holcomb
Rockabye
CD Elektra, import. Contraverso



Poucos repararam nela quando saiu o seu primeiro álbum homónimo. É tempo de remediar a distracção. Robin Holcomb faz já parte da primeira divisão das grandes vocalistas da América do Norte. E das grandes compositoras, acrescente-se. Tem uma vantagem sobre a concorrência: é diferente. Diferença que se inclina para o lado da estranheza, o que em parte explicará o facto de não ter sido até agora divulgada a uma escala alargada. Ao contrário, por exemplo, de Suzanne Veja, cujas canções do novo “99,9ºF” se deixam apreender e seduzem logo à primeira audição, a música desta autora, casada com Wayne Horviz (expoente da electrónica “downtown” nova-iorquina), exige atenção e audições repetidas até revelar os seus segredos mais íntimos. Música de inflexões vocais subtis, de oscilações subliminais, de arranjos que jamais se acomodam à facilidade. Tão ou mais estranho que a voz de Holcomb é o modo como a intérprete faz cantar o piano, em círculos de cristal em tom menor que conduzem as palavras até regiões inexploradas. “Singer songwriter” é um termo que em Robin Holcomb (algures entre a criança e Buffy St. Marie) significa busca incessante de novos horizontes e acentuações musicais. Que vão do esboço em arabesco de “big band” etilizada de “Dixie” à incursão na “country” de “The goodnight-loving train”, extremos discordantes num álbum já de si apontado em múltiplas direcções.
Atenção aos músicos participantes: Stew Cutler, Doug Weiselman, Mino Cenelu, Guy Klucevsek, Bill Frissell, além do próprio Wayne Horvitz, com excepção de Minelu (Gong, Weather Report), nomes sonantes da citada “downtown”. (7)