Arquivo da Categoria: Progressivo

Arturo Stalteri – “Racconti Brevi… E Il Pavone Parlò Alla Luna”

pop rock >> quarta-feira >> 19.04.1995
reedições


As Plumas Do Pavão

ARTURO STALTERI
Racconti Brevi… E Il Pavone Parlò Alla Luna (8)
Materiali Sonori, distri. Áudeo



Quem e lembra daquelas melodias, únicas no universo, que os Faust costumavam compor em guitarras acústicas, para grande assombramento de álbuns como “So Far” ou toda a sequência final de “The Faust Tapes”? “Racconti Brevi…” – o compacto reúne dois discos diferentes, “Racconti Brevi”, um mini-LP gravado entre 1977 e 1979 e remisturado em 1993, e “… E Il Pavone…”, de 1983 – começa na mesma veia bucólico-minimalista. O que se segue, como acontecia com aquele grupo germânico, é indescritível. Stalteri, um italiano que tocou numa banda chamada Pierrot Lunaire, faz parte daquela família de iluminados que, além dos Faust, inclui nomes como Daniel Schell, Lars Hollmer, J. Lachen, Marc Hollander (quem reedita em CD o fenomenal “Onze Danses pour Combattre la Migraine”?) e os Z.N.R., de Hector Zazou (há mais, muitos mais, que a turba ignora e não poucas vezes despreza).
Stalteri é um compositor nato com tendência para utilizar as regiões menos exploradas do cérebro. As ideias que lhe jorram da cabeça assumem invariavelmente formas pouco usuais. Não são jazz, nem progressivo, nem clássico, nem é pop, mas algo mais além e escondido. Nos domínios de Alice e dos delírios surrealistas. Um órgão Farfisa em transe meditativo, ragas psicadélicas, refracções electro-acústicas inspiradas em Terry Riley, da sala de espeçhos “Poppy nogood and the phantom band”, num passeio pela Idade Média (“Goa difronte all’oceano), um “Volo noturno” que lembra “Magician’s Hat”, de Bo Hansson, nas suas vibrações de catedral esculpida num iceberg. Referências que apenas servem enquanto sinais de orientação.
Em “Mulini” Arturo Stalteri tira o máximo partido da sua experiência como pianista clássico. A música indiana cruza-se com a guitarra de Robert Fripp em “… E il pavone parlò alla luna”. “La pescatrice di perle” prenuncia os “loops” ambientais de Ingram Marshall. Num “Morceau” de 46 segundos Arturo Stalteri transforma-se me Keith Jarrett, que se transforma em Hector Zazou, que se transforma em Keith Emerson. “Raga occidentale” oscila por 17 minutos, durante os quais o espectro da dupla Slapp Happy – Henry Cow, de “Desperate Straights”, se dilui na auto-hipnose de um piano autista. Um objecto nas margens mais longínquas da normalidade.

Cream – “The Very Best Of Cream”

pop rock >> quarta-feira >> 08.03.1995


Cream
The Very Best Of Cream
POLYDOR, DISTRI. POLYGRAM



Máximo bom gosto na apresentação de uma das bandas da frente dos anos 60, das primeiras que verdadeiramente puderam reivindicar o epíteto de “supergrupo”.
A presente colectânea começa por mostrar a vertente mais pop, sobretudo de “Fresh Cream”. Seriam contudo os dois álbuns seguintes, “Disraeli Gears” e “Wheels of Fire” – aqueles em que o psicadelismo se alia a uma rítmica ao mesmo tempo implacável e swingante, pioneira do hard rock -, os que tornaram os Cream num dos grupos importantes da época. Destes álbuns foram incluídos clássicos como “Sunshine of your love”, um dos hinos do “flower power” e “White room”, concluindo a colectânea com o “single” “Anyone for tennis” e “Badge”, um tema do derradeiro álbum contendo gravações em estúdio, “Goodbye”. (8)

Gabriel Yacoub – “Gabriel Yacoub Inaugurou Ciclo Vocal No S. Luiz – Coisas Demasiado Simples” (concertos | crítica | reportagem)

cultura >> quinta-feira, 09.02.1995


Gabriel Yacoub Inaugurou Ciclo Vocal No S. Luiz
Coisas Demasiado Simples



FEZ ALGUMA pena ver Gabriel Yacoub, constipado e perdido no ambiente gélido de uma sala com pouquíssima gente, sair sem glória da sua estreia nos palcos portugueses. Aconteceu no espectáculo inaugural do ciclo “Sons (da) Voz”, realizado anteontem no Teatro S. Luiz em Lisboa, primeiro de uma série que ontem prosseguiu com o grupo vocal português “a capella”, Tetvocal, e hoje se concluirá com o catalão Pi de la Serra. Gabriel Yacoub é um histórico da “folk” francesa. Fundador, nos anos 70, dos Malicorne, enveredou na década seguinte por uma carreira a solo que culminou no mais recente trabalho “Quatre”, ainda sem distribuição nacional. Mas quem não conhecesse o seu passado, e o julgasse apenas pelo que mostrou deve ter pensado estar em presença de uma espécie de Donovan gaulês, “hippie” ressacado com mensagens pueris à tiracolo que trouxe a doce Nikki Matheson, sua actual mulher, para cantar consigo em quatro temas, e uma conversa um pouco parva que não caiu muito bem na assistência.
Se calhar a culpa nem foi dele. A música de “Quatre”, que constituiu o grosso do reportório da noite, é servida, em disco, por arranjos sofisticados e a presença de alguns dos melhores instrumentistas da folk francesa actual e, ao vivo, por uma banda de vários elementos. Em Portugal, como já se vem tornando hábito, veio apenas o artista principal, armado de uma guitarra acústica, boa-vontade e entregue aos desígnios da sorte. Pela simples razão de que assim sai mais barato. Se a fórmula pode resultar, como ficou provado com artistas como John Cale ou Peter Hammill, com o francês a aventura saldou-se pela triste figura de um Yacoub que é muito mais do que aquilo que mostrou em Lisboa.
Gabriel Yacoub é um excelente cantor, possuidor de um estilo único, e isso ficou patente nas interpretações de temas de “Bel”, como “Ma délire” (um tradicional do Quebeque, cantado “a capella” com Nikki Matheson), “je serais ta lune” ou o belíssimo “Les choses les plus simples”, e, maioritariamente, de “Quatre”, de onde cantou “Ces dieux-là”, “Tant pis que l’exil”, “Letter from America”, “Je suis à court”, “Les bannières qui claquent”, “Torune tourne”, no qual incitou os presentes a acompanharem-no e, a fechar a segunda e curta parte do espectáculo, “Le sel et le sucre”.
Teria resultado num clube pequeno, em conversa e canções informais com um público amigo e conhecedor. Assim, à deriva e sem rede, chegou a irritar ouvir, nos monólogos entre as canções, Yacoub dizer enormidades como “Em França um homem e uma mulher começam por trocar olhares entre si e só depois chegam a fala. Em Portugal não sei como é!”. Gabriel Yacoub cantou “Les choses les plus simples”, as coisas simples da vida: o amor, a amizade, o riso das crianças, a natureza.