Arquivo mensal: Março 2016

Hector Zazou – “Chansons des Mers Froides”

Pop Rock

15 de Março de 1995
álbuns poprock

ESQUIMÓ FRESQUINHO

HECTOR ZAZOU
Chansons des Mers Froides
(8)
Columbia, distri. Sony Music


hz

Afastada a pesada cortina tecida numa lista interminável de convidados (Bjӧrk, Lightwave, Barbara Gogan, Mark Isham, Budgie, Brendan Perry, Suzanne Vega, John Cale, Sara Lee, Marc Ribot, Jerry Marotta, B. J. Cole, Lone Kent, Jane Siberry, Siouxsie, Harold Budd e Balanescu Quartet, mais, da área tradicional, Lena Willemark, Ale Moller, Angelin Tytot, Catherine Ann-McPhee e Vӓrttina, entre outros…), o que une estas “Chansons des mers Froides” é a organização de signos e correntes musicais de sinal divergente num corpo musical que Hector Zazou define como um instrumento de “mudança do mundo”. Ou seja, dito por outras palavras, mais uma tentativa de criação de uma música global, Babilónia ou biblioteca Borgiana onde se arrumam todas as músicas conhecidas. Tarefa hercúlea na qual Hector Zazou possui no entanto já alguma experiência. Das experiências surrealizantes com os ZNR até à colagem do psicadelismo dos anos 60 com a música africana e a polifonia electrónica de “Reivax au Bongo”, passando pela etnopop computorizada de “Noir et Blanc” e o “disco” mutante de “Guilty” até ao neoclassicismo de “Géographies” e “Géologies”, Hector Zazou demonstrou sempre a mesma sede de síntese, necessariamente estabilizada a partir de um ponto de fuga situado por norma em conceitos extramusicais ou ao nível de leituras imaginárias de um pretenso folclore universal. No primeiro caso, está “Sahara Blue” numa vertente literária centrada na figura do simbolista Arthur Rimbaud, enquanto no segundo se inclui a experiência com as novas polifonias corsas. “Chansons des Mers Froides” é um projecto de trabalho, curiosamente gravado em 1992 mas só agora lançado no mercado, sobre as músicas tradicionais da Sibéria, Alasca, Gronelândia, Ilhas Hébridas, Suécia, Finlândia, e Japão, cuja matéria-prima são as canções de marinheiros, “airs” de localização e data que “se perdem na origem do tempo” e “melodias ainda vivas no quotidiano das populações tribais do Grande Norte”. Projecto do qual os posteriores “Les Nouvelles Polyphonies Corses” e “Sahara Blue”, apontados mais para Sul, seriam o contraponto “quente” deste novo lote de canções agora editado em conjunto com uma colecção de gravuras fotográficas alusivas às regiões frias. Claro que há uma dose enorme de humor em tudo isto e que tanta teorização pode ser encarada como uma monstruosa “boutade”, já que Zazou se diverte a confundir as pistas e a jogar em vários tabuleiros ao mesmo tempo. “Chansons des mers Froides” é uma hidra de múltiplas cabeças que se agitam em várias direcções, da música de dança às colisões industriais, do ritualismo ao jazz, do canto étnico à cançoneta, da electrónica ambiental ao concretismo bem comportado. Um truque de prestidigitação com as cores de uma aurora boreal.



Jean-Michel Jarre – “Hong Kong”

Pop Rock

8 de Março de 1995
álbuns poprock

Jean-Michel Jarre
Hong Kong

DREYFUSS, DISTRI. POLYGRAM


jmj

O velho jarreta volta ao ataque. Conhecido por ser casado com Charlotte Rampling, dar concertos para plateias com um mínimo de um milhão de pessoas e tocar harpas de luz, Jean-Michel Jarre há muito que esgotou as suas capacidades como músico, que não as de “entertainer”. Depois dos concertos na China, aproveitados por Jarre como operação de “marketing”, para divulgação de tecnologia electrónica naquele país, chegou a vez de Hong Kong ser confrontada com a pirotecnia sonora e visual que desde os últimos anos constitui a única razão de ser do jarreta. É uma chatice do princípio ao fim, escutar os sintetizadores, computadores, esquentadores e outros interruptores digitais, a despejarem sons a metro sobre as multidões embasbacadas. À música, já de si aborrecida nas versões de estúdio, de “épicos” como “Chronologie”, “Rendez-vous” e “Equinox”, juntam-se um excerto do velhinho “Oxigène” e a característica piscadela de olhos aos naturais do território, naquele registo “olhem tão amigalhaço e aberto de espírito que eu sou!”. Jarre, por sinal autor de dois bons álbuns, “Zoolook” (o tal com Laurie Anderson e Adrian Belew…) e “Waiting for Cousteau” (com o tema de 42 minutos de ambiências subaquáticas), representa na actualidade tudo o que de mais piroso e retrógrado pode dar à música electrónica uma má reputação. (2)



Andreas Vollenweider – “Live, 1982 – 1994”

Pop Rock

8 de Março de 1995
álbuns poprock

Andreas Vollenweider
Live, 1982 – 1994

COLUMBIA, SONY MUSIC


aW

Sempre constituiu para mim um enigma saber quem ouve e compra os discos deste austríaco cabeludo que toca uma harpa cheia de truques e uma salada musical que combina uma electrónica suave com músicas “étnicas” pegadas pela rama, da América do Sul à celtitude, passando pela África. Podemos talvez considerá-lo o inventor da “etno-muzak”, mas e daí? É que a música de Vollenweider não é suficientemente anódina para funcionar como fundo ambiental nem suficientemente interessante e focada para atrair a atenção durante mais que uma meia dúzia de segundos, ao fim dos quais a curiosidade se dá por satisfeita e a aversão se instala. Os títulos das faixas são místicos – Vollenweider é um místico, se é que não perceberam já, gravou até um álbum, parece que vendeu bem, chamado “Caverna Magica” -, tais como “Cheng lunar”, “Night fire dance”, “Book of roses”, “Song of Isolde”, “The woman and the stone”, Arion”, “Pyramid” e outros que tais. Magia a dar com um pau. Magia que não é negra nem branca, mais cocó de bebé. Por baixo da camada sonora superficial, não há nada. É o vazio. Quando soa mais consistente parece Vangelis, como em “Down to the moon”, Jean-Michel Jarre, como em “Night fire dance”, ou uma menina cuja voz é uma mistura de Loreena McKennitt com Maggie Reilly, em “Song of Isolde”, “Jours d’ amour” e “Desert of rain”. A música chinesa é ofendida em “Lunar cheng”, o flamenco, em “Micro-macro” e “Letters to a young rose”, o jazz-rock em “Book of roses” e “Flight fleet & root hands”, e o tango em “Angӧh!”. No geral, é o estilo de coisa que Richard Clayderman faria se em vez de piano tocasse harpa. Um ligeireza pirosa que nem as “improvisações” a solo neste instrumento espalhadas pelo disco conseguem evitar. Não é o céu nem o inferno, mas o limbo. Esse lugar onde se espera em vão que algo aconteça (1).