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Sam Phillips – “Martinis & Bikinis”

pop rock >> quarta-feira >> 04.05.1994


Sam Phillips
Martinis & Bikinis
Virgin, distri. EMI – VC



“Se este disco fosse um quadro, seria a preto e branco e nunca a cores.” A frase, dita pela própria artista, reflecte mais o modo de produção – “simples e rápida” – que o conteúdo de “Martinis & Bikinis”, terceiro álbum da discografia de Phillips, após “The Indescribable Wow”, de 1988, e “Cruel Inventions”, de 1991. A primeira impressão que ressalta da audição é a de que Sam Phillips, ao contrário de muitas colegas suas da concorrência, tem de facto algo para dizer. “Martinis & Bikinis” demorou três anos a fazer, mas valeu a pena a espera. As canções, servidas por uma voz em que é já notório, no timbre e inflexões, o calo adquirido “on the road”, estão alicerçadas no bom e velho “rock”. Não inventam mas são suficientemente variadas e ricas de pormenores para se gostar cada vez mais delas a cada audição. E sabem como contar uma história. Há nelas uma autenticidade e um sentido dramático quase palpáveis, que tornam “Martinis & Bikinis” um álbum com pontos de contacto e à altura da recente estreia a solo de Kristin Hersh. Influências, ao nível rítmico, da “new wave” (dos Police, por exemplo, em “Signposts”), certas cadências tipificadas por Michael Stipe, dos R.E.M. (“Same rain”), algumas construções harmónicas recorrentes nos anos 60 (“Baby I can’t please you” ou a versão psicadélica de “Gimme some Truth”, um tema de John Lennon) surgem, no entanto, de forma natural e perfeitamente assimilada. Depois, há pormenores de produção, a cargo do seu famoso marido T. – Bone Burnett, bastante curiosos, como a utilização do cravo nos fantásticos 56 segundos do tema de abertura, “Love and Kisses”, a saturação de percussões, electrónicas e acústicas, em “Baby I can’t please you”, ou o martelar metálico de “Black sky”, o tema ecologista, próximo da electropop industrial dos Depeche Mode de “Construction Time Again”. Em suma, um dos grandes álbuns deste segundo semestre do ano e a confirmação de Sam Phillips como uma das melhores cantoras/compositoras de rock actuais. (8)

Stina Nordenstam – “And She Closed Her Eyes”

pop rock >> quarta-feira >> 04.05.1994


Stina Nordenstam
And She Closed Her Eyes
East West, distri. Warner Music



Faz frio, é sempre Inverno no universo nocturno e gelado de Stina Nordenstam. A acção poderia desenrolar-se em Twin Peaks. Stina Nordenstam é uma sueca de voz igual à das criancinhas e com um jeito especial de nos arrastar para lugares sórdidos, tristes ou simplesmente perigosos. Há nela uma falsa inocência, como a das suas duas irmãs espirituais, Virginia Astley e Julee Cruise. Stina deambula por ruas cortadas pelo amor de um casal de bombistas, em comboios que atravessam paisagens sem fim nem nexo, por amores furtivos iluminados a luz negra. Cada canção embala-nos como uma “lullaby” e põe-nos a sonhar com a força de um narcótico. A ressaca nunca será agradável. “Proposal” é uma árvore de Natal de um filme de terror, que se sustenta nas flutuações de um piano eléctrico e nos sininhos da rena. Jon Hassell empresta a sua trompete de surdina a “I see you again”, um dos temas em que o gelo se derrete por momentos. O torpor de uma bossa-nova sonambúlica invade “So this is goodbye”. Suzanne Veja aparece como professora de voz em “Something nice” e “And then she closed here yes”. Julee Cruise e o seu mel do inferno derretem-se nas vocalizações sintetizadas de “Murder in Maryland park”. Tudo isto poderia ser exaltante, se a monotonia não espreitasse no registo insistente de criança ferida de que a voz de Stina nem por um segundo se afasta. Uma anestesia tem o duplo efeito de permitir observar o mundo sem sentir dor e ao mesmo tempo de impedir a fruição das cores, sons, cheiros e outras coisas palpáveis desse mesmo mundo. Quem quiser que feche os olhos e entre no limbo. (7)

Phil Collins – “O Senhor Milhões” (concerto | antevisão | 7 de Maio Estádio de Alvalade)

pop rock >> quarta-feira >> 04.05.1994


O SENHOR MILHÕES

PHIL COLLINS
7 de Maio
Estádio de Alvalade


Portugal vai ter a oportunidade histórica de assistir a um concerto a solo daquele que é uma lenda viva da música popular. Ele vem aí. Preparem-se para ele.



Ele é um porreiraço. Ele importa-se. Ele sorri. Ele sofre. Ele tocou bateria nos Genesis. Ele tomou conta dos Genesis. Quando Peter Gabriel saiu. Ele destruiu os Genesis. Ele vende milhões. Ele faz os Genesis venderem milhões. Ele é careca. Ele já foi mais gordo do que é. Ele é saudável. Ele luta pelos direitos dos mais fracos. Ele é ecológico. Ele vende milhões. Ele canta melhor que Peter Gabriel, segundo o próprio Peter Gabriel. Ele é a personagem mais simpática do mundo do espectáculo. Ele vende milhões. Ele gravou um álbum o ano passado chamado “Both Sides” (que vendeu milhões), no qual prova que todas as questões podem ser abordadas de uma dupla perspectiva. Ele é inteligente. Ele vende milhões. Ele começou a tocar aos cinco anos porque o pai lhe ofereceu um tambor. Ele hoje já pouco toca tambor. Ele hoje vende milhões. Ele está atento e não deixa passar nada. Ele acusa o IRA na canção “We wait and we order”, incluída no álbum “Both Sides” que vendeu milhões. Ele sabe. Ele pôr o dedo nas feridas. Ele tem sentido de humor. Ele organizou um concerto sobre ele em que o prémio para o vencedor é estar com ele, acompanhar os passos dele, na actual digressão dele, também intitulada Both Sides. Ele, no vídeo promocional do tal concurso, mostra que ele não se leva a sério e finge ser o criado do vencedor. Ele chega ao ponto de se ajoelhar aos pés do feliz contemplado e apanhar com um copo de vinho na cara. E ele ri, com a cara encharcada. Ele é um herói. Ele recusou-se a cantar com Frank Sinatra no álbum “Duets” porque só o faria na condição de o outro se encontrar pessoalmente com ele. Ele não é um Sinatra qualquer. Ele vende milhões. Ele é director da Philip Collins Ltd. Ele é um dos directores da Fisher Lane Farm Ltd. Ele é director da Ashtray Music Ltd. Ele é director da Effectsound Ltd. Ele é director da Gelring Ltd. Ele é director da Genesis Music Ltd. Ele é director da Isle of Mull Salmon Farm Ltd. Ele é director da Pennyghael Estates Ltd. Ele é director da TGP 155 Ltd. Ele é director da TGP 156 Ltd. Ele, caso subsistam dúvidas, é músico. Ele vem tocar a Portugal a solo, depois de o ter feito com os Genesis em 1992. Os bilhetes para o concerto dele custam entre 4500 e 6000 escudos (mais 50 a um preço dez vezes superior, os quais darão estatuto de VIP a quem os adquirir). A receita, deste como dos outros concertos, reverte, por desejo expresso dele, a favor dos desalojados dos países por onde passa a digressão. Ele é, por assim dizer, um deus. Ele vale milhões. Ele vem cantar coisas “intimistas” porque, no fundo, ele é um romântico. Ele é Phil Collins. O senhor milhões.