Arquivo mensal: Janeiro 2015

Diamanda Galàs – A Flor Do Mal

Pop Rock

 

15 MAIO 1991

 

A FLOR DO MAL

 

Chamam-lhe vampira, bruxa ou coisas piores. Tem uma obsessão sombria pela morte e pelas trevas. Basta escutar uma vez a sua voz para se perceber que sim. Diamanda Galas canta e compõe como se de uma vingança se tratasse. Gravou litanias a Satã e uma trilogia sobre a praga do século, a sida. Mistura religião com perversões várias. Finalmente, registou uma missa negra integral, num duplo álbum gravado ao vivo numa catedral católica. Sinais do fim. Diamanda Galas grita o estertor lancinante desse fim.

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“Plague Mass”, duplo ao vivo, representa o desafio total. A guerra global, de todos contra todos e cada um contra si próprio. Culminar de um percurso alucinante e de uma música e atitude desmesuradas, quase sobre-humanas na maneira como almejam superar todos os tabus, estéticas e morais tradicionais, à procura de uma sobre-realidade para além da alegria e da dor, do bem e do mal. Das “Litanies of Satan” à actual missa negra celebrada no seio da própria Igreja católica, é sempre a consagração e celebração do homem “novo”, cuja vontade de poder não carece dos deuses para se exercer. Afinal, mais uma das periódicas tentativas de destruir o sagrado. Mas, para melhor ajuizar sobre as intenções da senhora, nada melhor que contar a sua história. Deixa-se à imaginação o que fica por contar.

 

 

Da vida e da morte

 

Diamanda Galas nasceu americana, mas corre-lhe sangue grego nas veias. Xinogalas, o apelido paterno. Os pais, gregos de facto, pertencem à casta dos Manatis, equivalente grega dos sicilianos. Como estes, a ideia de vingança desempenha um papel primordial no seu imaginário. A dor também. Diamanda, à maneira das carpideiras, contratadas para chorar e lamentar a morte alheia, canta os males da humanidade, as suas doenças, o desespero. “Chorar um ou dois dias é uma coisa. Chorar por contrato, 15 ou 20, é outra completamente diferente – torna-se um ritual extático que transcende a banal piedade dos americanos.”

Diamanda Galas passou os primeiros anos de vida a congeminar vingança. Contra os ricos, os poderosos, os vilões da humanidade. Comunista? Nem tanto. Tem mais a ver com um mau feitio congénito, que ela própria, de resto, reconhece. Escreveu um manifesto em defesa dos Black Leather Beavers, associação de “carácter humanitário”, de vigilantes da rua, decididos a acabar com os violadores de mulheres. “Acabar” mesmo, o que passa pela castração dos órgãos viris dos prevaricadores. “Com os violadores, o problema reside nos ‘tomates’. Removidos estes, está resolvido o problema.” Há um paralelo evidente entre esta atitude e a música da senhora. Mas o ódio e a violência radicam finalmente numa autodescoberta. No reconhecimento da própria morte, inadiável. Diamanda não consegue suportar o peso desta evidência, que considera “insultuosa”. A morte não há-de ficar a rir-se – assegura. “Quando o momento chegar, serei eu a tomar conta da situação. Quando os deuses decidirem levar-me, rir-me-ei na cara deles. Há-de haver uma seringa espetada no meu braço, tão rapidamente que eles nem chegarão a perceber o que se passou.” Diz estas coisas com o ar mais natural do mundo. Só pede a todos os santinhos que a mãe nunca venha a saber. A personalidade da “diva de negro” ficou completa numa ocasião em que viu e ouviu Jimi Hendrix. Antes, queria estudar bioquímica. A partir desse momento crucial pretendeu ser a própria bioquímica. Para ela, homens e mulheres como Hendrix, Antonin Artaud, Maria Callas ou Charlie Parker possuem um poder especial, uma forma de energia sacrificial intensíssima que tudo inflama e consome na sua chama abrasadora. O problema é que as pessoas possuidoras de tal dom geralmente não duram muito. Como forma de prevenção contra eventualidades desagradáveis, Galas não desdenha a hipótese de uma transfusão e regeneração total do sangue, à maneira da famosa condessa Bathory, vampira lésbica que prolongava a vida e a juventude à custa de beber o sangue de raparigas virgens que ela própria seduzia. Como é que Diamanda faz para manter a voz e a energia é lá com ela. De resto, virgens já há poucas. Sangue, ainda vai havendo. Recorde-se, a propósito, que em recentes espectáculos ao vivo apareceu em palco com o corpo completamente encharcado do líquido vital. Paranóia do sangue e da sua contaminação, a sida, a agonia, o lento envenenamento.

 

 

O teatro da crueldade

 

O termo, inventou-o Artaud, surrealista escorraçado por Breton, em nome da ortodoxia. O teatro inseparável da vida, confundidos na voragem e vertigem de uma encenação única. Os espectáculos, melhor dizendo, as “performances” de Diamanda Galas estendem o conceito aos limites da loucura religiosa. Rituais de auto-imolação e violência desmedida. Diamanda Galas, feiticeira do século XX, na consumação de missas negras em louvor de Satã, o “grande acusador”. A raiva. O fogo, simultaneamente devorador e purificador. Sempre que actua ao vivo, pensa inevitavelmente em “deitar fogo à audiência”. Sobre o palco, transfigura-se. As fronteiras sexuais são abolidas. “Todos os grandes ‘performers’” – diz – “têm de ser forçosamente travestis, no sentido de deixarem de ser homens ou mulheres para passarem a animais, répteis ou insectos.” No seu caso, afirma-se mais próxima da condição de insecto. Não surpreende por isso que provoque frequentemente nas audiências um temor supersticioso. As pessoas chamam-lhe “bruxa”, para exorcizar o medo. “É uma reacção sobretudo masculina. Tem que ver com uma certa forma de energia que, se apropriada e irradiada por uma mulher, é considerada errada.” Assim, muitos homens vêem nela como que um sexo com dentes, síndrome da “vagina dentatta”, castradora da virilidade, física mas sobretudo psíquica, do macho dominador. Anos antes dos actuais rituais satânicos, Diamanda Galas não sabia como destilar toda a raiva que sentia e “não sabia explicar”. Começou por actuar nas ruas. Mais tarde, alguns “radicais” do Living Theatre, mais assustados com as suas proezas e faculdades catalisadoras, aconselharam-na a cantar em institutos de doentes mentais, insinuando mesmo a possibilidade dela própria ficar internada por uns tempos. Diamanda aceitou o conselho, contribuindo assim para o aumento da população esquizofrénica americana. Mas avisou logo que a sua música não podia considerar-se propriamente terapêutica. Tinha mais que ver com as “schrei-performance”, características do teatro expressionista alemão, que pretendiam alargar as fronteiras da personalidade humana. Diamanda queria ir mais longe – estender esses limites ao ponto de transformar a personalidade “numa espécie de entidade-síntese entre a ‘besta’ e a máquina”. Sobre o assunto tem uma teoria. Acredita que todos os problemas surgiram quando as pessoas “começaram a fazer separações arbitrárias entre os hemisférios esquerdo e direito do cérebro”. A solução? “Ser capaz de articular as pequenas ‘nuances’ malévolas da personalidade, mostrar a natureza humana para além do bem e do mal, de que falavam Nietzsche, Sade, Poe e Baudelaire, uma espécie de protoplasma contraditório, eminentemente esquizofrénico.”

 

 

A Praga

 

A praga é a sida. Diamanda Galas invectiva-a nos álbuns: “The Divine Punishment”, “Saint of the Pit” (ambos de 1986) e “You Must be Certain of the Devil” (1988), as três partes da trilogia “Masque of the Red Death”, título inspirado num conto sobre a peste de Edgar Allan Poe. Várias pessoas das suas relações morreram da doença, incluindo o irmão e a sua melhor amiga. Não espanta pois a revolta e a obsessão. Espantoso é o modo como Diamanda Galas consegue alargar o significado e as implicações morais do problema, conferindo-lhe uma dimensão global e apocalíptica. Recorrendo a textos de poetas simbolistas como Charles Baudelaire, Gérard de Nerval e Tristan Corbière ou a textos bíblicos do Antigo Testamento (aquele em que emerge a figura do Deus castigador), Diamanda Galas procede a um meticuloso trabalho de inserção dos mesmos num diferente e perturbante contexto. Invertem-se os valores fundamentais do cristianismo. Satanás passa a ser o justiceiro, o “acusador” (segundo a terminologia hebraica), aquele que aponta o dedo ao “inimigo”, o poder instituído, a indiferença, o medo, o ostracismo. O sofrimento dos condenados pela sida é comparado à agonia de Jesus crucificado.

A revolta de “The Divine Punishment” é a mesma de Lúcifer, contra a autoridade divina. A música assume contornos litúrgicos, nos cânticos salmódicos, nas lamentações de “Free among the dead” e “Deliver me from my enemies”. O super-homem é o homem condenado, o estóico absoluto, mitificado no anticristo que a própria Galas encarna em “Sono l’antichristo” – a “provação”, a “salvação”, a “carne martirizada”, o “sacrifício”, o “louco sagrado”, a “merda de Deus”. “Saint of the Pit” prossegue pelas mesmas vias demenciais. Textos de Nerval e Corbière. “L’ Heautontimouroumenos” (o autotorturador), extraído das “Flores do Mal”, de Baudelaire, insuportável: “Sou o espelho onde se revê a própria fúria/ a faca e a ferida revolvida/ o carrasco e a vítima/ o vampiro das minhas próprias veias/ pertenço à grande legião dos perdidos.” Talvez devido à crescente aceitação das massas, a terceira e derradeira invocação da trilogia é assumidamente mais suave que as anteriores, poética e musicalmente falando. Suprema ironia, há espaço para dançar. Ao ritmo da dor alheia. Convida-se ou empurra-se quem ouve para o papel de inquisidor. Sofrimento e prazer misturam-se na fase terminal da doença e da raça humana tal como a conhecemos. “Gospels” de vésperas de finados. Diamanda canta “Swing low sweet chariot” escondendo as facas e as cicatrizes na penumbra. “The Lord is my shepherd” – o Senhor é o pastor que conduzirá e libertará as almas. Mas que senhor é este que traz consigo as chaves do céu e do inferno? “Maldição!” – gritam os condenados, os proscritos do medo, traídos e aliciados por uma terra prometida que não puderam escolher. O grande grito, a confrontação final haveria de ter lugar no interior do próprio templo, na celebração do sangue contaminado – eucaristia invertida de um mundo sem luz.

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Badland (editora): O Cântico dos Electrões

Pop Rock

 

1 MAIO 1991

 

O CÂNTICO DOS ELECTRÕES

 

O catálogo francês Badland, especializado em música electrónica, passou a ter representação em Portugal, através da Ananana, colectivo apostado em divulgar os sons alternativos que vão surgindo um pouco por todo o planeta. Os discos, capazes de fazer as delícias dos amantes dos “bits” e “bites” musicais, podem ser obtidos via postal.

Do programa de intenções da Badland, que prevê apenas a edição de discos compactos, consta a gravação e distribuição de obras incidindo nas diversas áreas da denominada “new music” – do rock alternativo às músicas electrónica, minimal, progressiva, repetitiva, “new wave”, industrial, “funk” e étnica. Para já, os seis volumes até agora editados incluem-se no território vasto da electrónica e reflectem, segundo a própria editora, “uma alteração de tendências no mundo da música”. Passemos em revista os discos em questão, do primeiro ao mais recente.

Robert Rich cria música capaz de provocar estados físicos e psíquicos de relaxação, propícios ao sonho e à contemplação. Do seu currículo fazem parte uma obra de nove horas ininterruptas de música electrónica, baseada em “ondas vibratórias que induzem ao sono”, e uma escultura “quadrifónica com três ‘lasers’ apontados a uma fonte”. Integrou grupos de música ritual/industrial e “rítmica minimal”. “Numera” estende-se por atmosferas oníricas, vibrando em cristais de silêncio no interior de uma imensa catedral. Avançando para além do conceito “ambiental”, Robert Rich prolonga os transes hipnóticos de Klaus Schulze até os diluir no espaço estelar. O disco, construído sobre “sistemas de entoação precisa”, dá uma atenção particular às “séries harmónicas”, o que não chega para nos tirar o prazer da sua audição.

Dos seis discos, “Flow” é o mais fraco do lote. Praticantes de “high-tech dance music”, os Quiet Force são óptimos a demonstrar as possibilidades da nova tecnologia áudio. Os computadores e sequenciadores não têm segredos para eles. Falta-lhes conhecer o mais importante: saber transformar a luxúria digital em música interessante e inovadora.

“Traces”, do compositor norueguês Erik Wollo, figura desde já como uma obra-prima definitiva das novas correntes da música electrónica. “Ambiental”, “romântica”, “impressionista”, “étnica”, são outras tantas designações incapazes de descrever e englobar a riqueza e sobrenatural beleza de uma música que parece mover-se noutras esferas. Erik Wollo serve-se dos sintetizadores e de toda a panóplia electrónica ao seu dispor, como se fossem desde sempre instrumentos da floresta e do mar. Transcendente.

Mais próximo da sensibilidade rock, seja lá o que isso for, “The Secret Convention”, assinado pelos Propeller Island (alter-ego do alemão Lars Strosschen), joga num experimentalismo divertido, aliando os ritmos maquinais dos sequenciadores a atmosferas estranhas em constante mutação, capazes de provocar no auditor um estado de constante surpresa e excitação. Na caixa, somos avisados de que certos efeitos mais bizarros se devem não a um qualquer defeito de fabrico, mas à própria estrutura musical.

Conrad Schnitzler, um dos fundadores da escola “planante” berlinense dos finais da década de 60, integrou a formação original dos Tangerine Dream, ao lado de Klaus Schulze e Edgar Froese. Mais tarde passou pelos Cluster (de Dieter Moebius e Joachim Roedelius). Trabalhou com Peter Baumann (outro ex-Tangerine Dream, actual responsável pela editora Private Music). Detentor de uma já extensa discografia a solo, ou em dueto com o experimentalista americano Gen Ken Montgomery, sob a designação “Gencon”, Conrad Schnitzler tem, contudo, em “Constellations” a sua primeira edição em CD. Música dita “de computador”, “Constellations” viaja durante mais de uma hora pelo interior de uma “realidade virtual”, alucinatória e deslumbrante, sensibilizando o auditor para novas formas de sentir e compreender a organização dos sons.

“Solo: Observed” – título estranho para a música do duo Becker/Lehnhoff composta exclusivamente através de processos computorizados, dificilmente se descreve por palavras. Há quem se lhe refira como uma “pintura surrealista de Berlim no ano 2000”. Gravado nesta cidade, com o auxílio de Chris Franke (ainda um ex-Tangerine Dream…), “Solo: Observer” explode em múltiplas direcções. Ritmos rock, fragmentos de vozes e sons transformados via “sampler”, naipes orquestrais sintéticos, entrelaçam-se e colidem entre si, criando um universo paralelo cuja lógica obedece exclusivamente aos arquétipos significantes do inconsciente.

“Polyrische variationen”, do alemão Stefan Tiedje (a Alemanha sempre à frente, no capítulo da música electrónica), revela-se uma obra mais conceptual, mas não menos interessante. Um dos temas (“The Voice”) é construído a partir de um “sample” da voz de Diamanda Galas. Outro (“Water you Have for”), criado em 1987, para o Festival “White Waves”, utiliza tratamentos electrónicos de sons oceânicos. “Murmelmusik”, declaradamente ambiental, procura, nas palavras do compositor, criar “um efeito semelhante ao murmúrio do riacho”.

Refira-se por último que na Ananana se podem encontrar obscuras preciosidades, em álbuns de Asmus Tietchens, Blackhouse, Esplendor Geometrico, Jeff Greinke, Jorge Reyes, Roedelius, Mecanica Popular, Pascal Comelade, Peter Frohmader, PGR, Reyvision, Thomas Koener ou Vasilisk, alguns de entre muitos nomes e mundos a descobrir (Ananana, apart. 3164, 1304 Lisboa).

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Julian Cope: O Mundo Numa Concha de Tartaruga – Viagem Sem Regresso: Syd Barrett

Pop Rock

10 ABRIL 1991
JULIAN COPE: O MUNDO NUMA CONCHA DE TARTARUGA

VIAGEM SEM REGRESSO

“Uma certa proporção de danos cerebrais pode constituir uma virtude.”
Médico anónimo

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“Nem mais”, terão pensado Julian Cope e, anos antes, Syd Barrett, ambos apreciadores de uma boa “viagem” de LSD. O autor do recente “Peggy Suicide” abandonou o ácido a conselho da sogra, preocupada com possíveis desarranjos genéticos dos futuros netos. O antigo vocalista dos Pink Floyd não teve uma sogra que o chamasse à razão e foi até ao fim da viagem, com os resultados que se conhecem, mas que não faz mal recordar.
Julian Cope não gosta que o comparem a Barrett. Pode parecer romântica e poética aos olhos dos outros a imagem da estrela pop, imersa na contemplação do infinito, mas, quando a viagem dá para o outro lado, não são os outros que darão um passo para ajudar. Sem ácido, o psicadelismo não teria razão de existir. E onde há ácidos surgem inevitavelmente os santos e as vítimas. Cope foi “Saint Julian”, Barrett esteve internado numa instituição para doentes mentais e vive actualmente com a mãe, em Cambridge. Nunca mais tocou guitarra – prefere ficar em casa a ver televisão.
Mas, quando os Pink Floyd irromperam pela primeira vez no clube UFO, inaugurando a era psicadélica em Inglaterra, Syd Barrett foi olhado como um génio, ligeiramente lunático, é certo, mas possuidor da tal “proporção certa”, suficiente para poder escrever a quase totalidade das canções de “The Piper at the Gates of Dawn” (incluindo o clássico psicadélico “Astronomy Domine”) ou os singles “See Emily Play” e “Arnold Layne”. Um ano chegou para que o equilíbrio se perdesse e Syd deslizasse para o lado errado. No álbum seguinte dos Pink Floyd, “A Saucerful of Secrets”, apenas contribui com “Jugband Blues”. Preocupados com a sua imprevisibilidade em palco (“imprevisibilidade” não chega para definir quem mal conseguia aguentar-se de pé e segurar na guitarra…), os outros aconselharam-no a ir para casa descansar. À cautela, contrataram um novo guitarrista, David Gilmour, para o substituir. Até hoje Syd continua a descansar.
A história não acaba, porém, com os Floyd. Em 1970 grava a solo os álbuns “The Madcap Laughs” e “Barrett”, produzidos pelo seu amigo Roger Waters. “Effervescing Elephant” ou “Baby Lemonade” são títulos esclarecedores quanto ao estado mental do seu autor. “Dominoes” permanece como uma das canções mais pungentes de sempre sobre a solidão. Mais recentemente a Harvest editou “Open”, aquele que poderia ser considerado o terceiro álbum de Syd Barrett, não fora o facto de quase todas as canções se encontrarem em estado de “takes” incompletos.
Mais tarde, os Pink Floyd dedicaram-lhe o álbum “Wish you Were here” e em particular o tema “Shine on you Crazy Diamond”, mas era impossível regressar. Syd apareceu no estúdio, durante as gravações, mas não se sabe se chegou a reconhecer os antigos companheiros. Depois disso foi visto em diversas ocasiões, a vaguear por jardins públicos, a meio da noite. Conta-se que foi encontrado várias vezes meio adormecido dentro das águas geladas de um lago. Chegou a formar um pequeno trio, chamado “Stars”, que rapidamente se extinguiu, tal qual um lampejo de lucidez momentaneamente reacendido no cérebro de um louco.
Passam-se anos sem que se saiba do seu paradeiro, mas o fanzine “Terrapin” continua a publicar relatórios periódicos sobre as suas actividades (ou ausência delas…). Mike Watkinson e Pete Anderson escreveram um livro sobre ele, a que chamaram “Crazy Diamond Syd Barrett and the Dawn of Pink Floyd”: contam anedotas como a daquela vez em que Syd se entreteve a cobrir a cabeça com Brylcreem e a rebentar cápsulas de Mandrax, antes de aparecer, qual alienígena tresloucado, sobre o palco.
Para a lenda ficaram esta e outras histórias demenciais e sobretudo a música de um outro mundo, revelado em notas soltas e palavras solitárias, na aceleração progressiva da viagem derradeira, em direcção ás estrelas.

syd barrett: opel – aqui