pop rock >> quarta-feira >> 20.07.1994
Uma Questão De Ambientação
VÁRIOS
The Phenomenology of Ambient, vol. 1: Free Zone (5)
Crammed, distri. Megamúsica
Convém em primeiro lugar separar as águas. “Ambient” converteu-se hoje erradamente, para muitos, em sinónimo de música electrónica mais ou menos suave. Metem-se no mesmo saco Eno, Klaus Schulze e Tangerine Dream, com os Orb, KLF e Future Sound of London. A questão é que o som pode nalguns casos parecer semelhante à superfície, mas as filosofias que subjazem aos diferentes casos são opostas na sua essência.
Em rigor, o único ponto de contacto existente entre estes mundos é a tecnologia. Quanto aos alemães, é fácil pô-los de imediato fora deste barco. Os representantes da chamada “escola planante” partem da ideologia romântica à descoberta do espaço, exterior e interior. A música ambiental propriamente dita, enquanto termo tornado corrente pelas teorizações de Brian Eno elaboradas a partir de “Discreet Music”, procura, por seu lado, harmonizar o indivíduo com o espaço circundante. Integrar numa única música a melodia humana e o ruído circunstancial. Por último, a derivação final da “ambient”, proveniente do esvaziamento rítmico da “house”, procura pelo contrário uma espécie de conforto no vazio (são bem elucidativas, neste aspecto, as considerações que os Future Sound of London tecem a propósito so seu último disco), um paliativo para as ressacas provocadas pela “ecstasy” e pela orgia dançante das discotecas. A música ambiente, ou ambiental, do lado de Eno, procura o real. A “ambient” à saída das pistas de dança e à entrada da individualidade perdida mergulha no virtual. A primeira é atenção, a segunda alienação. A primeira vem de Cage e da Natureza, a segunda da “House” e dos químicos. Uma liga a outra desliga. Uma acorda, a outra adormece. Uma harmoniza, a outra normaliza.
A confusão aumenta quando se editam discos como este, onde, a pretexto de se tratar de uma “Free Zone” sem fronteiras, se juntam as batidas sem coração nem imaginação de técnicos recentes de manipulação sonora de várias nacionalidades, como Solar Quest, Avalon, Orange, Rising Sun Air, Porcupine Tree (os mais interessantes), Bleep, The Arc, Young American Primitive, Deep Space Network e Terre Thaemliz, com retalhos – onde a electrónica está mais presente ou é mais calma – arrancados a ferro de discos antigos do catálogo Made to Measure, na tentativa de desta forma fazer passar por “ambientalistas” nomes como Benjamin Lew, Sussan Deihim com Richard Horowitz, David Cunningham, Hector Zazou e Peter Principle. Até David Byrne (!), cuja música é tão ambiental como um par de dançarinos de lambada, foi enfiado a martelo nesta zona franca, através de um pequeno apontamento orquestral de “The Forest”. Se quiséssemos ser perversos, poderíamos descortinar nesta molhada uma estratégia concertada, fruto de um inconfessável desejo de procurar capitalizar num catálogo, o da MTM, onde, por ser dirigido a minorias, seguramente os números de vendas de discos não devem ser exorbitantes. Agora, se afinal também são “ambientais”, a rapaziada é capaz de pegar neles. Chama-se a isto vender gato por lebre. (5)