Arquivo mensal: Dezembro 2016

Kluster – “Klopfzeichen” + Kluster – “Zwei – Osterei” + Moebius, Neumaier, Engler – “Other Places”

Pop Rock

26 Março 1997

Metal Machine Music

KLUSTER
Klopfzeichen (7)
Zwei – Osterei (7)
Moebius, Neumaier, Engler
Other Places (8)
Hypnotic, distri. Symbiose


kluster

Quatro anos antes de Lou Reed fundir a sua “Metal Machine Music”, o trio alemão constituído por Dieter Moebius, Hans-Joachim Roedelius e Conrad Schnitzler, então com a designação Kluster, apresentava a sua siderurgia sonora, antecipando em uma década a música industrial e longe de imaginar o papel que desempenharia na actual gestação do movimento das bandas do pós-rock. Schnitzler abandonaria o grupo para uma passagem breve pelos Eruption (que participariam no terceiro e último álbum dos Kluster) e, posteriormente, os Tangerine Dream, antes de enveredar por uma longa e produtiva carreira a solo, dedicada à experimentação electrónica. Moebius e Roedelius trocariam, entretanto, o “K” do grupo pelo “C”, ficando tudo a postos para os Cluster operarem a sua obscura revolução de ruído no seio da “Kosmische muzik”.
“Klopfzeichen” e “Zwei Osterei” são as duas primeiras e míticas gravações do, então, trio, referidas por muitas mas ouvidas por poucos. Com o desaparecimento das fitas originais, a editora optou por um registo obtido directamente a partir dos exemplares disponíveis que foi possível encontrar. Questão de somenos, quando a música destes dois álbuns, ambos com data de edição de 1971, se resume a uma monstruosa cacofonia sequenciada.
A gravação surgiu na sequência de um anúncio publicado nu jornal a pedir um organista de igreja interessado em música nova. Schnitzler respondeu e os discos acabaram por resultar de negociações com o meio eclesiástico, daí que mais ou menos ou dez minutos iniciais de cada um sejam uma mistura de sons industriais com a declamação, em alemão, de textos religiosos (!). Em nenhum deles há divisão de faixas, mas apenas os respectivos títulos-temas, longas improvisações nas quais os três músicos se atiram com denodo à nobre tarefa de sacar aos sintetizadores, guitarras e até a uma flauta, os ruídos mais desagradáveis ao ouvido, tudo filtrado por insistentes efeitos de “delay” e amplificação no máximo. Como “Metal Machine Music”, trata-se de dois álbuns cuja importância histórica tem mais a ver com a imposição pioneira de uma estética do que com a qualidade da música propriamente dita.
Muita água passou, entretanto, por baixo das pontes. Os Cluster tornaram-se um grupo relativamente respeitável e tanto Moebius como Roedelius ganharam o estatuto de figuras-chave da música electrónica europeia. “Other Places” – colaboração de Moebius com Mani Neumeier, antigo baterista da banda de free-rock Guru Guru (já tinham trabalhado os dois juntos em “Zero Set”), e Jurgen Engler, da banda electro-industrial dos anos 80, Die Krupps – joga ainda na improvisação. Mas enquanto os Kluster procediam à manipulação de uma massa sonora que evoluía de forma orgânica, ao sabor do instinto dos executantes, “Other Places” revela uma dinâmica de movimentos que está dependente das programações, justapondo camadas de timbres e ritmos electrónicos que poderiam perfeitamente passar por exercícios de escrita. Ao contrário, porém, do ordenamento sistemático de uns Kraftwerk, sobreleva ainda, neste música, um gosto pelo tribalismo e pelo lado mais visceral da vibração electrónica. Como se aos músicos coubesse, mais do que de instigadores, o papel de domadores de máquinas da selva.



The Residents – “Not Available” + “The Third Reich ’n’ Roll” + “Duck Stab/Buster & Glen” + “Fingerprince” + “Eskimo”

Pop Rock

12 Março 1997
reedições

Fura fura

The Residents
Not Available (9)
The Third Reich ’n’ Roll (8)
Duck Stab/Buster & Glen (8)
Fingerprince (8)
Eskimo (9)
EURO-RALPH, IMPORT. SYMBIOSE


res

Anteriormente disponível na Torso, a discografia dos anos 70 dos Residents volta aos escaparates, agora pela subsidiária europeia da Ralph, em formato “digipak” e com considerável melhoria de som. Não foi contemplada a estreia oficial do grupo, a sátira aos Beatles, “Meet the Residents”, mas, em compensação, uma das obras-primas do grupo, “Not Available”, passou a ter um som decente, uma vez que a anterior versão em compacto da Torso era simplesmente vergonhosa, abafada e sem graves (fenómeno idêntico ao de outros dois compactos com trabalhos seminais, que adulteram completamente o som de origem, “Tago Mago” dos Can e “Unrest” dos Henry Cow. Não há maneira de resolver o problema?).
“Not Available” é a odisseia trágica-marítima dos Residents que devia obedecer, mas não obedeceu, à teoria da obscuridade, ou seja, só deveria ser editado quando já ninguém se lembrasse da sua existência. Gravado em 1974, acabou por ver a luz do dia em 1978. É algo de único na pop dos anos 70, entre um desenho animado para adultos autistas e um cântico de marinheiros de um navio-fantasma seduzidos por Edweena, rainha dos pesadelos.
“The Third Reich ‘n’ Roll”, de 1976, com duas sequências “célebres”, “Swastikas on the Parade” e “Hitler was a vegetarian”, apresenta um alinhamento paranóico de “hits” dos anos 60, como existiam nas mentes retorcidas dos Residents. A culminar o massacre, uma versão comatosa de “Hey Jude”, dos Beatles, é o desrespeito total pela obra dos “fabulous four” e uma apologia à disformidade. Os Beatles não se queixaram, mas a pop sofreu um rude golpe na sua reputação. Mesmo que poucos tivessem reparado.
“Duck Stab/Buster & Glen”, de 1978, surge numa edição com dois CD de três polegadas, respeitando assim a separação entre os dois projectos, contrariando, deste modo, a da Torso, onde “Buster & Glen” aparece como um apêndice de “Duck Stab”. Aqui a electrónica solta-se de forma mais convencional e as canções poderiam mesmo entrar para o top de vendas da quinta dimensão, como “The electrocutioner”.
No ano seguinte, 1979, surge “Fingerprince”, música para bailado de onde se destaca a “suite” “Six Things to a Cycle”. A edição inclui o três polegadas “Babyfingers”, com a sequência de temas original, ao contrário da edição da Torso, onde os temas aparecem intercalados no resto do álbum e deixam de fora “Monstrous intro”.
“Eskimo”, ainda de 1979, sobe de novo a fasquia à altura das obras capitais. Sobre um ruído insistente de vento os Residents apresentam a sua tese de antropologia patológica da vida e costumes dos esquimós. Um trabalho no qual qualquer semelhança com a realidade não é pura coincidência, tão arrepiante como as regiões geladas em que se inspira. Dos homens com feitio de globo ocular e cartola saíram ainda “digipaks” da colectânea “Our Finest Flowers” e a colecção de remisturas de um dos temas-ícone dos Residents, “Kaw-liga”: “The Poor Kaw-Liga Pain”.



Frank Zappa – “Freak Out” + “Absolutely Free” + “We’re only in it for the Money” + “Cruising with Ruben and the Jets” + “Uncle Meat” + “Hot Rats” + “Waka/Jawaka” + “The Grand Wazoo” + “Over-Nite Sensation” + “One Size Fits All”

Pop Rock

12 Março 1997
reedições


Ratos Quentes


fz2

Dos mais de 50 álbuns que constituem o legado discográfico de Frank Zappa (F.Z.), a solo ou com os Mothers of Invention, todos reeditados pela Rykodisc, com distribuição MVM, seleccionámos, segundo um critério assumidamente subjectivo, 10 obras que consideramos fundamentais, dos anos 60 e 70, correspondentes à fase de maior inspiração. De notar que em meados da década de 80 o próprio Zappa se encarregou de controlar o processo de remasterização e, nalguns casos, remistura da totalidade da sua discografia, tendo as presentes reedições obtido a sua aprovação.

Freak Out

Estreia dos Mothers of Invention, editada originalmente em 1966 num duplo álbum. A presente reedição foi remasterizada e remisturada por F.Z., em 1987. Em pleno movimento “flower power”, Zappa introduzia a nota de discordância nu discurso construído sobre a colagem, detritos de rock’n’roll e estilhaços de jazz. Inclui a “suite” “Help me, I’m a rock” e a paulada na cabeça dos “hippies” que é “Who are the brain police?” (9)

Absolutely Free

Mais experimental que o disco de estreia, “Absolutely Free” é o álbum comprovativo da influência seminal que os Mothers exerceram nas vanguardas da década de 70, em particular sobre dois dos seus baluartes, os Henry Cow, em Inglaterra, e os Faust, na Alemanha. O CD inclui dois temas extra que não figuram no original, em vinil, de 1967: “Bil leg Emma” e “Why don’tcha do me right?”. (8)

We’re only in it for the Money

Uma das obras-primas dos anos 60. Manifesto do contrapoder, com a sátira da capa a “Sgt. Pepper’s”, nunca antes o humor fora tão corrosivo nem a música tão inovadora. Em 1967, os “hippies” eram ridicularizados, o sistema feito em cacos e a revolução provocava gargalhadas. “The idiot bastard son”, “Flower punk”, “Take your clothes off when you dance”. As letras foram, na altura censuradas. “What’s the ugliest part of your body?” (“Qual é a parte mais feia do teu corpo?”). Resposta: “I know it’s your miiiinnnd!” (10)

Cruising with Ruben and the Jets

De 1968, remisturado por F.Z. em 1984. Paródia em torno da música para adolescentes, da “surf music” dos Beach Boys ao melaço das vocalizações “doo-wop” dos grupos dos anos 50. Canções de amor. Zappa era um romântico. O disco mais tradicionalista da carreira do músico que é, ao mesmo tempo, um dos mais subversivos. E uma delícia para os ouvidos. (8)

Uncle Meat

Editado em 1969 como banda sonora do filme com o mesmo nome. Remisturado por F.Z. em 1987, com reedição em CD duplo. O álbum de todos os experimentalismos e malabarismos. O serialismo e a música de câmara manipulados ao mesmo nível que o rock e a anedota. O segundo compacto contém mais de 30 minutos, para muitos massacrantes, de diálogos extraídos do filme, e a versão original de “King Kong”, com o violinista francês Jean-Luc Ponty, que posteriormente gravaria uma versão alargada do mesmo tema, num álbum com o seu nome. (8)

Hot Rats

Primeiro álbum a solo de Frank Zappa, gravado em 1969 e remisturado em 1987, para alguns, a sua obra-prima, é, sem dúvida, aquele que impõe o nome do músico como um dos “virtuoses” da guitarra. Aqui com as colaborações de Captain Beefheart e dos violinistas Jean-Luc Ponty e Don “Sugarcane” Harris. A presente reedição inclui informação adicional codificada, que pode ser lida nos sistemas Macintosh e Windows em qualquer computador com um “drive” de CD-ROM para leitura de CD áudio. (9)

Waka/Jawaka

Na mesma linha de “Hot Rats”, “Waka/Jawaka”, de 1972, inclui o longo tema com este nome, um novelo de “jazz” e de virtuosismo instrumental levado até ás suas consequências mais bizarras. Com uma secção de metais em que pontifica o trompete de Sal Marquez e as presenças de fabulosos executantes como Don Preston, George Duke e Aysnley Dunbar. (9)

The Grand Wazoo

Ainda de 1972, “The Grand Wazoo” aumenta ainda mais a complexidade e a importância de Frank Zappa como um dos maiores compositores do século XX. Uma “big band” que inclui os mesmos solistas do anterior “Waka/Jawaka”, aumentada por uma secção de madeiras e outra de percussões, recria e desmonta todos os estilos de música moderna, da popular à erudita. Um “monstro” de pormenores inesgotáveis que adquire novos sentidos em cada audição. (8)

Over-Nite Sensation


fz

Quando ouvimos pela primeira vez, rimos a bandeiras despegadas. É o álbum que mais directamente apela aos jogos de humor e ao absurdo de situações desopilantes que retratam os Estados Unidos da estupidez. Das palavras às construções musicais, só por si, desopilantes, é um murro nas convenções e umas cócegas na inteligência. “Camarillo brillo”, “Dirty Love”, “Montana”. Um monumento ao génio. A presente reedição, ao contrário da anterior, separa este disco de “Apostrophe”. (9)

One Size Fits all

Nas entrelinhas do título esconde-se a obscenidade como forma de arte. Em 1975, Frank Zappa manipulava como queria o seu universo musical multifacetado, mas, por esta altura, já com contornos perfeitamente codificados. O “establishment”, que sempre combateu, começava a aceitá-lo. F.Z. ganhava o estatuto de compositor excêntrico e os próprios “tops” se preparavam para acolher a graça das suas dissidências. “One Size Fits all” é um típico disco de fusão, com doses cuidadosamente equilibras de humor e virtuosismo instrumental (com a presença do “blueman” Johnny “Guitar” Watson, onde, pela primeira vez, “edits” de estúdio e ao vivo são colados numa mesma canção. Estratégia que viria a ser utilizada em vários álbuns seguintes. (8)