Arquivo da Categoria: Post-Punk

Wire – “The A List”

pop rock >> quarta-feira >> 02.06.1993


Wire
The A List
CD Mute, distri. Edisom



Aqui está uma maneira prática e original de organizar uma colectânea: pedir a um grupo de amigos (a lista consta na capa, não vá alguém pensar que foi simulação…) que escolhesse e pontuasse de 1 a 16 valores as melhores 16 canções do grupo. Depois foi só somar os parciais e ordenar a selecção final. Ganhou “Ahead”, com 465 pontos, seguida de “Kidney bingos” com 389, e “A serious of snakes”, com 366. A capa fornece a lista total das 82 canções, incluindo, claro, as 16 “melhores”, com as indicações das respectivas proveniências. Ideia engraçada que serve para recordar alguns bons momentos de uma banda que cobriu de betão a música pop e que soube explorar, por vias paralelas dos seus membros, a faceta mais experimental da sua música. Pena é que o júri se tenha lembrado apenas dos álbuns mais recentes, deixando de lado aquele que fica talvez como o melhor álbum de sempre dos Wire, “154”. Número esquecido neste jogo de números. (6)

Anne Clark – “Anne Clark E Os Anagramas”

pop rock >> quarta-feira >> 26.05.1993


ANNE CLARK e os anagramas



A palavra ocupa lugar central na produção artística de Anne Clark. No seu caso não faz sentido falar de cantora, no sentido tradicional do termo. Ela é antes uma declamadora, uma voz que manipula os sons e o significado das palavras. Poetisa da idade cibernética, talvez.
“The law is na Anagram of Wealth”, assim se chama o seu mais recente álbum gráfico, denota desde logo pelo título esse gosto pela manipulação semântica e fonética. A música funciona como suporte de um discurso desapaixonado, musicalmente apoiado nas sequências repetitivas dos sequenciadores. Tem sido assim até agora. Este novo trabalho, gravado ao vivo, desvia-seporém no sentido de um maior classicismo. Na primeira meia dúzia de temas, o violoncelo constitui o único apoio instrumental dos textos, o que lhe confere outra intensidade dramática e um maior humanismo.
Anne Clark começou a trabalhar em Londres, em 1980, pelos livros, fundando nesse ano, com Paul Weller (The Jam, Style Council), a editora Riot Stories, vocacionada para a divulgação dos novos poetas ingleses, ao mesmo tempo que lançava um fanzine de nova poesia. Seguiram-se a realização de um documentário, “Something else”, sobre o insucesso e dificuldades das editoras livreiras em Inglaterra, que levou à posterior publicação da antologia “Hard Lines”.
Realiza em Croydon, no Warehouse Theatre, espectáculos de música e teatro “new wave”. Em 1982, escreve para o Channel 4 o filme “Isolation – a Sketch for Someone”. O primeiro álbum, “The Sitting Room”, sai nesse mesmo ano. “Changing Places”, o álbum seguinte, inclui o “hit” de culto “Sleeper in Metropolis”. Colabora com Vini Reily, dos Durtti Column. “Joined Up Writing” conta com a colaboração de Virginia Astley. John Foxx (fundador dos Ultravox) participa no álbum número quatro, “Pressure Points”. “Hopeless Cases”, “R.S.V.P.” (ao vivo) e “Unstill Life” procedem o novo álbum “The law is na Anagram of Wealth”, com Martyn Bates e Peter Becker, dois ex-Eyless in Gaza, entre os convidados.
A banda que acompanha Anne Clark a Lisboa (e Porto, no dia seguinte) é formada por Bates, guitarra, Michelle Chowrimmootoo, percussão, Ida Baalsrud, viola de arco, saxofone, Andy Bell, teclados, Gordon Reany, guitarra, e Paul Downing, violoncelo. No Teatro de São Luiz será montada uma banca Greenpeace, organização de que a artista faz parte.
DIA 9, TEATRO S. LUIZ, 22H00

Wim Mertens – “Shot And Echo”

pop rock >> quarta-feira >> 19.05.1993


Wim Mertens
Shot And Echo
CD Les Disques Du Crépuscule, distri. Warner Music, Edisom e Megamúsica



Do mesmo autor de obras que ajudaram a abrir a porta à escola minimalista europeia, como “Vergessen” ou “Maximizing the Audience”, de jardins de melodia “naive”, como “Struggle for Pleasure”, e do radicalismo “pinball machine” de “For Amusement only”, acabou por emergir um suporte estético central que, partindo de uma base barroca, veio a cristalizar-se aos poucos na obsessão por um motivo melódico eternamente recorrente e dissecado até à exaustão. De tanto o escutar, o público decorou-o, reduzindo-o a uma moda, em sucessivas passagens de modelo pela “passerelle”. “Shot and Echo”, que na caixa em edição limitada vem acompanhado por um segundo disco, “A Sense of Place”, simulando o “ensemble” instrumental Soft Veredict, procura sair do labirinto. É visível a busca de soluções tímbricas que rompam o anátema do “agradável” mas estas nem sempre resultam de forma equilibrada. “Silver lining” parte de um diálogo do piano com as deambulações intestinais de uma tuba baixo que progressivamente é contaminado por uma guitarra eléctrica e pela voz, excessivamente onstrutiva, de Katelijne Van Laethem. “Shot one” e “Their duet” são temas bonitos à maneira de Mertens: simples e pianístico o primeiro, salpicado de coros barrocos, por vezes bacocos, o segundo. O resto é o tipo de exercícios de escrita que caracterizam este compositor, nos quais os sons surgem mais da pauta que da alma. Mertens, não obstante as suas “boutades” de místico iluminado, é afinal um matemático. Em casos esporádicos, com asas de anjo.