Arquivo mensal: Novembro 2024

Alan Stivell – “Again”

pop rock >> quarta-feira >> 26.01.1994


Alan Stivell
Again
Dreyfus, distri. Polygram



Alan Stivell já cumpriu, e bem, nos anos 70, o seu papel de principal divulgador da música tradicional da Bretanha no Mundo e de responsável pelo “renascimento” da harpa céltica em França. “Renaissance de l’Harpe Celtique”, “Alan Stivell à l’ Olympia” e, sobretudo, “Chemins de Terre” são álbuns importantes nos quais Stivell, ou Alan Cochevelou, recuperou a tradição musical bretã, que reviu em novos moldes, de modo a criar aquilo a que o próprio chamou, por oposição ao “folclore”, uma “música de raízes celtas, aberta aos ventos do mundo, com uma identidade cultural específica e elementos de fusão – uma síntese das raízes com as tecnologias do futuro”, “Música étnica moderna”, em suma. Enunciado de propósitos, que conheceu a sua forma definitiva na obra “Tir Na Nog – Symphonie Celtique” e que o autor jamais conseguiu superar. Seguiu-se a lenta decadência, com maior ou menor aceleração, intercalada por ocasionais momentos de fulgor, como é o caso de “Harpes du Nouvel Âge”, antes de Stivell se atolar no mais infecto dos lamaçais, nesse exemplo acabado de “new age” de pacotilha, que é “The Mist of Avalon”. Era difícil fazer pior depois disso. Em “Again”, Alan Stivell volta à tona de água. À custa do passado, é verdade, através da reciclagem, com novos arranjos e músicos, de temas antigos, do seu melhor período, entre 1970 e 1975. Se numa ou noutra faixa aflora algum mau gosto, tanto nas cedências à “new age” de plástico como no mais que ultrapassado conceito de “rock céltico”, a maior parte delas é, contudo, suficientemente interessante e, nalguns casos, até enriquecedor das versões originais. Rodeado de algumas estrelas, como Kate Bush, Davey Spillane, Shane McGowan, Dan Ar Bras, Doudou N’Diaye Rose, além de três vozes referenciais do canto bretão, pertencentes a gerações diferentes, Gilles Servat, Gweltaz-Thierry Adeux e Yann-Fanch Kemener, acabam por ser os temas de maior simplicidade e contenção de processos (“Ar na garraigh/telenn wad”, “The foggy dew”, “Balha-dans-plinn”, “Tri martolod”) a sugerir que Stivell ainda é alguém com que se deve contar. E é sempre um alívio verificar que, pelo menos em estúdio, o bardo afinal não desaprendeu de todo de tocar harpa. De “Again” apetece dizer, em suma, que é um álbum honesto, capaz de levar os mais novos a interessarem-se pelos discos antigos, e um petisco para os “celtas” recém-chegados. (6)

Toque De Caixa – “Histórias Do Som”

pop rock >> quarta-feira >> 19.01.1994


Toque Ao De Leve

Toque De Caixa
Histórias Do Som
Numérica / Etnia



É um disco de música portuguesa de raiz tradicional. Só por isso a sua edição merece todos os aplausos, de tal forma tem sido escassa a produção nacional nesta área, nos últimos tempos. É simultaneamente o primeiro lançamento conjunto da editora discográfica Numérica, do Porto, e da cooperativa cultural minhota Etnia.
Vamos às “Histórias”. A pressão faz-se sentir de imediato sobre o crítico, que, por um lado, se sente quase na obrigação de apoiar este género de discos, em prol de uma causa que, em Portugal, só agora parece começar a ser acarinhada, e, por outro, se obriga a manter a lucidez e o espírito crítico em estado de alerta. Trocado por miúdos, isto significa que “Histórias do Som” não é um disco que venha salvar a música portuguesa, nem essa foi, de resto, a intenção dos Toque de Caixa, a julgar pela modéstia de intenções enunciada na contracapa do CD. É, antes, um disco honesto, agradável de ouvir e, sobretudo, nada preocupado com questões de fidelidade.
Mas – há sempre um “mas em tudo – falta algo a estas histórias, a parcela, por vezes tão pequena, que separa os bons discos dos discos excepcionais. Que parcela é esta que, para já, se esconde aos olhos dos Toque de Caixa? Vejamos: existem duas maneiras principais de “pegar” na música tradicional, seja o que for que depois se faça dela. Por “dentro” e por “fora”. Dito de outra maneira: pegar, pela via da mecânica, nas formas, ou pegar, pela via da intuição, nos sentires (e sentidos) que subjazem à sua criação.. Os Toque de Caixa pegaram (linguagem quase tauromáquica, esta!…) por fora. O resultado é que a música soa bem ao ouvido, é bonita, em suma, mas não possui estratos mais profundos nem permite outras leituras e comprazimentos por descobrir debaixo da camada superficial. Por muito que isso repugne aos Toque de Caixa, são inevitáveis as comparações com os Vai de Roda. Até porque certos pormenores de “Histórias do Som” remetem de imediato para o trabalho de Manuel Tentúgal, como é o caso da utilização dos sintetizadores, em tudo semelhante ao do “Terreiro das Bruxas”, em particular no tema introdutório, “Encosta do Silêncio”. Outro exemplo: a sequência vocal algures no meio de “Tirana” lembra, de modo inequívoco, o estilo de Bilão, dos Vai de Roda. Um ponto a favor dos Toque de Caixa, na versão de “Çapatinho rebatido”, tão ou mais conseguida que a de “Terreiro de Bruxas”, muito por culpa da excepcional participação do convidado Fernando Meireles, na sanfona.
“Histórias do Som” mostra de forma clara uma predilecção especial pelos instrumentos de corda, da parte de Horácio e Miguel Teixeira. Guitarra, braguesa, bandolim e “cuatro” (olha, nenhum cavaquinho!…) entregam-se mutuamente num jogo que, juntamente com a concertina e o acordeão de Albertina Canastra, apontam sem grandes desvios para os Penguin Café Orchestra, em temas como “Lama Grande” (bastante bonito, por sinal), “Valsinha da canastra”, “A saída do carro” (nestes dois últimos, sobretudo ao nível do compasso) e partes de “Fantasia minhota”. A gaita de foles de Tereza Paiva brilha no duplo “take” de “Alvorada” e, sobretudo, na aproximação longínqua de “O amigo vagabundo”. Interessantes são a lenta subida do monte (será por acaso que algumas notas e o ambiente geral coincidam com essa outra lenta ascensão, de Brian Eno, em “Taking Tiger Mountain”?) em “Sra. Sant’ana” e a lengalenga infantil que culmina a extensa introdução das cordas em “Aula de música”. “Encontro” é, de longe, o melhor tema e seguramente aquele onde poderão ser encontradas vias para um aprofundamento da música. Uma simplicidade de processos que resulta em cheio e em força, na sobreposição do canto masculino sobre a cadência imparável das percussões. “Histórias do Som” tem a capacidade de seduzir os ouvidos. Esperemos que, de futuro, outras histórias sejam capazes de seduzir o coração. (7)

Thierry Robin – “Gitans”

pop rock >> quarta-feira >> 19.01.1994


Thierry Robin
Gitans
Silex, distri. Etnia



Nómadas na vida, nómadas na música, os ciganos continuam a sua viagem pelas estrelas e a ter na terra inteira o seu lar.. Thierry “Titi” Robin, guitarrista de grande mérito, realça neste álbum as diversas coordenadas que (des)centram a música cigana. Separados por um oceano e vários mares, o Sul de “Gitans” percorre a estrada que une o flamenco da Andaluzia e a rumba da Catalunha à “raga” da Índia, subindo até às terras do Centro europeu da Hungria e da Roménia, com passagem pela tradição “yiddish”. Disco que procura a síntese de uma alma dividida. Disco de palmas em redor da fogueira, de duendes bailando nos dedos que ferem e acariciam a guitarra, mas também de cânticos indianos em dialecto rajashthani, pela cantora Gulabi Sapera. Do “ud” (tocado pelo próprio Thierry Robin, assim como o bouzouki), do bendir e da darbouka que levam “Gitans” para os modos de improvisação árabe e de uma rumba trazida ao terreiro por uma gaita-de-foles atraída pelo fogo. Camaron de la Isla e Pierre “Matelo” Ferret – um dos maiores inovadores da guitarra tocada ao estilo dos ciganos húngaros – velam como sombras tutelares num álbum de extremo lirismo que ilumina as várias faces de um mesmo e hierático rosto. (8)