PÚBLICO QUARTA-FEIRA, 10 OUTUBRO 1990 >> Pop Rock >> LP’s
DEACON BLUE
Ooh Las Vegas
LP e CD CBS, distri. CBS port.
Que sórdidos motivos, que inconfessáveis traumas poderão levar um jovem escocês filho de boas famílias, aparentemente são de espírito, a querer ser Paddy McAloon? Cabe aqui informar que Paddy McAloon é a designação comum para a síndrome, vulgar na comunidade pop, que costuma atacar vocalistas masculinos de voz a atirar para o fininho, característica geralmente acompanhada, à laia de compensação, por um crescimento exagerado do ego. Facto que os leva, com uma certa frequência, a perder o sentido de equilíbrio e das proporções.
Paddy McAloon, o original, dos Prefab Sprout, foi aqui examinado há umas semanas atrás. Acha-se génio. Está no seu direito. Nestes casos não convém contrariar demasiado o doente, sob pena de o enervar ou, pior ainda, excitá-lo ao ponto de querer gravar mais discos justificativos da sua paranoia. Os Deacon Blue, ou melhor, o seu vocalista Ricky Ross, sofre da síndrome. Mas o seu caso é ainda mais grave. À perda do sentido da realidade acrescenta-se a total despersonalização, ao ponto da voz, maneira de cantar e de compor se confundirem com as do génio McAloon. Não seria dramático se o desenvolvimento do mal se confinasse ao segredo das instituições e ao silêncio, remetendo o maníaco para o lugar que lhe compete: a reclusão, o colete-de-forças e, sobretudo, a mordaça. Mas não, dão-lhe trela, voz ativa, e quem sofre é a humanidade inteira e, por tabela, o crítico, forçado à escuta atenta da deformidade. “Ooh Las Vegas”, assim se chama o instrumento de tortura. Duplo, ainda por cima. Vinte e três atentados à sensibilidade. Outros tantos golpes impiedosamente vibrados na música pop, já de si não muito bem de saúde. Para Ricky Ross não chega massacrar o ouvinte. É preciso levá-lo à completa agonia, utilizando todos os meios, mesmo os menos lícitos, para levar a cabo os seus negros desígnios. Neste caso serviu-se de “lados B” de singles, maxis e EP antigos (“When will you Make my Telephone Ring”, “Dignity”, “Queen of the New Year”, “Chocolate Girl”, “Love and Regret”, só para referir o primeiro lado), bem como sessões para a peça televisiva “Dreaming”, de William McIlvanney e um ou outro tema original. A monotonia impera. A voz de Ricky irrita, de tanto se esforçar por imitar aquela que bem sabemos. As canções vão passando, passando, a paciência esgotando-se, esgotando-se. Ao escutar títulos como “Back here in Beanoland” ou “Let your Hearts be Troubled”, o cérebro é percorrido por uma sucessão de imagens assustadoras, com o rostos e as vozes de Elton John, Chris de Burgh e de todas aquelas outras personagens tenebrosas que perpetuamente assombram os tops americanos, a divertirem-se na meticulosa tarefa de nos arrasar psicologicamente. Mais um disco como este e também nós ficaríamos a deitar serpentinas pelos ouvidos e a cantar fininho. Será que afinal foi isso que aconteceu a Ricky Ross, depois de ter ouvido o McAloon? “Why? Why? Why? Why? Why?” – pergunta Terry Staunton, do NME, após a audição de “Ooh Las Vegas”. Não indo tão longe, aqui fica, no entanto, uma pergunta de outro estilo: “Porquê? Porquê? Porquê?”
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