Arquivo mensal: Abril 2009

Ramuntcho Matta & Samon Takahashi – Soundcards from Chile

12.02.1999
Ramuntcho Matta & Samon Takahashi
Soundcards from Chile (8)
Ed. e distri. Ananana

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“Domino One”, editado em 1981 na Made To Measure, deu a conhecer em Portugal o nome do compositor chileno Ramuntcho Matta. Um álbum de extrema depuração e originalidade que combinava samples de chapinhado na água e de galináceos com instrumentação mais convencional, para criar um ambientalismo naturalista a que não eram alheias certas concepções rítmicas dos Can. “Soundcards from Chile”, composto para o pavilhaõ do Chile na Expo-98, representa o corolário lógico deste sistema de trabalho, apresentando-se sob a forma de “postais sonoros” inteiramente elaborados com sons samplados e, postaeriormente, manipulados através de diversos programas (especialmente um chamado “Groovemachine”) em computadores Power MacIntosh. Matta compôs a música, usando samples de ruídos da natureza, vozes (um cantor da Mongólia, uma índia chilena, a sua filha, etc.) e instrumentos pré-colombianos, ficando o “design” sonoro e processamento finais a cargo de Samon Takahashi. O resultado é uma música nocturna, se sussurros electrónicos e lamentos sobrenaturais, cheia de pormenores, por vezes quase subliminares, que tanto evoca o silêncio audível de Steve Moore (de “A Quiet Gathering”) e Jocelyn Robert (de “Folie/Culture”), como o lado mais ambiental do mexicano Jorge Reyes ou a mobília sonora dos Social Interiors. Para ouvir às escuras fechado num quarto.

Robin Williamson – Dream Journals 1966-76 (conj.)

22.01.1999
Reedições
Obrigado, Cristo Pela Bomba
Os “blues” e a paranóia, o rock sinfónico e a poesia de um bardo celta – três apontamentos nas margens dos anos 70.

Os Groundhogs nasceram no final dos anos 60, isnpirados pelos “blues” de John Lee Hooker e pela pop dos Beatles e dos Kinks. Mas é no início da década seguinte que o grupo do guitarrista Tony McPhee atinge a maturidade e a popularidade. “Thank Christ For the Bomb”, de 1970 (reedição remasterizada), terceiro álbum da banda, reflecte a nota de estranheza que sempre caracterizou a música do grupo. A temática antibelicista, perspectivada com uma ironia e uma crueza pouco habituais na época, funciona como suporte de uma música assombrada por melodias aveludadas (John Peel tocou até mÀ exaustão o tema “Soldier”, cujas mudanças de tom e “nuances” vocais deixam adivinhar a presença fantasmagórica de Paul McCartney e Ray Davies…) e uma leitura dos “blues” pautada pela suavidade. Uma sonoridade estranha, fora do tempo e das regras de um estilo, “os blues”, que tony McPhee condensa no formato guitarra/baixo/bateria de forma inigualável.
Esta estranheza acentua-se em “Split”, de 1971, com reedição também remasterizada. “Split” disseca a paranóia e a dissociação de personalidade sofridas por McPhee, na consequência de um “flipanço” (seis meses de “bad trip”, incluindo a ressaca…) provocado pela ingestão involuntária (?) de LSD. A guitarra explode literalmente, nas quatro secções que compõem o título-tema, em solos de uma violência, intensidade e experimentação sónica que tocam o génio de Jimi Hendrix. O público britânico vibrou com o sofrimento e fez de “Split” um dos álbuns mais vendidos de toda a carreira dos Groundhogs – chegando ao 5º lugar do top.
“Hogwash”, de 1972, já com Clive Brooks, ex-Egg, no baixo, em substituição de Pete Cruickshank (que nunca chegou a recuperar a sanidade mental, também ele exagerando na dose de LSD…), introduz pela primeira vez a electrónica na música dos Groundhogs, acentuando ainda mais a dicotomia entre a força e a simplicidade emocional aprendidas com os mestres dos “blues” e um lado mais conceptualista e abstracto que McPhee constrói com o “mellotron” e uma panóplia de sintetizadores. Entre os “blues” psicadélicos e uma mutação aberrante da música cósmico-progressiva, “Hogwash” infecta como uma bactéria demoníaca. (BGO, Distri. Megamúsica, 8, 8, e 8)

Curiosamente, em paralelo com estas três reedições, foi lançado no ano passado um novo álbum dos Groundhogs, “Hogs in Wolf’s Clothing”, que assinala o regresso de Tony McPhee às origens, com uma colecção de versões de temas de outro dos seus heróis, Howlin’ Wolf, “bluesman” do Inferno, do abandono e do desespero absolutos. Uma viagem através da noite e da solidão, com a guitarra eléctrica de McPhee galgando até aos limites da desolação. (HTD, Distri. Megamúsica, 7)

No extremo oposto do espectro da música dos anos 70, estão os Strawbs. “Hero and Heroine” e “Ghosts”, ambos editados em 1974, regressam remasterizados, como exemplo de uma música que nessa altura já deixara para trás a herança folk dos primeiros álbuns e superara o trauma provocado pela saída de Rick Wakeman. Nasciam os grandes instrumentais e as profundas tiradas poéticas típicas do rock sinfónico, na sombra dos Genesis e da herança dos Beatles, para onde Dave Cousins, vocalista de inquestionável carisma, empurrara o grupo. Sem atingir o brilho e a originalidade dos anteriores “From the Witchwood” e “Grave New World”, os Strawbs aproximavam-se aqui do fim de uma carreira, que se foi esvaindo num rasto de teatralidade e elegância. (A&M, import. Lojas Valentim de Carvalho, 6 / 6)

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LINK (American Stonehenge – 1978)

Ao contrário de Dave Cousins, Robin Williamson é um verdadeiro bardo. O cantor e multi-instrumentista dos Incredible String Band, extinta a sua parceria, nesta banda, com Mike Heron, pegou na harpa, viajou para a sua Escócia natal e perdeu-se nas névoas da mitologia e música célticas. Não é bem o caso de “Dream Journals 1966-76”, fragmentos instrumentais e peças declamatórias (exploradas por Williamson nos Merry Band), que o músico recuperou e alterou para criar um novo painel de sonhos onde o surrealismo se cruza com a magia das histórias e lendas que o ex-Incredible String Band narra de forma quase radiofónica. “Dream Journals” devolve-nos o prazer da escuta da palavra. Da sua música, dos seus desenhos, das suas entoações mágicas. (Pigs Whisker, import. Virgin, 7)

XTC – Wasp Star (Apple Venus, Volume 2)

07.07.2000
O Ferrão Da Estrela
XTC
Wasp Star (Apple Venus, Volume 2) (8/10)
Cooking Vynil, distri. Megamúsica

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LINK
pwd: warezqueens.com

Quando se fala em canções pop onde a sofisticação se casa com a tradição, a modernidade com o experimentalismo e a excentricidade com a qualidade, o nome dos XTC acorre imediatamente ao pensamento. Com inteira justiça. Desde que em 1978, em plena ressaca punk, lançou o clássico “White Music”, nunca mais a banda hoje liderada pela dupla Andy Partridge e Colin Moulding, sempre que em período de actividade, deixou de liderar o grupo restrito de bandas que ultrapassaram três décadas de actividade. Herdeiros da veia melódica dos Beatles (há mesmo em “Wasp Star” um tema, “Wounded horse”, em que John Lennon parece ter ressuscitado…) e dos Kinks, passaram pelo psicadelismo, o funk branco (o que levou a que fossem apelidados de Talkink Heads britânicos) e a pop barroca orquestrada segundo os canônes lavrados por Phil Spector, levada às últimas consequências, o ano passado, no anterior e primeiro volume de “Apple Venus”. Neste álbum, aclamado pela crítica como um dos melhores do ano, os XTC refinaram tanto quanto era possível a produção e os arranjos, assinando um dos álbuns clássicos da pop dos anos 90.
A continuação musical deste planeta em forma de maçã, pelo contrário, está a ser mal recebida pela mesma crítica, com os elogios a serem substituídos por um sem-número de reservas, apontando-se como principal defeito a linearidade e menor empenho posto nos arranjos. A escuta atenta de “Wasp Star”, “a estrela-vespa”, confirma as suspeitas desde logo levantadas pela gravura da capa – onde o tal planeta maçã aparece mergulhado na obscuridade, apenas deixando antever em volta uma auréola de luz, como num eclipse – de que o álbum é o negativo do anterior; de que a luminosidade excessiva se apagou, para deixar ver outra coisa que em “Apple Venus, Volume 1”, de taõ ofuscada pela luz, dificilmente podia ser apreciada em detalhe. Essa “outra coisa” é afinal o essencial em toda a obra dos XTC e em particular neste novo álbum: a arquitectura das canções, a composição da melodia e do ritmo nas suas componentes mais directas, ao invés do que acontecia em “Apple Venus, Volume 1”, onde a sumptuosidade dos arranjos tudo ofuscava com a sua imponência.
“Wasp Star” “reduz “ o suporte instrumental ao clássico formato guitarra, baixo, bateria e alguns teclados, estando nalguns casos mais próximo do rock do que da pop, se é que esta separação faz ainda algum sentido. Sendo uma continuação, “Wasp Star” é acima de tudo como um corpo ricamente vestido ao qual tivessem sido retiradas todas as roupagens supérfluas, para deixar ver a beleza das formas, despojadas de todo o artifício. Como Andy e Colin já tinham anunciado por ocasião da edição do anterior volume, o novo álbum acolhe com redobrado ânimo a energia das guitarras eléctricas e o resultado é mais uma colecção de grandes canções que picam como o ferrão de uma vespa: “Playground”, “Stupidly Happy” (alguma crítica pegou na deixa, usando o título para ironizar sobre o grupo), “My Brown Guitar”, a fabulosa “Boarded Up”, “We’re all light”, “Standing in for Joe”, “You and the clouds will still be beautiful” (um regresso à power pop dos primórdios), “The Wheel and the maypole” que, de uma vez por todas, inscreve nas enciclopédias o termo “pop de câmara”).
Se “Apple Venus, Volume 1” era o “Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band” dos XTC, “Wasp Star” é o seu álbum branco. E também neste caso o tempo fará justiça às suas qualidades. Para ouvir até se gastar a rodela do CD. Ou até os XTC regressarem com um novo golpe de rins e mais uma caixa de canções com o rótulo “perfeição”.