Arquivo mensal: Setembro 2022

Fernando Magalhães no “Fórum Sons” – Intervenção #84 – “Peter Blegvad (FM)”

#84 – “Peter Blegvad (FM)”

Fernando Magalhães
04.03.2002 140232
Antes de me “lançar” na “polémica” que parece estar a esboçar-se, sobre a relevância de grande parte de concertos da nova eletrónica…

…não posso deixar de recomendar a audição de “The Naked Shakespeare”, de Peter Blegvad (1983, ed. Virgin), que voltei a ouvir hoje de manhã.

Um álbum POP clássico que comprova a importância de P. Blegvad, como compositor e letrista.
A produção é de Andy Partridge, dos XTC, que também participa em várias faixas do disco (Familycat, suspeito que deverás gostar bastante, partindo do princípio que ainda não o ouviste…).

Entre uma pop excêntrica e momentos de puro surrealismo freudiano (“Irma”), o destaque vai para uma das grandes canções dos anos 80: “Powers in the air”, um falso-blues eletrónico com uma das linhas de sintetizador mais discretas mas eficazes que alguma vez ouvi.

Volto a aconselhar a audição urgente de “Jodoji Brightness”, do saxofonista Peter Apfelbaum com os Hieroglyphics Ensemble. O swing do tema “The hand that signed the paper” é assombroso. Para quem gosta de Lounge Lizards, Jazz Passengers, Ken Vandermark, etc, é imperdível!

FM
de partida para o almoço

Annette Peacock – “Annette Peacock Deu Concerto Único Em Lisboa – Fogo Que Arde Sem Se Ver” (concertos)

PÚBLICO DOMINGO, 23 DEZEMBRO 1990 >> Cultura


Annette Peacock deu concerto único em Lisboa

Fogo que arde sem se ver


Arde devagar a música de Annette Peacock, em combustão lenta.
O concerto de anteontem à noite na Aula Magna da Universidade de Lisboa foi assim – o contacto de uma voz lânguida que se elevou, devagar, de um corpo esguio e hierático, até à abóboda do firmamento.



Ao contrário do fogo, cuja queimadura é instantânea, o gelo leva o seu tempo para fazer arder. Mas queima na mesma. Vestida de negro, sapatos de salto alto, chapéu a envolver os cabelos escuros, a cantora americana Annette Peacock surgiu na sala como uma estátua, gelada e distante. Surgiu só e só permaneceu durante os primeiros temas – um sintetizador e uma voz.

A máquina falhou logo de início (também ela gelada, como calmamente explicou). A voz, essa, desde as primeiras notas levantou voo. Annette canta o mundo inteiro, filtrado pelo eterno feminino. O poder, o sexo, o poder do sexo e as perversões do poder político, as relações entre os seus atores, são dissecadas ao ponto de se poder, de novo, recuperar sem vergonha o conceito de “mensagem”.
Annette Peacock não vai ter com as pessoas. Espera que estas venham ter consigo. Assim tem sido sempre, assim continuará a ser, enquanto tiver voz e o universo para cantar. Quando ocorreu a já citada falha técnica no sintetizador, limitou-se a pedir à assistência para esperar. Esta, numerosa, embora não suficiente para encher a sala, paciente, esperou. Ninguém se enervou. O tempo não existe.
Aos poucos, foram entrando em palco os restantes músicos: Michael Mondesir (baixo) e Simon Price (percussão), primeiro. Finalmente Amit Mukhergee, o guitarrista. Acelerou-se a velocidade do degelo. A teia enfeitiçante aprisionava atenções e emoções. A estátua não mexia um músculo. Mas a voz e a dança das mãos sobre o teclado ardiam cada vez com mais fulgor. Só o homem da guitarra, de longa cabeleira como já não se usa, se entusiasmava por fora, pulando sobre o palco.
Sensação, para muitos de estranheza, aumentada por “Memory Is”, com as suas armadilhas circulares, a voz sintetizada repetindo “remembering” e a outra, a mesma, procurando fugir à prisão das imagens e das palavras inacabadas. O risco, como ela gosta. A aventura. E logo a seguir “We Are Adnate” (“estamos ligados”) – “o inimigo real é a natureza humana/(…)/não nos podemos permitir ser pacientes nem acomodarmo-nos por mais tempo à mentira/desta vez não temos um futuro infinito à nossa frente”, a guitarra desvairada, acentuando o dramatismo das palavras, de “Abstract Contact”.
A autora de “Sonhos X” funciona como um recetor de energia. Percorrem-na fluxos ora negativos, ora positivos. Antena. Eixo. Espada. Em palco, a horizontalidade do teclado cruza-se com a verticalidade aprumada do corpo. Como uma cruz, por cujo centro tudo flui e passa. É por aqui que se pode e deve avaliar o sentido da arte e postura da cantora – centro extático de um turbilhão por si gerado, sem a atingir. Movimento de projeção centrífuga, de dentro para fora, do silêncio para a vertigem dos significados. As emoções nascem da impassibilidade, a energia eclode da quietude.
O próprio jogo instrumental dos restantes músicos resolve-se nesse jogo de tensões, construídas a partir de pequenas frases, súbitas pulsões, numa estrutura paradoxalmente sólida e precária, desfeita imediatamente após a cessação dos sons. Explosão-implosão – respiração que deu vida ao concerto da Aula Magna.
Em “Pride” (de “Sky-Skating”, talvez a sublimação apoteótica da sua arte), a voz apoiou-se no registo de vibrafone do sintetizador, acentuando o tom vibrátil da interpretação. Não é só o tempo que é vencido por Annette Peacock. A gravidade também. Momentos altos foram ainda “Taking It as It Comes” e “Still Too Far”, cabais demonstrações de que força não é sinónimo de violência. O clímax atingiu-se com a sequência “Lost In Your Speed” e, à sua maneira, o “rap”-manifesto, “Elect Yourself”, longos minutos em que a palavra derrubou os preconceitos e, pela gramática, o mundo se reconstruiu de novo.
A assistência pediu mais. Annette consentiu mas avisou, no seu tom calmo, que seriam apenas dois “encores”. Assim foi, com “My Mama Never Taught Me How to Cook” (de “X-Dreams”) e “Express Yourself”. Não se sabe se os presentes, rendidos, seguiram o conselho. O gelo tinha derretido. Ficava a noite, ardendo em fogo lento.

Fernando Magalhães no “Fórum Sons” – Intervenção #83 – “DAT Politics Impressões sobre o concerto (FM)”

#83 – “DAT Politics Impressões sobre o concerto (FM)”

Fernando Magalhães
01.03.2002 150346
1 – Os DAT Politics transformaram-se, de facto numa banda pop (suspiro…) francesa…
Devia ter ficado calado e nunca ter mandado a “tal” piada…

2 – Os DAT Politics fizeram na ZDB uma música…divertida. O que era a última coisa que eu esperaria achar de um concerto deles…

3 – Os DAT Politics são, hoje, uma banda igual a muitas outras. Andaram a ouvir os discos da Stora, tornaram-se amigos do Felix Kubin e tudo isso se refletiu num aligeiramento e maior acessibilidade da sua música.

4 – Os DAT Politics distinguem-se, porém, por tocarem de facto e de sugerirem um verdadeiro entusiasmo pela música que fazem. Há um swing eletrónico constante, a par do sentido de humor e de um tipo interessante de virtuosismo nos laptops.

5 – Os DAT Politics foram no concerto da ZDB uma banda marcada pela música dos anos 80. Caixas-de-ritmo, beat ora industrial ora electropop. Sequências de “Radio Activity” dos Kraftwerk, citações aos New Muzik, Automatic Kids, Cabaret Voltaire e, sobretudo, aos Tubeway Army, de Gary Numan, o qual, parecendo que não, se está a tornar uma espécie de guru do tal “nouveau Disko”…

6 – Os DAT Politics obrigam-me, enfim, a procurar noutras latitudes a indispensável dose de aventura e desconhecido. Já temos a “famosa banda pop francesa”. Falta olhar para o escuro, onde em geral se esconde e prepara o futuro.

FM