Arquivo mensal: Maio 2016

Sharon Shannon – “Out The Gap”

Pop Rock

12 de Julho de 1995
Álbuns world

Acordeão preguiçoso

SHARON SHANNON
Out The Gap

Green Linnet, import. Etnia


ss

Não se faz uma coisa destas, Sharon! Então a senhora dá um concerto de arromba nos Encontros, grava um primeiro disco que é um pitéu e agora não consegue manter a pedalada? Eu explico-lhe as razões da minha reserva. Está bem que, desta vez, forçou um bocado demais na nota americana, pegando de passagem em temas da tradição do Quebeque – um deles, por sinal, que lhe foi ensinado pelos La Bottine Souriante (sabia que vêm cá tocar na próxima Festa do Avante!? Se puder, apareça.) – e numas “Butterflies” finlandesas. Também reconheço que continua a tocar como só você sabe (descontando o seu compatriota Mairtin O’Connor, mas esse já tem idade para ser seu pai…). Mas a base rítmica da sua nova banda, meu deus, nas mãos desse ex-Waterboys que você arranjou, no baixo, e nas de um guitarrista com a desagradável tendência para se deixar adormecer, não podia ter sido um bocadinho mais trabalhada?
É que parece música a metro e, por vezes, até somos levados a pensar que você, nos últimos tempos, não tem feito outra coisa senão ouvir “ceili bands”, contra as quais, de resto, nada tenho contra. Mas esse binários quadrados, tão martelados, que alguém mais desprevenido seria levado a tomar por uma caixa-de-ritmos!… Que coisa. E então o saxofone de feira nessa coisa medonha com o título “The mighty sparrow”, não tinha lá em casa nada melhor? Você que até mostra ter sorrisos e lágrimas no coração no tal tema da Finlândia, que, em “Thunderhead”, nos pega ao colo e leva à Irlanda profunda (mas aqui, se calhar, é por a guitarra estar entregue a um tal Gerry O’Beirne…) e, em “Reel Beatrice”, até pôs asas no acordeão. Sharon, é com algum pesar que lhe estou a escrever isto. Ainda guardo na memória o seu sorriso corado pela alegria de tocar e o prazer que senti em ouvi-la em Algés. Danço consigo a valsa, tão triste e arrastada, a que chamou “Maguire and Paterson” e depois vou-me embora. Espero encontrar-me em breve consigo com algo mais animador para lhe dizer. Entretanto, continue a tocar acordeão, que esse dom ninguém lhe tira. Do seu amigo que, infelizmente, não lhe pode atribuir mais que a nota (6)

Christos Zotos & Ionna Anghélou – “Musique de la Grèce Continentale”

Pop Rock

12 de Julho de 1995
álbuns world

Christos Zotos & Ionna Anghélou
Musique de la Grèce Continentale

AL SUR, DISTRI. MEGAMÚSICA


cz

Não tenham receio. Zorba, “o grego”, não é para aqui chamado. A Grécia abre-se neste disco luminoso para o Sul mítico e para as grandes vastidões da alma contaminada durante séculos pelo excesso de mar e de uma nostalgia de calcário. Há Christos Zotos, profeta e ancião com uma voz carregada com toda a sabedoria do Mediterrâneo, a proximidade do Médio oriente e memórias bizantinas. Há dois alaúdes, o dele e o da sua companheira mais nova, Ionna Anghélou. Há um grande espaço de solidão, de pedras e de sal para navegarmos por ele fora. Neste espere desta dança – que apenas pode ser dançada nas profundidades da alma, com as suas cadências buriladas por toda uma civilização que renasce das cinzas e se concentra numa única voz – brindes coloridos para brincar e deitar fora. “Musique de la Grèce Continentale” exige que lhe dêem amor mas retribui esse amor com um amor ainda maior. Não como num “flirt” de Verão, de queimar e esquecer aos primeiros sinais de frio, mas uma relação intensa e duradoira que poderá terminar em casamento. Aproximem-se, pois, com o maior respeito e delicadeza. (9)

Den Fule – “Skalv” + Ottopasuuna – “Ottopasuuna”

Pop Rock

7 de Junho de 1995
álbuns world

Génios da floresta

DEN FULE
Skalv (8)

Edi. Xxource

OTTOPASUUNA
Ottopasuuna (8)

Edi. Amigo
Distri. MC-Mundo da Canção

df

otto

Aplacada por agora a fúria dos Hedningarna (embora já circule por aí o seu [novo] disco *1, talvez menos explosivo, mas não inferior a “Kaksi!” e Trä”…), as atenções voltam-se para outras vozes da Escandinávia. [Depois] das*2 insinuantes canções da bela feiticeira Lena Willemark ou do acordeão narcisista de Maria Kalaniemi, chega a vez dos suecos Den Fule mostrarem se valem tanto como o anterior “Lugumleik” fizera crer. “Skalv” revela em primeiro lugar que o grupo optou por se afastar ainda mais de uma linha ortodoxa.
A música diversificou-se, deixando pelo caminho um aparte do vigor do álbum anterior, trocado por uma insistência sistemática na experimentação. E se faixas como “Snäll” e “Det är jag” soam um pouco a um “rock progressivo” mal assimilado, na maior parte de “Skalv”, porém, a relação com os materiais tradicionais resulta em híbridos de grande originalidade, como “Offerklippans säng”, o “africanismo” de “Rammelslatten” ou o que poderia ser o jazz-rock dos Soft machine se fossem escandinavos. Autêntico manual de ideias inovadoras de produção, “Skalv” deixa antever uma próxima etapa que poderá ser brilhante. A capa, toda ela verde-escuridão de floresta, é um achado.
Os finlandeses Ottopasuuna arriscam menos mas são igualmente um grupo a ter em conta. Com as principais acções circunscritas ao quadrado violino (pelo “virtuose” Kari Reiman)/flauta/”melodeon”/bandolim, a música move-se sempre que pode noutras direcções, para onde a leva uma gaita-de-foles (“torupill”), nas impressões medievais de “Kalmukkisottiisi” ou no solo absoluto de “In dulci jubilo”. O “melodeon” de Kimmo Pohjonen aduire por seu lado uma riqueza cromática inusitada, patente em “Viialan vanhaa kansaa”, para em “Limperin polska” ser Petri Hakala a mostrar as suas capacidades no bandolim, o mesmo acontecendo com o flautista Kurt Lindblad, em “Sudenrita”. Tudo termina num lugar imaginário, nos pingos-brincos de uma marimba. Obrigatório para os coleccionadores de sons que, cada vez mais quentes, nos chegam do frio. (8)

*1 Em vez de “novo disco”, no texto lia-se “disco de estreia”
*2 Em vez de “Depois das”, no texto lia-se “Das”