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Nick Drake – “Way To Blue – An Introduction To Nick Drake”

pop rock >> quarta-feira >> 29.06.1994
REEDIÇÕES


De Costas Para A Luz

Nick Drake
Way To Blue – An Introduction To Nick Drake (8)
Island, distri. BMG



Nick Drake pertence à categoria dos mártires que se foram discretamente. Não se pode alinhá-lo ao lado dos monstros que morreram, ou se deixaram morrer, com pompa e clamor, como Jim Morrison, Hendrix ou Janis Joplin. O seu caso tem a mais a ver com Nico e Ian Curtis, com os criadores supliciados pela sua própria inspiração, inacapazes de suportar o fardo da vida, da música, da vida “on the road”, da sua própria condição enquanto criadores, enfim. Nick Drake levou ainda mais longe a recusa aos padrões do “show business”. Uma timidez quase esquizofrénica fazia dele uma personagem fugidia, uma sombra de contornos indefinidos. Por ocasião do seu terceiro e último álbum, “Pink Moon”, nem sequer apareceu no estúdio, enviando as fitas pré-gravadas pelo correio.
Sabe-se pouco da vida de Nick Drake. Surgiu a cantar quase por acaso no meio da vaga de folk rock que rebentou em finais dos anos 60 nas ilhas britânicas, ao lado de figuras como Ashley Hutchings e Fairport Convention. Foi Joe Boyd, produtor e empresário dos Fairport e “descobridor” oficial de talentos para a editora Island quem o descobriu e lhe proporcionou o primeiro contrato de gravação. “Five Leaves Left”, de 1969, integra-se perfeitamente no som acústico da época, revelando um cantor/compositor de veia nostálgica com tendência para a depressão.
Na altura houve quem comparasse este disco a “Astral Weeks”, de Van Morrison, mas, se há que fazer comparações, sobretudo ao nível das vocalizações, invariavelmente no limite do equilíbrio emocional e da lucidez, estas deverão ser encontradas em John Martyn, por sinal também agenciado por Boyd na Island e por coincidência autor de um tema, “Solid air”, incluído no álbum do mesmo nome, dedicado a Nick Drake. A presente colectânea reúne cinco temas deste álbum maioritariamente composto por solilóquios de Drake sobre a guitarra acústica, com ocasionais contribuições de uma orquestra de cordas, do violoncelo de Clare Lowther (no maravilhoso tema de abertura “Cello song”) ou do contrabaixo de Danny Thompson.
“Bryter Layter”, o álbum seguinte, de 1970, apresenta um leque maior ao nível dos arranjos, para tal contando com as presenças de John Cale e de três membros dos Fairport Convention, Dave Pegg, Dave Mattacks e Richard Thompson. A depressão intensificava-se e com ela a solidão. Amontoavam-se os despojos de uma alma em conflito perpétuo e à deriva dentro de si própria, cujas canções cada vez mais se assemelhavam ao murmúrio de uma criança precocemente envelhecida a quem tivessem arrancado à força a inocência. Nick Drake abandonou em definitivo os espectáculos ao vivo dando início a um tratamento psiquiátrico, que pelos vistos não surtiu efeito.
Paris acolheu-o, como sempre acolhe os foragidos da “normalidade”. Na cidade-luz, Drake – há nome mais romântico do que este? – compôs canções para Françoise Hardy que, conta a lenda, chegaram a ser gravadas mas nunca editadas em disco. As cinco canções de “Bryter Layter” incluídas nesta introdução à “loucura suave” inflectem no jazz, oferecendo à voz o amparo de um piano cheio de nostalgia ou o embalo de um vibrafone que tiveram o condão de manter intacta durante mais algum tempo a ilusão.
Volvidos dois anos, em 1972, data da edição de “Pink Moon”, o desabamento psíquico era já irreversível. Depois do abandono dos palcos seguiu-se o abandono do canto. A Island recebeu as fitas do disco pelo correio. Drake fechara-se já no quarto escuro e deitara fora a chave. Era a retirada definitiva. Primeiro da arte e, pouco tempo depois, da vida. Quatro temas de “Pink Moon” marcam o retorno à conversa a dois (ou de um só, cindido em dois) com a guitarra. Drake cantava cada vez mais baixo, para si, contra o vento. Canções desarmantes de simplicidade, de alguém já sem nada a esconder. O resto de “Way To Blue” é preenchido com dois temas de “Time of no Reply”, uma edição póstuma de “takes” alternativos e alguns originais, semelhante a outra, “In a Wild Flower”, realizada no ano anterior. Finalmente, em 1986, foi editada a caixa de quatro discos com a obra completa de Nick Drake, de genérico “Fruit Tree”.
Nick Drake morreu a 25 de Novembro de 1974, em casa dos pais, vítima de uma “overdose” de antidepressivos. A capa de “Way To Blue – Na Introduction to Nick Drake” capta de maneira sublime a essência da personalidade musical de Nick Drake, uma figura franzina, de olheiras enormes, envolto numa manta, perdido numa floresta. Ao fundo, uma luz branca. A luz era ofuscante, mas ele não a podia ver porque estava de costas.

Cream – “Fresh Live Cream” (VHS)

pop rock >> quarta-feira >> 01.06.1994
VÍDEOS


Cream
Fresh Live Cream
Polygram video, distri. Polygram



Eric Clapton, Jack Bruce e Ginger Baker formaram, em 1966, a partir das cinzas dos Yardbirds e dos Graham Bond Organisation, uma das superbandas emblemáticas do rock psicadélico do final dos anos 60 – os Cream. O grupo durou apenas dois anos, tempo suficiente para deixar atrás de si um rasto de prestígio que até hoje permanece intocável. Em abono da verdade, deve dizer-se que a posterior carreira a solo de cada um dos seus membros revelou ser bastante mais interessante que a do grupo, mas isso não impede de rever com satisfação as imagens de algumas das suas melhores prestações ao vivo e recordar temas que permanecem na memória, como “Sunshine of your love” e “White room”.
“Fresh Live Cream” inclui actuações ao vivo dos Cream no Revolution Club, de Londres, no primeiro Festival de Pop Music no Palais des Sports, em Paris, e no Glen Campbell Show, todas em 1967, e no Fillmore de São Francisco e no Royal Albert Hall, de Londres, em 1968, intercalados de excertos fotográficos e material documental de arquivo inédito, além de declarações dos três músicos, já na idade actual, com rugas e cabelos brancos aumentadas pela ressaca, a explicarem-se e a explicarem como foi. Embalado a preceito num desenho psicadélico ao melhor estilo piroso d época, “Fresh Live Cream” tem um indubitável interesse documental, embora a música (fica a suspeita) só deva ser do agrado dos mais velhos, para quem um dos maiores prazeres da vida é recordar. O “creaminoso” volta sempre ao local do Cream. (7)

Phil Collins – “O Senhor Milhões” (concerto | antevisão | 7 de Maio Estádio de Alvalade)

pop rock >> quarta-feira >> 04.05.1994


O SENHOR MILHÕES

PHIL COLLINS
7 de Maio
Estádio de Alvalade


Portugal vai ter a oportunidade histórica de assistir a um concerto a solo daquele que é uma lenda viva da música popular. Ele vem aí. Preparem-se para ele.



Ele é um porreiraço. Ele importa-se. Ele sorri. Ele sofre. Ele tocou bateria nos Genesis. Ele tomou conta dos Genesis. Quando Peter Gabriel saiu. Ele destruiu os Genesis. Ele vende milhões. Ele faz os Genesis venderem milhões. Ele é careca. Ele já foi mais gordo do que é. Ele é saudável. Ele luta pelos direitos dos mais fracos. Ele é ecológico. Ele vende milhões. Ele canta melhor que Peter Gabriel, segundo o próprio Peter Gabriel. Ele é a personagem mais simpática do mundo do espectáculo. Ele vende milhões. Ele gravou um álbum o ano passado chamado “Both Sides” (que vendeu milhões), no qual prova que todas as questões podem ser abordadas de uma dupla perspectiva. Ele é inteligente. Ele vende milhões. Ele começou a tocar aos cinco anos porque o pai lhe ofereceu um tambor. Ele hoje já pouco toca tambor. Ele hoje vende milhões. Ele está atento e não deixa passar nada. Ele acusa o IRA na canção “We wait and we order”, incluída no álbum “Both Sides” que vendeu milhões. Ele sabe. Ele pôr o dedo nas feridas. Ele tem sentido de humor. Ele organizou um concerto sobre ele em que o prémio para o vencedor é estar com ele, acompanhar os passos dele, na actual digressão dele, também intitulada Both Sides. Ele, no vídeo promocional do tal concurso, mostra que ele não se leva a sério e finge ser o criado do vencedor. Ele chega ao ponto de se ajoelhar aos pés do feliz contemplado e apanhar com um copo de vinho na cara. E ele ri, com a cara encharcada. Ele é um herói. Ele recusou-se a cantar com Frank Sinatra no álbum “Duets” porque só o faria na condição de o outro se encontrar pessoalmente com ele. Ele não é um Sinatra qualquer. Ele vende milhões. Ele é director da Philip Collins Ltd. Ele é um dos directores da Fisher Lane Farm Ltd. Ele é director da Ashtray Music Ltd. Ele é director da Effectsound Ltd. Ele é director da Gelring Ltd. Ele é director da Genesis Music Ltd. Ele é director da Isle of Mull Salmon Farm Ltd. Ele é director da Pennyghael Estates Ltd. Ele é director da TGP 155 Ltd. Ele é director da TGP 156 Ltd. Ele, caso subsistam dúvidas, é músico. Ele vem tocar a Portugal a solo, depois de o ter feito com os Genesis em 1992. Os bilhetes para o concerto dele custam entre 4500 e 6000 escudos (mais 50 a um preço dez vezes superior, os quais darão estatuto de VIP a quem os adquirir). A receita, deste como dos outros concertos, reverte, por desejo expresso dele, a favor dos desalojados dos países por onde passa a digressão. Ele é, por assim dizer, um deus. Ele vale milhões. Ele vem cantar coisas “intimistas” porque, no fundo, ele é um romântico. Ele é Phil Collins. O senhor milhões.