Arquivo mensal: Abril 2010

Carlos Martins & Vasco Martins – Outras Índias

10.10.1997
Carlos Martins & Vasco Martins
Outras Índias (8)
Nortesul, distri. Valentim de Carvalho

Carlos Martins, saxofonista de jazz e conceptualista atento à fusão dos sons do universo, cruzou-se com Vasco Martins, navegante solitário do Mindelo, Cabo Verde, dos sintetizadores e das miragens “new age”, autor de uma trilogia intitulada “Southbound Music”. Decidiram gravar juntos, numa ponte entre duas solidões – a do Alentejo e a do Mindelo. Em busca de “Outras Índias”, lugar imaginário apenas para quem não se consegue libertar das amarras da estagnação, da intolerância e da cegueira. “Outras Índias” é um lugar – esse lugar “onde mora a beleza”, nas palavras do saxofonista – que não se encontra no jazz nem na música tradicional de Cabo Verde. Paisagem contemplativa e intimista, espaço amplo de diálogo entre os saxofones tenor e soprano de Carlos Martins com os sintetizadores e guitarra acústica de Vasco Martins (não se procurem neles outro parentesco senão o da cumplicidade musical…), “Outras Índias” avança devagar, saboreando cada nota e cada pausa. O estado de alma pode estar próximo do de um Rão Kyao só que aqui se parte para uma aventura maior. Meditativo, caloroso, exótico, deve ouvir-se com a mesma liberdade de espírito com que foi criado. O saxofone de Carlos Martins deixa-se inebriar pelas delícias mais subtis do tonalismo (Karl Jenkins, dos Soft Machine, convertido a Canterbury…), enquanto Vasco Martins sonha contrapontos de guitarra ou tece discretas tapeçarias electrónicas. Uma geografia a descobrir.

Rui Azul – À Bolina

18.02.2005
Rui Azul
À Bolina
Registos Autónomos, distri. MC – Mundo da Canção
7/10

Eis um disco agradável, imaginativo, sugestivo e razoavelmente original no panorama das “novas músicas”, tendência suave, da música portuguesa. Rui Azul, músico do Porto, realizou sozinho “À Bolina”, um álbum de viagens, tema estafado quando os itinerários repetem as rotas do turismo. Não é o caso de “À Bolina”, Azul, além de produzir e arranjar, toca saxofone tenor, sax MIDI, flautas, rhaita, zummara, didgeridoo, darbuka, percussões étnicas, voz, teclados, samplers, sequenciadores, programação e “loops”. Ah, sim, também foi ele que gravou, misturou, masterixzou, fez o desenho gráfico, a BD e os textos. “À Bolina” é um álbum de boa fusão, entre jazz, “world” imaginária e electrónica sequenciada. Vozes deslocadas no espaço e no tempo, sons híbridos, batidas entre o computacional e o ritual. A escola é óbvia: Musci/Vennosta, Benjamin Lew, Steve Shehan. Mas Azul é bom colorista e sabe combinar os tons, dando de facto pistas para uma viagem interior que é afinal cinema da imaginação. As ilustrações de BD têm algo da “Garagem Hermética” de Moebius. Um passo à frente de Rão Kyao, Ficções e Carlos Maria Trindade/Nuno Canavarro na elaboração de fusões oníricas com âncora, mais ou menos funda, em Portugal.

Lida Husik – Fly Stereophonic

10.10.1997
Pop Huzik
Lida Husik
Fly Stereophonic (8)
Alias, distri. MVM

A música pop, por mais ínvios que sejam os seus caminhos, possui os seus arquétipos. Nos anos 60 os Beatles e os Kinks, em Inglaterra, e os Beach Boys e os Zombies (toda a gente deveria ser obrigada a fazer um doutoramento em torno dessa verdadeira enciclopédia da arte pop que é o álbum “Odessey & Oracle”), nos Estados Unidos, estabeleceram as regras pelas quais uma canção pop digna desse nome se deve reger. Claro que as regras foram feitas para serem quebradas e, neste campo, não têm faltado exemplos, ao longo das últimas três décadas de produção pop, de David Bowie a Robert Wyatt, de Brian Eno (dos primeiros álbuns) aos Residents. Em Inglaterra existiu sempre algo mais, a tal “englishness”, uma combinação, com percentagens incertas, de excentricidade, maneirismo e uma atracção fatal pela melodia perfeita, carregaram este espírito da afectação “mod” até à “Brit Pop” dos nossos dias. Nos anos 80, um grupo, sintetizou em si tudo o que a pop inglesa tem de melhor: Os Monochrome Set. E falamos deles porque os Lida Husik, ou Lida Husik, a vocalista do grupo, são os Monochrome Set dos anos 90. “Fly Stereophonic”, da estética da capa ao “design” sonoro de todas as faixas, recupera as linhas de sinuosa e decadente elegância do grupo de Bid e Lester Square, ao qual se devem, pelo menos, três obras capitais, “Strange Boutique”, “Love Zombies” e “Eligible Bachelors”. Lida Husik não esconde a devoção pelos Monochrome Set, incluindo no alinhamento de “Fly Stereophonic” uma versão surreal de “Ein Symphonie Des Grauens”. Na ficha de agradecimentos também não se esqueceu de mencionar Bid, o único, o incomparável vocalista de ascendência indiana dos Monochrome Set. A fórmula usada em “Fly Stereophonic”, que faz dele um brinquedo verdadeiramente atraente, passa pela ênfase posta na melodia, mas seguindo uma das tais regras de ouro da clássica pop irreverente, a imprevisibilidade aliada à doçura, a perturbação e a escuridão disfaçadas sob um vestuário colorido. Em suma: a diletância do “dandy” que vive o maior dos desastres com a fleuma de um alheamento sobrehumano. Os temas de “Fly Stereophonic” remetem para a mitologia e iconografia da adolescência, mas numa perspectiva que junta o terror cósmico com a ingestão de um copo de café com leite e a morte com os prazeres de uma cidade de chocolate. Mas a verdade dos factos diz-nos ainda outra coisa, é que Lida Husik e o seu grupo são americanos, o que acrescenta uma dimensão ainda mais oblíqua á sua música, surgindo então a segunda fonte de inspiração de “Fly Stereophonic”, os B-52’s. Ouça-se, a este propósito, uma faixa como “Soundman”, onde as linhas de guitarra e uma rítmica tipicamente Monochrome Set andam a par de uma vocalização com óbvias conotações com aquele grupo americano. “Fly Stereophonic”
(…) Faltam-me 3 ou 4 linhas. Estão no “Autodiktater” dos Mouse on Mars, que o Fernando Martins tem.