Arquivo da Categoria: Avant-Rock

Miranda Sex Garden – “Fairytales Of Slavery”

pop rock >> quarta-feira >> 06.07.1994


Miranda Sex Garden
Fairytales Of Slavery
Mute, distri. BMG



Vozes femininas. O quê, mais vozes femininas? A música torna-se cada vez mais domínio das mulheres. Com saias e decotes. Sensual. Devemos submeter-nos, protestar ou afundar-nos, ó velha guarda machista da guitarra eléctrica e cabedal? O caso das Miranda não permite avançar grandes respostas. As Miranda Sex Garden eram três meninas que, no início de carreira, cantavam madrigais tecnológicos “a capella”. Depois meteram-se com más companhias e com uns rapazes à atirar para o agressivo – Nick Cave, Barry Adamson, Enstürzende Neubauten… – e os discos passaram a reflectir essa mudança. Principalmente porque os Einstürzende, que, como toda a gente sabe, têm da música uma visão de operários metalúrgicos, nas pessoas de Alexander Hacke, o produtor, e F. M. Einheit, a esfregar pedras e num mavioso fundo de berbequim (2Transit”), tomaram conta da ocorrência. A pureza das vozes foi infectada por descargas de produtos tóxicos. Guitarras distorcidas abriram fendas no quarto de bonecas e desataram a escaqueirar os brinquedos. As percussões aproveitam para rachar a torto e a direito. O sexo, antes motivo para jogos ambíguos e infantis, dá agora cobertura ao deboche, não só o metafísico. Veja-se a pose delas numa das fotos da capa e a sugestão de chicote, meias de rede e botas de cano alto do título. As meninas cresceram, não há dúvida. A música engordou. (6)

Yosure Yamashita & Bill Laswell – “Asian Games”

pop rock >> quarta-feira >> 08.06.1994


Yosure Yamashita & Bill Laswell
Asian Games
Verve XXX, distri. Polygram



Gravado em 1988, “Asian Games” acabou por ser editado apenas no ano passado mas nem por isso perdeu uma parcela do seu interesse. O projecto resultou de uma sessão de estúdio de Yamashita, pianista de jazz, com Ryuichi Sakamoto, na altura ocupado com a banda sonora de “The Last Emperor”. Avesso à utilização de samplers e sintetizadores, Yamashita cedeu, por fim, a manipular toda a tecnologia digital posta à sua disposição pelo ex-Yellow Magic Orchestra com a ajuda de Bill Laswell, cuja marca em “Asian Games” é determinante. O cruzamento da techno japonesa dos YMO com o etno-funk dos Material serve de base às divagações jazzísticas do pianista, em trabalho improvisacional e exploratório, como acontece em “Napping on the bamboo” ou, simplesmente, como em “Melting pot”, fazendo ornamentações enquanto a enxurrada de ritmo o empurra para as pistas de dança do quarto mundo. No horizonte, avista-se a metrópole híbrida dos The President, de Bobby Previte e Wayne Horvitz. “Asian Games” é notoriamente um álbum feito, antes de mais, pelo prazer do diálogo e do risco partilhado. Receptáculo de cumplicidades a que se juntaram outros dois nomes da “downtown” nova-iorquina e companheiros de luta de Laswell, Nicky Skopelitis e Alyb Dieng. Jogos asiáticos, lúdicos não tanto por constituírem um manancial de descobertas mas, acima de tudo, como lugar de encontro de sensibilidades que souberam ultrapassar as divergências. (7)

Jon Hassell – “Dressing For Pleasure”

pop rock >> quarta-feira >> 04.05.1994


Jon Hassell
Dressing For Pleasure
Warner, distri. Warner Music port.



“City: Works of Fiction” e, em particular, o “single” retirado deste trabalho, “Voiceprint”, forneciam já alguns indícios do que poderia vir a tornar-se a música de Jon Hassell. “Dressing For Pleasure”, subintitulado “The Rebirth of the Virtual Cool”, transpõe a música do chamado “quarto mundo” dos anteriores trabalhos do trompetista pára um palco urbano. A selva agora é a cidade, cadinho de um novo tribalismo que nos ritmos de dança encontra os seus cogumelos mágicos de transe colectivo. No fundo, e a dar razão ao subtítulo do disco, Hassell procede aqui de maneira idêntica à de Miles Davis quando este ligou a linguagem do “cool” ao “ghetto” e à negritude. Só que, no caso de Hassell, houve o cuidado de acrescentar ao híbrido o termo “virtual”. De facto “Dressing For Pleasure” é como que um caleidoscópio onde se entrechocam os referentes da cultura “hip-hop”, o “acid-jazz”, o “dub”, o “Space funk”, a música de dança e, nas faixas sinalizadas, o mesmo “rap” alucinogénico que Annette Peacock ensaiou em “Abstract Contact”, um disco cujo título de resto, coincidência ou não, aponta para uma mesma ordem de valores. Síntese global apenas possível pela via da tecnologia e da simulação, o quarto mundo, este ou outro qualquer, nunca existiu senão ao nível do imaginário e de um “ser” e “estar” meramente conceptuais. Afinal, o mesmo que os Yello, de uma forma paródica, têm vindo a fazer desde há mais de uma década. E não é de certeza a imaginação que nos faz reconhecer numa faixa como “The gods, they must be Crazy” mais do que uma semelhança com a música daquele grupo suíço. É assim que, enquanto nos pudermos refastelar nos jogos infinitos de sons e imagens que o final do século colocou ao nosso dispor, objectos de pura luxúria sensual como “Dressing For Pleasure” se erguem tótemes de um comunitarismo renascente. Um aviso para quantos se acostumaram ao percurso prévio deste ex-colaborador de Brian Eno. Tenham cuidado, pois poderão sofrer no processo um forte abalo emocional. (8)