#123 – “Preferências musicais (FM)”
Fernando Magalhães
02.07.2002 160429
Cada um tem as suas.
Gosta-se de esta ou desta música, por causa de:
1) idade
2) educação musical (falo do gosto)
3) hábitos de escuta
4) Maior ou menor curiosidade
5) personalidade que se tem
Ou seja, gosta-se mais desta ou daquela música, em consequência, mais do que por aquilo que conhecemos, POR AQUILO QUE SOMOS.
Ouvimos/gostamos da música que nos satisfaz DE FACTO, emocional/intelectual e fisicamente.
Procuramos a música, enfim, que TEM A VER COM AQUILO QUE SOMOS. Que se adequa aos nossos ritmos e melodias interiores. Que nos preenche. Que vai ao encontro da nossa vida. Que dialoga com as nossas aspirações, as nossas alegrias, as nossas dores, mesmo os nossos medos.
Mesmo quando o ecletismo impera, dentro de cada música, procuramos ainda ISSO que tem a ver INTIMAMENTE connosco.
Evolui-se no gosto musical da mesma forma que se evolui na vida. Ou seja: crescemos.
Crescer é aprender. A ser melhor. A ouvir melhor. A tocar melhor. Um tocar que é musical mas também um toque nos outros.
Há músicas que intoxicam (as mais massificantes) e músicas que ajudam a crescer, que libertam, que provocam, que espantam. Em suma, que, desta ou daquela maneira, nos AFETAM.
Muitas vezes, consumimos informação, não música. E a intoxicação impede a clareza/disponibilidade de nos ouvirmos a nós próprios – condição necessária para a descoberta da TAL música “perfeita” que buscamos.
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Pessoalmente, a música que me toca, tem, regra geral, excentricidade e uma dimensão de “fantástico” (como em “cinema fantástico”. E um elemento “cósmico” (não confundir com o cliché…). Uma música que excita a imaginação, onírica.
Também procuro o experimentalismo. Pela curiosidade de saber como soa ou soará o que há-de vir. O risco. O desprezo pelas convenções.
Considero músicas “cósmicas” aquelas que se opõem a músicas “confessionais”.
Um músico confessional fala se si próprio, da sua experiência pessoa (são músicos confessionais: Tom Waits, Nick Drake, Kristin Hersch, Peter Hammill, a maioria dos singers/songwriters). A pop, a boa pop, é maioritariamente confessional.
Música cósmica, é aquela que procura, ou tem, uma visão exterior ao indivíduo. Uma visão universalista. É música cósmica a de Peter Hammill/Van Der Graaf, Magma, Labradford…
Repararam que o Peter Hammill figura nos dois grupos…
O jazz, curiosamente, junta frequentemente estas duas vertentes.
Pode-se ser um confessional experimentalista (Tim Buckley) e um cósmico experimentalista (quase todo o krautrock).
A maior parte da música atual é mais “produto musical” do que música com “M” grande. Fruto das pressões da indústria e das pressões consumistas. As exceções estão quase todas fora do mainstream. Porque será que se fala tão pouco de AMON TOBIN?…
A conversa, caso haja interesse, continua… 🙂
FM
dubturn
02.07.2002 170514
Acrescento (até podes considerar um anexo ao CRESCEMOS EM MÚSICA):
A importância de pessoas que nos “guiem” musicalmente não deve ser descurada (seja ela através de revistas, de music-opinion-makers, de pessoas que dizem ‘gostas disto? então vais gostar disto…’)
São todas estas sub-ramificações que ajudam tanto a que a gente cresça musicalmente. Pode-se chegar ao mesmo sítio de tantas maneiras diferentes, o krautrock tem sentido diferente para quem vem do jazz e para quem vem do prog rock, completamente diferente. A maneira como ambas essas pessoas sentem o kraut (falo do kraut, pode ser outra coisa qq) é diferente, porque vêm de sítios diferentes. É por isso que gosto de ouvir a opinião dos outros, porque fazem ligações que eu, por mim, seria incapaz de fazer.
Fernando Magalhães
02.07.2002 170545
A intuição, a disponibilidade e a predisposição jogam um papel importante na descoberta da “nossa música”.
Há forças curiosas em jogo… : )
Quando comecei a comprar discos, fazia-o frequentemente completamente ás cegas. Ou quase. E era neste QUASE que tudo se jogava.
Mandava vir discos de Inglaterra, muitas vezes por uma capa que via reproduzida no “Melody Maker” ou no “NME”, pelo texto de um anúncio (nos anos 70, os anúncios de discos na Imprensa eram bem mais fiáveis do que hoje em dia…), pelo nome mais exótico de uma faixa que tirava de uns livrinhos (c/excelente apresentação) enviados pelo correio pela COB (era daí que mandava vir os discos…) aos seus clientes, onde se especificavam todas as edições disponíveis e os respetivos alinhamentos de faixas de cada disco.
Também ouvia muita rádio, claro! Descobri muitas coisas através da radio Luxembourg, nomeadamente o programa “Dimensions” do KID JENSSEN (hoje a fazer anúncios a colectâneas dos anos 60 na televisão…).
Costumava haver interferências e, às vezes, era frustrante ouvir um tema fantástico de 20 minutos, querer saber o nome do autor ou do grupo e o ruído radiofónico aparecer exatamente no momento em que o locutor dizia o nome do intérprete, impedindo de perceber uma palavra. : )
Mas acabava sempre por saber. : )
Hoje, são mais raros os media (jornais, revistas, rádio, TV…) que arriscam a divulgação de música mais afastada dos parâmetros mainstream, pelo menos em Portugal e de que eu tenha conhecimento.
Haverá uma relação porventura demasiado estreita com a Indústria (ou uma preguiça, não sei…) que impede a procura, mais do que do “novo”, do DIFERENTE.
continua… : )
Jean
02.07.2002 170509
“Considero músicas “cósmicas” aquelas que se opõem a músicas “confessionais”.”
acrescentaria que a dimensão cósmica tem dois sentidos, o positivo e o negativo – referindo-se a ciclos e arquétipos universais como o ying/yang.
a intenção positiva tende a experimentar mais, a procurar novos caminhos e a abri-los para todos.
penso que a música como qualquer estímulo sensorial deve ser aproveitada da melhor maneira possível seja no processo de criação seja no de perceção. está como o Fernando Magalhães diz, intimamente ligada ao q somos. conscientemente ou não, escolhemos uma direção. quanto mais consciente, responsável e livre for mais válida se torna.
Fernando Magalhães
02.07.2002 170554
Isso já são contas de outro rosário : ) Ou do mesmo, mas a outro nível… : )
Eu diria que há duas formas de audição, uma YANG, outa YIN, podendo (e devendo…) coincidir.
Chamo uma audição (um de atitude de escuta) YANG, aquela ATIVA, no sentido de que quem está a ouvir a música, está, no fundo, a REPRODUZIR (diria mesmo, a tocar…) em si mesmo o que os seus sentidos/cérebro/alma recebem. OUVIR e FAZER música coincidem.
É uma atitude de TENSÃO. Atenção. A-tensão.
Uma escuta YIN é uma escuta mais passiva, no sentido de estrita fruição estética da música, independentemente da coincidência entre as energias em jogo do emissor musical e do recetor. É a escuta do prazer, por oposição à escuta YANG, que até pode ser dolorosa…
Clone
02.07.2002 170559
Peter Hammill rules!!!!!
Are you already in “Autumn”…or else, in “This side of the looking glass”? (n.p. – isto continua a dar arrepios) I hope not… (a pergunta é retórica, não precisas de ser confessional).
Fernando Magalhães
02.07.2002 180632
O espelho, felizmente, tem mais do que dois lados.
Escapar à dialética é meio caminho andado para conquistar a liberdade.
Todavia, o lado da dor (e da loucura…), esse conheço-o bem…
“This Side of the looking glass” (e o “Over” em geral) é uma canção de facto…eu diria que TOCANTE…
A escrita poética do PH tem essa característica única, de conseguir fazer universais, experiências pessoalíssimas.
Claro – ele soube atingir a camada mais funda da psique humana – aí onde os mitos pertencem a todos – O Jung chamou-lhe Inconsciente (inconsciente?) coletivo…
Durante anos eu (e muitos mais, decerto, além de mim, ou talvez nem tantos como isso, quem sabe.. eu não sei…) houve uma coincidência absoluta entre o percurso interior do PH e o meu, isto porque, embora sejam divergentes as vidas de cada um, há pontes, mares, portos, tempestades comuns…
Seguir cada poema era como – lá está – olhar para um espelho. Um espelho das profundezas.
Lembro-me quando, após a 1ª extinção do grupo, ouvi o regresso, o álbum “Godbluff”. Era a sequência absolutamente lógica do que ficara para trás – a viagem mantivera a sua absoluta integridade e… eu continuava a “estar lá”.
O “Over”, claro, está marcado pela dor da rutura amorosa. Mas o fator “cósmico”/mitológico continua presente, embora “diluído” na tal escrita mais “confessional”.