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Frank Zappa – “Frank Zappa Morre Vítima De Cancro – O Pai Da Invenção” (obituário)

cultura >> terça-feira, 07.12.1993


Frank Zappa Morre Vítima De Cancro
O Pai Da Invenção



“Estamos nisto apenas pelo dinheiro”, dizia o título de um álbum dos Mothers of Invention. A provocação durou quase 20 anos, durante os quais Frank Zappa criou uma obra onde o humor cáustico, o virtuosismo instrumental e a experimentação inventaram novas formas para o rock. A arte, como a política, usou-as com a habilidade de um prestidigitador.
Chamaram-lhe génio, pervertido e impostor. Zappa achou sempre que o aplaudiam “pelas razões erradas”.

Frank Zappa, o grande sátiro do rock, morreu na noite de sábado na sua residência em Los Angeles, com 52 anos de idade, vítima de um cancro na próstata. A notícia chegou assim, com a frieza de um boletim clínico, como algo de inevitável e de há muito esperado.
O pais das mães (ou seja, seu avô comum) da invenção morreu. Os escândalos, as provocações e as posições incómodas que sempre defendeu, contra o “business” e a sociedade norte-americana em geral, deixaram de chocar uma América hipócrita que pode finalmente engolir e digerir com prazer e segurança aquilo que antes condenara mas agora consente como sendo apenas as excentricidades de um génio. Com o seu desaparecimento perdeu-se, e isto é o mais importante, um músico que revolucionou por completo os sons, a pose e as ideias da música Rock. Já para não falar dos bigodes.
Zappa, um dos últimos nomes que figuram na Enciclopédia da música popular deste século, nasceu a 21 de Dezembro de 1940. Passou os anos da juventude a ouvir Varese, a escrever bandas sonoras para filmes de série B, a fazer gravações pornográficas e, por consequência, a ser preso. Em 1967 resolveu tirar dividendos deste tipo de actividades e a gravar discos, tornando-se deste modo um dos maiores terroristas musicais que a História conheceu. Nesse mesmo ano em que os jovens de ambos os lados do Atlântico se enfeitavam com flores e falavam de paz, Frank Zappa, com os Mothers of Invention, entrava a matar, despedaçando o mito “hippie”, em “We’re in it only for the Money”, álbum que satiriza, desde a “pastiche” da capa, o mito máximo dessa filosofia, o monumental “Sgt. Peppers” dos Beatles. Antes, a sua veia satírica exercitara-se a gozar os clássicos dos anos 50 – osmesmos que habitam o núcleo da sua música – na estreia “Freak Out”, para em “Absolutely Free” deitar por terra a hipocrisia e o falso bem estar da América do põs-guerra.

Manifestos Da Loucura

Continua no mesmo andamento até ao fim, expondo à luz do dia os tabus mais secretos das sociedades modernas, acumulando gozo e perversões (conta a lenda que durante um concerto na Alemanha anterior à queda do Muro, Zappa conseguiu excitar a audiência ao ponto de convencê-la a fazer em peso a saudação nazi) e gravando para a posteridade álbuns em que deixou patentes, além do seu virtuosismo na guitarra, o seu génio de compositor e arranjador. São cerca de 50 obras que esticaram os limites da música popular, com o estatuto de manifestos da loucura: “Cruisin’ with Ruben and the Jets”, uma paródia ao rock ‘n’ rol, “Uncle Meat” (com Jean Luc Ponty no violino, que homenageia e interpreta a sua música no álbum “King-Kong: Jean Luc Ponty Plays the Musico f Frank Zappa”), “Weasels Ripped my Flesh”, “Burnt Weeny Sandwich”, os hilariantes “Overnite Sensation” e “Roxy & Elsewhere”, gravado ao vivo. Já com o nome próprio, assinou a obra-prima “Hot Rats”, “Chunga’s Revenge” (com outro grande violinista, Don “Sugarcane” Harris), o épico-musical “200 Motels”, “The Grand Wazoo”, “Sheik Yerbouti”, “Joe’s Garage” e “Them or Us”, entre dezenas de obras importantes.
A Frank Zappa se deve ainda ter dado a conhecer ao mundo a visão musical tresloucada de três personalidades “sui generis”: o genial, Don van Vliet, aliás Captain Beefheart – de quem produziu o clássico “Trout Mask Replica” e com quem gravou “Bongo Fury” -, um louco verdadeiro, o cantor e animador de rua Wild Man Fischer, cuja demência fiocou registada no inenarrável “Na Evening with Wild Man Fischer”, e, mais maquilhado antes de se dedicar ao golfe, o homem das serpentes (por acaso até perdeu uma delas na sanita da casa de banho) e do “glamour” sanguinolento, Alice Cooper. A sua costela decadentista e provocatória levou-o a produzir o grupo de “groupies” depravadas GTO (Girls Together Outrageously).Em anos mais recentes Frank Zappa compôs o bigode e testou a sua música em tipologias de todo afastadas do rock e da Pop: a experimentação com o computador Synclavier, traduzida em trabalhos como “Mothers of Prevention” ou “Jazz from Hell”, uma colaboração com Pierre Boulez em peças de bailado interpretadas pela Ensemble Intercontemporain que fazem parte de “The Perfect Stranger and Other Works”, a escrita de partituras clássicas e a direcção de orquestras sinfónicas. O humor, esse nunca desapareceu. Uma das peças, encomendadas pelo IRCAM, de Boulez, incluídas em “The Perfect Stranger”, é, segundo Zappa “sobre um vendedor de aspiradores e uma dona de casa desleixada”.

Zappa Candidato

Ficaram célebres algumas considerações do artista sobre a cena musical (“não se pode saber se a música é boa se ela nos atinge no traseiro”) ou personagens dos “media” (jornalistas de rock “são pessoas que não sabem escrever e entrevistar pessoas que não sabem falar para pessoas que não sabem ler”).
Em 1969, durante uma digressão pelo Canadá, desfez pela primeira vez os Mothers of Invention, alegando que o público “aplaudia pelas razões erradas”. É o Frank Zappa intervencionista, sempre acutilante e pronto a pôr o dedo nas feridas. As letras dos discos eram, em certos casos, de fazer corar de vergonha até um tomate, como as de “Uncle Meat” (meia hora de dissertação pornográfico), “Does it hurts when I pee”, “Dinah – moe humm” (que conseguia que todos os homens conjugassem o verbo vir na forma reflexa) ou “Darling Nikki” (apologia da masturbação feminina) ou então autênticas heresias como a frase “God is stupid and a little ugly on the side” (de “You are what you is”, dirigido a Michael Jackson). Os “gays” não lhe perdoaram ter escrito “He’s so gay”. Os judeus sentiram-se ofendidos com “Jewish princess”.
Quando a censura norte-americana, através da criação da “The parents Music Resource Center, decidiu intervir, propondo uma classificação etária para os discos considerados “obscenos” ou de alguma maneira ofensivos para a moral, Frank Zappa insurgiu-se de imediato contra a principal promotora desta iniciativa, Tipper Gore – mulher do senador e vice-presidente dos democratas e actual colaborador de Clinton, Albert Gore – chamando-lhe, em pleno senado, a ela e a outras “esposas de Washington”, “um grupo de donas de casa chateadas”.
Empenhamento que, meio a brincar meio a sério, levou Zappa a apresentar-se como candidato independanete às eleições presidenciais americanas, em 1992. Na altura, o músico declarou que seria fácil vencer “sem precisar sequer de sair de cas”. “As eleições vão ser tão aborrecidas, um enorme bocejo, que as companhias de televisão farão bicha para me entrevistar”, disse. Só por manifesta má vontade dos eleitores Zappa não ganhou.
No ano anterior, o Presidente checo Vaclav Havel, mais liberal e decerto com maior sentido de humor, nomeara-o adido cultural no Ocidente.
Antes de morrer, Frank Zappa editara o álbum “The Yellow Shark”, previsto para ser executado ao avivo, com direcção sua – o que não chegou a acontecer -, pela Orquestra Sinfónica de Berlim. Acabara de terminar outra obra, “Civilization, Phase III”, a editar na próxima Primavera. Com a sua morte foi também parte dessa civilização que se perdeu. Da arte feita e vivida com humor. Humor que seria negro ou não seria humor, como dizia André Breton.

Slapp Happy – “Slapp Happy / Desperate Straights”

pop rock >> quarta-feira, 13.10.1993


SLAPP HAPPY
Slapp Happy / Desperate Straights
Virgin, import. Contraverso



Por vezes acontecem coisas como uma reedição histórica que aparece sem fazer ondas, discreta, a chamar baixinho por quem a conseguir distinguir entre a confusão. O objecto em questão é um compacto simples onde couberam dois discos que são outras tantas preciosidades. A primeira, “Slapp Happy”, é o segundo álbum, após “Sort of”, do trio cujos membros viriam mais tarde a dar cartas: Dagmar Krause (a cantora alemã amante, salvo seja, de Brecht e Weill, mais tarde recrutada para as fileiras dos Art Bears), Anthony Moore (nunca me cansdarei de repetir: “Flying doesn’t Help” é uma das obras-primas absolutas do rock com neurónios) e Peter Belgvad (excêntrico que ajudou a dar vida aos Faust e Golden Palominos, tendo gravado por sua vez um álbum de excepção: “The Naked Shakespeare”). Acrescente-se que os Slapp Happy são o grupo ao qual os Young Marble Giants e, posteriormente, os Devine & Statton tudo devem.
“Slapp Happy”, de que existe uma segunda versão, “Acnalbasac Noom” (“Casablanca Moon”, o tema de abertura, ao contrário), com acompanhamento exclusivo dos Faust, é pop em equilíbrio sobre o arame, a grande altitude e sem rede, colhendo lá do alto os frutos maduros das árvores musicais adjacentes. A Lua faz das suas: no “jazz” de cabaré enfeitado com uma “Slow moon’s rose” que se deixa embriagar por um cocktail mambo, em “Casablanca Moon”; a mini-opereta, “Me and Parvati”, invadida pelo psicadelismo de faz-de-conta de “Mr. Rainbow”, entre outros malabarismos. Cada pequena canção é uma curta-metragem surreal, um quadro com vida – por vezes bastante estranha – e cor próprias. E podem trocar-se as referências que continua tudo a bater certo.
Jean-Hervé Peron, dos Faust, Roger Wooton (ex-Comus), Andy Leggett (Whole World, de Kevin Ayers), Keshave Sathe (de uma das formações de John Renbourn) e Geoff Leigh (dos primeiros Henry Cow) associaram-se a este projecto sem paralelo onde de génios e loucos todos t~em um pouco.
Vai mais longe “Desperate Straights”, metade do par de álbuns resultantes da fusão dos Slapp Happy com os Henry Cow, assumindo os primeiros um papel de maior peso, enquanto em “In Prise of Learning” são, pelo contrário, os Henry Cow que tomam o comando das operações.
Incluo “Desperate Straights” na minha lista pessoal dos dez melhores álbuns de sempre. Ressalta da audição uma impressão imediata de um momento irrepetível onde tudo confluiu para a criação artística ao mais alto grau. Depois “Desperate Straights” tem visão, e de longo alcance, conseguindo além disso criar um ambiente de imagens e o espírito únicos de uma Europa crepuscular. Cada “canção” ergue-se como uma catedral gótica a acenar com tradições milenárias. Obra impregnada de um humor trágico, fruto envenenado de uma “Bad Alchemy”, só comparável ao dessa outra, também prima, que é “Rock Bottom”, de Robert Wyatt, “Desperate Straights” não tem explicação. É um arrepio pela espinha. Um conto de Lovecraft na era atómica. Instantâneos de cidades povoadas de torres e castelos em ruínas onde assomam os rostos monstruosos de gárgulas iluminadas por néons mortiços. Bartok, Stravinsky, Mahler e Satie encontram-se nas sombras destas urbes imaginárias, que Schuitten não desde nharia desenhar, ao som do “Messias” de Haendel. “Europa” a dançar a valsa dos danados. Antes que o colapso e a cacofonia, perturbentemente profética, do tema final, “Caucasian lullaby”, provoquem a derrocada final. A guitarra de Fred Frith voa a grande altura, Chris Cutler inventa as batidas de um contingente rítmico inteiro. Tim Hodgkinson (The Work) e John Greaves (National Health, por exemplo, outro dos génios ignorados a quem o tempo há-de fazer justiça) empenham-se por seu lado em deixar marca numa obra que perdurará para a posteridade. E, claro, os tr~es Slapp Happy, com a voz de Dagmar Krause em desempenho de alto nível, menosligeiros, a encabeçarem um cortejo de primeira classe – naquele comboio de cuja linha só muito poucos conhecem as estações… – onde seguem Pierre Moerlen (Gong), Mongezi Feza (já falecido, tocou trompete com Robert Wyatt, precisamente em “Rock Bottom” e “Ruth is Stranger than Richard”), Lindsay Cooper (Henry Cow, Art Bears, tudo o que de mais moderno se vem fazendo em Inglaterra), Mont Campbell (Egg, uma das bandas importantes e menos conhecidas da cena de Canterbury) e Nick Evans (da corrente “free” inglesa dos anos 70, participou em “Lizard” e “Red”, dos King Crimson). Um portento. (10)

John McLaughlin, Al Di Meola e Paco de Lucia – “Lendas das Guitarras” (concerto | antevisão)

pop rock >> quarta-feira >> 26.05.1993


LENDAS DAS GUITARRAS

“Friday Night in San Francisco” registou nos finais dos anos 70 o conjunto de guitarras de John McLaughlin, Al Di Meola e Paco de Lucia. Os três actuaram em espectáculos separados no festival “Lendas da Guitarra”, realizado no ano passado em Sevilha, onde também participou outro guitarrista de nomeada, Vicente Amigo. É este quarteto de “virtuoses” que se vai apresentar no nosso país, aos quais se juntará ainda, na qualidade de convidado, o português Luís Fernando, actual “axeman” da banda de Adelaide Ferreira.
Pioneiro dos cruzamentos jazz-rock, com os Mahavishnu Orchestra, e do jazz com a música indiana, nos Shakti, John McLaughlin é um dos guitarristas que marcaram a música popular deste século. Possuidor de uma técnica espantosa, tanto na guitarra eléctrica como na acústica, fez parte de bandas lendárias dos anos 70 – Graham Bond Organization, Brian Auger’s Trinity, Tony Williams Lifetime – e tocou, entre outros, com Gunter Hampel, John Surman, Jimi Hendrix, Dave Holland, Wayne Shorter, Charlie Haden, Larry Shankar e Carlos Santana. E com Mils Davis, nos clássicos “In s Silent Way” e “Bitches Brew” que ajudaram a inventar uma nova voz para a guitarra. “Extrapolations”, a solo, “The Inner Mounting Time Flame” e “Birds of Fire”, na Mahavishnu Orchestra, perduram como bons exemplos dos tempos em que o jazz buscava alento noutras músicas.
Paco de Lucia e Vivente Amigo representam duas gerações diferentes da guitarra de flamenco. “Monstro sagrado” e autor de obras como “Fantasia Flamenca”, “Fuente e Caldal”, “Almoraine”, o “Concerto de Aranjuez”, de Joaquin Rodrigo, e “Zyriab”, o primeiro, benjamim mas já senhor de muitos dos segredos do “duende flamenco”, o segundo. Os dois já actuaram em Portugal em concertos memoráveis que deram a escutar a vibração e o fogo da alma cigana no contacto com o jazz e com as surpresas da improvisação. Completa este quarteto de luxo Al Di Meola, outrora membro de outra grande banda de jazz-rock, os Return to Forever, de Chick Corea e Stanley Clarke, e argonauta das experimentações electrónicas com o Synclavier.
DIA 25, CAMPO PEQUENO, 22H00