Arquivo mensal: Abril 2022

Vários – “Cuecas” (televisão)

PÚBLICO SEXTA-FEIRA, 18 MAIO 1990 >> local


Cuecas

MANUEL JORGE ROQUE prossegue corajosamente a sua cruzada em prol da música portuguesa, não sabemos se de algum modo instigado pela severa e sapiente mão legislativa de defesa da mesma. Seja como for, a divulgação da música portuguesa não é, por si só, negativa. A música portuguesa, em geral, é que é negativa. Em termos qualitativos quase sempre não passa de cópia, mais ou menos fiel, de correntes e estilos estrangeiros. Quantitativamente também não estamos melhor. Para além dos intérpretes que realmente vendem e cujo número se conta pelos dedos, existe realmente um lote um pouco maior de aspirantes a figurar nas páginas de mexericos da “Nova Gente”, receber cartas de adolescentes apaixonados ou a ser inflamadamente defendidos ou atacados nos “pregões” do Blitz, sinais inconfundíveis de glória. Felizmente que alguma vergonha ainda impede a mediocridade ou simples nulidade da maioria de tais “projetos” de se estender à vergonha maior do espetáculo televisivo. Assim não causa estranheza o facto de esta semana os nomes em destaque serem Lena d’Água, Xutos e Pontapés e UHF (estes na rubrica “Perfil”), os mesmos de sempre. Não se estranhe pois também que, para variar um pouco, o programa se socorra de estratagemas como os desta semana em que será apresentada uma coleção de cuecas americanas para esta estação. Entre Xutos e cuecas importadas, vive apertada a “nova” música, a muito custo, portuguesa.

Canal 2 às 24h00

Thirteen Moons – “You Will Find Mercy On Your Road”

PÚBLICO QUARTA-FEIRA, 16 MAIO 1990 >> Videodiscos >> Pop


THIRTEEN MOONS
You Will Find Mercy On Your Road
LP e CD Wire, import. VGM


Que tristeza, que melancolia a do mundo habitado por estes suecos para quem a música pop é uma invenção destinada a fazer chorar. “You Will Find Mercy On Your Road” é o terceiro álbum do duo constituído por Goran Klintberg e Anders Holm, após as experiências prévias, bem mais conseguidas, de “Little Dreaming Boy” e “Origins”. As canções que aqui vão bisonhamente desfilando não são boas nem más, passam por nós sem deixar traço, fazem dormir mais que sonhar. Esboços de encontros enfadonhos, amores cinzentos e paisagens desoladas, cantadas ao longe por rapazes precocemente sofredores, lembrando vagamente um David Sylvian ensonado e distraído, vagueando por entre brumas escandinavas. A Suécia não é realmente um lugar propício a grandes entusiasmos e calores, para além dos eventualmente suscitados pelos lendários e salientes traseiros das senhoras dos Abba. A música pop não se dá muito bem com os seus ares e não serão as canções geladas destes Thirteen Moon que farão algo mudar. Brrr…

Peter Scherer & Arto Lindsay – “Pretty Ugly”

PÚBLICO QUARTA-FEIRA, 16 MAIO 1990 >> Videodiscos >> Pop


PETER SCHERER & ARTO LINDSAY
Pretty Ugly
LP e CD Made to Measure, distri. Contraverso



Todos aqueles cuja relação com Lindsay se reduz ao conhecimento dos exercícios funky perpetrados no seio dos Ambitious Lovers ou às brasileiradas espalhadas um pouco por todo o lado, incluindo a aventura a solo “Envy” ou a colaboração no fabuloso e heterodoxo “Homem no Elevador” (“Der Mann Im Fahrstuhl”), da dupla Heiner Goebbels-Heiner Muller, gravado para a ECM, ficam desde já informados que o disco agora em questão não tem rigorosamente nada em comum com as características citadas. Lindsay, juntamente com o produtor e músico Peter Scherer, este último responsável por alguns dos mais excitantes trabalhos na área das músicas de fusão nova-iorquinas (lembremos, por exemplo, os dois volumes de “Comme des Garçons”, com a assinatura de Seigen Ono), propuseram-se desta feita investir direta e descomplexadamente nos territórios frequentemente minados do experimentalismo. Com efeito, “Pretty Ugly”, título simultâneo do álbum e da faixa de 26 minutos que ocupa a totalidade do primeiro lado, é uma teia complexa de sonoridades eletrónicas, entre o ambiental e atonalidades próximas da música concreta, não dispensando os dois minutos cantados em português sub-repticiamente intercalados, por Lindsay, no meio da peça. A estrutura é suportada por alicerces rítmicos computorizados ou pelas percussões tradicionais do brasileiro Cyro Baptista. Naná Vasconcelos também é mencionado na ficha técnica, limitando-se a dar palmas e a assobiar. Jill Jaffe toca violino e viola de arco. O disco, como acontece na maioria das gravações da série Made To Measure, engloba-se na categoria das “músicas de circunstância”, neste caso tratando-se de uma composição comissionada para o ballet do mesmo nome coreografado por Amanda Miller. Brilhante, como a quase totalidade das obras deste catálogo.