Arquivo da Categoria: Blues

Canned Heat – “The Big Heat”

pop rock >> quarta-feira, 17.02.1993
REEDIÇÕES


BOOGIE MEN

CANNED HEAT
The Big Heat
3xCD Emi, distri, Emi-VC



Os Canned Heat são uma lição de história, agora disponível nos seus capítulos fundamentais. Muita gente conhece-os de alguns “boogies” irresistíveis para ajudarem a fazer a transição da década “hippie” para a seguinte. “On the road again”, “Let´s work together” e “Going up the country”, imortalizado na banda sonora do festival de Woodstock.
Os Canned Heat foram os reis do “boogie”, do “rhythm ‘n’ blues” e dos “blues” de pigmentação branca, ao lado dos Bluesbreakers de John Mayall, que aqui tem participações pontuais. Ao longo de quase quatro horas e 54 canções selecionadas por ordem cronológica dos sete álbuns de originais gravados pela banda, o “swing” omnipresente e o típico “falsetto” de Al Wilson fazem cócegas na cabeça e nos pés. O som nem sempre é o melhor, mas a música compensa. Directa, honesta, vivida e sedimentada na estrada. Sem truques nem golpes baixos.
Adolpho “Fito” de la Parra, Larry Taylor (tocou com Jerry Lee Lewis), Al Wilson, Harvey Mandel, Henry Vestine (integrou uma das formações dos Mothers of Invention) e Bob Hite (também conhecido por “o urso”) – núcleo essencial dos Canned Heat – deixaram para a posteridade autênticos compêndios da arte de como ser branco e sentir os “blues”: o duplo “Living the Blues”, de 1969, que inclui uma maratona de 40 minutos de “boogie” ao vivo (“Refried boogie”), “Hallelujah” (1969), “Future Blues” (1970) e “Hooker ‘n’ Heat” (1971), este de parceria com um dos heróis da banda, John Lee Hooker, “bluesman” de eleição. Um entre vários mestres que os Canned Heat não se esqueceram de homenagear: Tommy Johnson (autor de “Canned heat blues”, título aproveitado para o nome do grupo, que designa o efeito de uma droga artesanal, o “sterno”, cuja inalação prolongada podia provocar a morte), Sonny Boy Williamson, James Burke Oden, Eddie Jones, Charlie Patton, Henry Thomas e James Rogers.
Hoje, os Canned Heat já não são os mesmos que eram nos anos de antanho. Dois dos seus principais membros, cuja combinação de vozes conferia à música um cunho pessoalíssimo, abandonaram pelo mesmo motivo: morreram. Al Wilson em 1970, de “overdose”, para uns, ou suicídio, para outros. Bob Hite, onze anos mais tarde, vitimado por um ataque cardíaco (era lendária a sua figura de gordo bonacheirão e bebedor inveterado de cerveja, daí a alcunha por que era conhecido, “The Bear”, “O Urso”, embora “The Beer” também não lhe tivesse ficado mal). Se em “Historical Figures and Ancient Heads”, “New Age” e “One More River to Cross” a magia ainda funciona, após o desaparecimento de “O Urso” (deixou uma colecção de 60 mil discos de “blues” que contribuiu para elaborar a série “Legendary Masters”, editada pela United Artists) ficariam apenas um nome e um naipe de músicos novos que não perderam o gosto pela poeira da estrada.
Atente-se, em “The Big Heat”, na capacidade de recriação da simplicidade rítmico-melódica do “boogie”, no mergulho em profundidade nos “blues” do terceiro disco, na concisão vocal e instrumentação, na harmónica visceral de Al Wilson, nos 20 minutos de “Parthenogenesis”, onde participa o guitarrista convidado John Fahey, que mostram os Canned Heat a dar a volta à “música progressiva”. Como passatempo, tente-se descobrir as faixas em que aparece o piano de Dr. John. Finalmente, perca-se o tino e faça-se como Bob Hite pediu no final de um concerto: “Don’t Forget to boogie!” (8)

Janis Joplin – “‘Blues’ Cósmicos”

rádio e televisão >> quinta-feira, 28.01.1993

DESTAQUE


“Blues” Cósmicos



JANIS JOPLIN nasceu a 19 de Janeiro de 1943 e morreu a 4 de Outubro de 1970. Tinha 27 anos bem vividos. Vividos de mais. O programa desta tarde celebra o aniversário de nascimento da cantora que ao alado de Jimi Hendrix e Jim Morrison formou a tríade maldita do rock nos anos 60. Não chega a meia hora de programa. Pouco, para quem, como ela, ensinou às mulheres o desempenho, em música, de outros papéis além das doçuras hippies personificadas por gente como Joan Baez, Judy Collins e Melanie.
Era branca mas tinha a voz e a força interior de uma negra (embora os negros não se deixassem impressionar. Alguém da editora Stax criticou mesmo com alguma dureza uma actuação de Janis Joplin em Memphis, 1968). Como tal, Janis amava os “blues”, que interpretava de forma pessoal. Dos “blues”, dos seus “blues”, fez literalmente um modo de vida. Os “blues” que haveriam de consumi-la depois de lhe concederem a glória, num álbum que marcou a sua época: “I Got Dem Ol’ Kozmic Blues Again, Mama”.
Enquanto cantava, Janis Joplin gozava e sofria em doses iguais. Foi assim durante o relâmpago que iluminou a sua vida e a sua carreira. Até outra dose. Esta mortal, a levar para onde a inspiração dispensa o sacrifício da carne. Em palco, Janis libertava-se. Melhor dizendo, excedia-se. Entregava-se. Essa entrega, como quase sempre acontece a quem não pode ou não quer parar, foi-lhe fatal. Garrafa de “whisky” na mão, cabelos em desalinho, rosto de criança sulcado por rugas precoces, compunham a imagem da cantora rebelde que, afinal, se expunha para se esconder.
Mas era a voz, rouca, gutural, moldada pelo álcool e sustentada pela heroína, que causava assombro. Uma voz que chorava. Uma voz que gritava. Uma voz que se deixou aprisionar em disco em três álbuns apenas: “Cheap Thrills”, gravação ao vivo de 1968, com os Big Brother and the Holding Company, “I Got Dem Ol’ Kozmic Blues Again, Mama”, a obra-prima de 1969, e “The Pearl”, último de originais, de 1971, deixado incompleto por causa da “overdose” de heroína que um ano antes pusera fim à sua vida.
Fizeram-se posteriormente algumas compilações: “Janis” (banda sonora de um documentário realizado em 1974), “Anthology” (1980), “Farewell Song” (1982 e uma biografia, “Buried Alive”, 1973, por Myra Friedman. Bette Midler não conseguiu destruir o mito, na reencarnação em registo de histeria que fez da cantora, em “The Rose”. Hoje já ninguém fala muito de Janis Joplin – “The Pearl”, como ficou conhecida para a posteridade. O programa desta tarde não chega a meia hora.
Euroritmias
TV 2, às 15h30

Bob Dylan – “Mudam-se Os Ventos, Mudam-se As Vontades” (televisão)

rádio e televisão >> terça-feira, 19.01.1993

DESTAQUE


Mudam-se Os Ventos, Mudam-se As Vontades



O HOMEM é um mito. Símbolo de uma América marginal nada e criada no pacifismo “hippie” dos anos 60. Bob Dylan fez da palavra a sua arma, numa época em que a mensagem valia acima de tudo. O maior poeta do rock. Um génio. Desafina. Um traidor e um vendido que canta uma coisa e faz outra. De tudo já chamaram a Robert Allen Zimmerman, a quem, por comodidade de escrita, passaremos a chamar Bob Dylan. Ele esteve-se sempre nas tintas para o que lhe chamaram. Chamem-lhe Fred ou “acabado” que ele prosseguirá imperturbável o seu caminho. Há poucos meses, espantou meio mundo com um novo álbum onde interpreta em exclusivo temas tradicionais, apoiado numa guitarra acústica, na voz nasalada e na harmónica de sempre.
É esta figura lendária, este gigante da música popular, enfim, alguém cuja música não aprecio especialmente mas a quem reconheço um certo estatuto, que alguns colegas, da sua e de gerações mais novas, homenagearam num espectáculo realizado a 16 de Outubro do ano passado, no também mítico Madison Square Garden. Que ao mesmo tempo serviu para celebrar 30 anos de gravações do músico na editora Columbia.
Entre os homenageantes figuravam algumas “trutas” do “AOR” (“adult orientated rock”), que é uma maneira airosa de definir quem se habituou a descansar sobre o colchão dos tops (Willie Nelson, Eric Clapton, George Harrison, Tom Petty), mas também um “outsider” que, pelo contrário, jamais se acomodou ao que quer que fosse (Neil Young) e ainda uma cantora careca que errou na profissão (Sinead O’Connor). Esta última, protagonista do célebre episódio de acusação ao Papa, teve honras de receber, em pleno concerto, uma vaia monumental de desaprovação, deixando no ar a suspeita de a audiência ser na maioria constituída por elementos do Vaticano. Dylan, conta quem esteve lá (e esperemos que a RTP mostre o episódio), não terá pronunciado uma palavra de apoio ou de conforto à rapariga, que se desfez em lágrimas. O que, por seu lado, vem mostrar até que ponto o outrora “cantor de protesto”, autor de “Blowin’ in the wind”, se encontra ligado aos meios eclesiásticos.
O velho Bob esqueceu-se por certo de uma digressão que efectuou em 1966, quando o público reagiu mal a uma alteração de estilo do cantor, mimoseando-o com assobiadelas monstruosas e objectos atirados para o palco. “The times they are changin’”, é verdade. Mudam-se os ventos, mudam-se as vontades, e o espectáculo, em ambos os casos, teve de continuar.
Espectáculo que a RTP dividiu em três partes, completando-se a série, em princípio, a 26 de Janeiro e 2 de Fevereiro. Com todos os matadores.
Canal 2, às 00h35