Arquivo mensal: Outubro 2011

Vega, Vaisanen, Vainio – “Endless”

18.09.1998

Vega, Vaisanen, Vainio
Endless (8)
Blast First, import. Symbiose

Essa Terrível Agonia

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Alan Vega foi fulminado por um raio lançado por Elvis Presley. Mas essa visão que lhe macera a carne e o espírito esteve sempre acompanhada por uma terapia de electrochoques como única maneira de impedir a possessão definitiva. Se Presley personificava uma sexualidade enfiada num frasco de obscenidade perfumada, Vega cultiva o erotismo da fúria e a paixão pela morte. O “rockabilly”, na versão apocalíptica do ex-Suicide, é um eixo de metal incandescente que, à semelhança de Presley (e do mito em que a memória o transformou), trespassa o coração da América de lado a lado. Mas onde Presley promovia estranhas cumplicidades com Eros, Vega espalha armadilhas com a ajuda de Tanathos. Com os Suicide o sangue escorria carregado por dez mil volts de castigo. De “Cheree”, a derradeira canção de amor sem remédio nem sentido, ao suicídio e loucura narrados nesses dez minutos de inferno que são “Frankie teardrop”, a música dos Suicide subverteu num par de álbuns (“Suicide”, de 1977 e “Alan Vega – Martin Rev – Suicide”, de 1980) a memória do rock ‘n’ roll, amarrando à cadeira eléctrica a banana fálica dos Velvet Underground.
Com a extinção dos Suicide, a consequente carreira a solo do cantor derivou para uma acumulação de equívocos. O “rockabilly” e as entoações presleyanas caíram numa caricatura. Faltava o estímulo de Martin Rev, cuja serração electrónica funcionava nos Suicide como o casino onde Vega, “crooner” da maldição americana, soltava sem entraves os seus fantasmas.
“Cubist Blues”, editado há dois anos, representou o regresso em força de Alan Vega em direcção ao “paraíso” perdido dos Suicide, tendo por companhia Alex Chilton e Ben Vaughn. Mas, se o espírito dos Suicide estava aí já presente, faltava ainda o palco formal que garantisse e potenciasse uma nova sistematização da loucura. Foram dois noruegueses, Mika Vainio e Ilpo Vaisanen, a preencher, dezoito anos volvidos sobre o último disco de originais da dupla – que nos concertos ao vivo tinha como hábito lutar corpo-a-corpo com o seu público, – o lugar de Martin Rev. Mika Vainio e Ilpo Vaisanen, dos Pan Sonic, funcionam como uma fábrica de ritmos gelados em comparação com os quais os Kraftwerk, soam como uma dança tropical. Mas aos primeiros sons de “Endless” sente-se a estocada: os Suicide ressuscitaram. Golpe a golpe, fere-nos a mesma orgia electrónica de sequências psicóticas, sonorizações de claustrofobia, equações sobre a termodinâmica do desespero. Que Alan Vega aproveita de forma sublime, se é que o termo se pode aplicar a este acto de tragédia que esconde, ainda e sempre, uma ânsia desamparada de amor.
“Pesadelo! Pesadelo! Pesadelo!”, grita Vega no vórtice do descontrolo emocional, sobre um martírio electrónico de alta tensão elaborado pelos dois nórdicos, em “Outrage for the frontpage”, um dos temas que reactiva de forma mais mortífera os centros nervosos dos Suicide. Mika Vainio e Ilpo Vaisanen furam com brocas de dentista a ténue camada de resistência com que tentamos fazer frente ao medo. E é a cavalo no medo que Alan Vega invectiva, soluça e enlouquece, em sobreposições infinitas de ecos, reverberações, rupturas, duplicações e outros distúrbios vocais, numa agonia sem fim.

Tarwater – “Rabbit Moon Remixed”

25.07.1997

Tarwater
Rabbit Moon Remixed (7)
Kitty-Yo, distri. Ananana

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O enigma Tarwater esclarece-se aos poucos, à medida que a sua música se vai cristalizando numa fórmula cujos contornos são agora mais visíveis do que no anterior “11/6 12/10”. Dirigindo as suas operações a partir de Berlim, esta banda germânica liderada por Markus Popp (também elemento dos Oval e dos Microstoria) dificilmente se pode enquadrar no movimento pós-rock, sendo antes a sua música uma derivação mutante da música industrial e de um tipo de conceptualismo experimental onde se vislumbram tanto as sinfonias de sampler de Holger Hiller, do período “Oben im Eck”, como o ambientalismo doentio dos ditos Oval e Microstoria, e tentativas ténues de abertura a programações mais próximas da pop.
“Rabbit Moon Remixed” não explicita a autoria das misturas, mas é lícito concluir que estas se devem aos próprios músicos da banda, que aqui recicla, tornando totalmente irreconhecíveis, temas do álbum anterior, como “11/6 12/10”, “Inversnaid”, “Euroslut” e “Rome”. Se “11/6 12/10” causava estranheza sobretudo nos momentos em que a música descarrilava para bizarras divagações pelo “jazz”, num sax e num vibrafone que pareciam querer libertar-se da asfixia, esta “lua do coelho” fecha-se num mundo de sombras e pulsações distorcidas onde as percussões se orgulham da mesma majestade diabólicas dos Laibach e os sintetizadores soltam labaredas frias, na criação da banda sonora febril das 24 horas na vida de um escritório cibernético. A onda de remisturas que assola a ala radical dos “electro-rockers”, dos Kreidler, com “Resport”, aos Microstoria, com “Reprovisers”, tem nos Tarwater um passe de bruxaria.

Yes – “The Ladder”

12.11.1999

Yes
The Ladder (7)
Eagle, distri. Música Alternativa

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Nos anos 70 e na óptica dos 80, os Yes tinham um grave defeito: sabiam tocar bem os seus instrumentos. Para os punks era ofensivo, sobretudo quando se pretendia facturar recorrendo a todos os expedientes e a música passava para um plano secundário. Lançava-se o argumento da energia, mas mesmo aí a energia que os Yes produziam em dez segundos era superior ao que uma banda punk conseguia suar durante uma carreira inteira. Foi então, quando os Buggles entraram para o grupo, numa tentativa desesperada de modernização do som, que o caldo entornou. Os Yes nem eram os “velhos” capazes de satisfazer os velhos fãs, nem uma nova banda capaz de agradar às gerações mais novas. Os anos 90 assistiram à reentrada do grupo na sua música de sempre, graças à edição dos dois volumes duplos de “Keys to Ascension”. “The Ladder” prossegue o reatamento de uma via precocemente interrompida. Com a formação clássica composta por Jon Anderson, Steve Howe, Chris Squire e Alan White, neste disco aumentada por um segundo guitarrista, Billy Sherwood, e pelo teclista Igor Khoroshev, os Yes conseguiram a proeza de dar frescura a uma música que insiste em permanecer viva à entrada do novo milénio. Jon Anderson continua a cantar como um andrógino, Howe e White respiram saúde, enquanto o novo teclista se apossou do estilo dos seus antecessores Rick Wakeman e Patrick Moraz. Longas viagens interplanetárias instrumentais, o misticismo do costume e uma homenagem a Bob Marley (“The Messgae”) não envergonham, antes reciclam, um passado ilustre. Até a capa é de Roger Dean.