Spin 1ne 2wo
Spin 1ne 2wo
CD Columbia, distri. Sony Music
Spin 1ne 2wo é um termo utilizado pelo mago da física Stephen Hawkings nas suas lucubrações sobre física quântica. Além disso, a capa refere os fractais, tema muito em voga, e tudo pretende ser científico e muito complexo. “Alta arte”, como diria o nosso amigo Calvin. Sob esta carrada de pretensiosismo, cuja intenção parece ser afinal esconder que o rei vai nu, estão uma banda e um projecto nada originais. A banda é formada por conceituados músicos de estúdio que decidiram brincar com algumas das suas canções preferidas. Paul Carrack, Steve Ferrone, Tony Levin, Phil Palmer e Rupert Hine escolheram as canções e trataram de as assassinar, com método e competência técnica, de maneira a transformá-las num execrável chorrilho de lugares-comuns, inseridos na estética (mas pode chamar-se estética a isto?) do chamado rock FM. E algumas das canções – escolhidas não se sabe bem com que critério, senão o do gosto pessoal dos músicos, que devem ter pegado nas que lhes vieram primeiro à cabeça – até nem mereciam o castigo. Segue a lista: “All along the watchtower”, de Bob Dylan, “Can’t find my way home”, dos Blind Faith, “Angel”, de Jimi Hendrix, “White room”, dos Cream, “Reason to believe”, de Tim Hardin, “You keep me hanging on”, das Supremes, “Black dog” e “Kashmir”, dos Led Zeppelin, “On the road again”, dos Canned Heat, “Feel like makin’ love”, dos Bad Company, “Reelin’ in the years”, dos Steely Dan, e “Who are you”, dos The Who. De todas elas, não sobrou uma poeira que fosse da magia original. (Verdade seja dita que algumas nunca a tiveram à partida. Escolham vocês quais!) Oh, crime! Oh, perversão! Como foi possível tamanha achincalhação? (2)
Pete Townshend
Psychoderelict
CD Atlantic, distri. Warner Music
Ray Highsmith é uma estrela de rock’ n’ roll com 50 anos de idade que odeia os jornalistas, põe em causa a sua relação com os fãs e se debate com a crise da andropausa. O guitarrista dos Who em debate confuso consigo próprio, num “concept album” que foi buscar material deixado na gaveta para inclusão num disco nunca editado, “Lifehouse”, na época preterido por “Who’s Next”. Apontamentos em forma de diálogo (transcritos na íntegra no folheto do disco, em… castelhano) das diversas personagens trocam de lugar com sucessivas recorrências de um mesmo tema, entre a crepitação de frituras de sintetizador repescadas do “experimental” “Baba O’Riley”. O resto são temas para dançar, sopa FM, uma voz que em “Predictable” resvala para os manos Bee Gees e um punhado de canções que puxam o lustro à recordação dos Who. Tem piada seguir as diversas peripécias da história e ver um velho dinossauro às violtas para parecer fresco e reciclado, com coisas interessantes para dizer. (6)
JANE SIBERRY
When I was a Boy (6)
CD Sire, distri. Warner Music
MATHILDE SANTING
Texas Girl & Pretty Boy (9)
CD Columbia, distri. Sony Music
Duas senhoras com duas belas vozes que cantam os rapazes. No caso da senhora Siberry, a voz chega, sobeja e está bem acompanhada. Quer dizer: Jane Siberry tem as cordas vocais afinadas mas as canções é que nem por isso. Valha-lhe a produção e carradas de cosmética a disfarçar a vulgaridade que espreita ao virar de cada esquina. Mathilde Santing, por seu lado, além de ser uma senhora é uma senhora intérprete. No novo disco reduziu o leque de compositores a um só – Randy Newman, de cujas composições se serviram, entre outros, Ray Charles, Ringo Starr, Nuna Simone, Peggy Lee e os Three Dog Night. Jane Siberry apostou mais nas vestimentas. Escolheu bons costureiros: Brian Eno e Michael Brook, ambos especialistas na “ambientalização” do som. Mas só em três temas: no que abre o disco, “Temple”, co-produzido por Eno (que também toca oboé) em conjunto com ela, em “Sail across the water”, já com Eno sozinho aos comandos, na produção e nas teclas de um Hammond marado, e em “Love is everything”, com produção e “guitarra infinita” de Michael Brook. Engraçado o modo como Eno, no primeiro tema citado, faz com que o tema se pareça com um dos que assinou para David Bowie. “Sail across the water” é música para dançar sem frenesim. No meio deste bom gosto inicial ainda cabe a voz de K. D. Lang, em “Calling all angels” que não sendo uma senhora por convicção é na mesma uma senhora cantora. E pronto. As promessas do início vão sendo aos poucos dissipadas pela falta de ideias que atravessa o resto do álbum. Siberry faz uns arremedos de ousadias Meredith monkianas no início de “All the candles in the world”, lança a rede da música de dança nesse tema e em “An angel stepped down” e desagua nos madrigais góticos à sombra dos This Mortal Coil nos longos “Sweet incarnadine”, “The vigil” e “At the beginning of time”. Sobra o afago da voz e a sensação de que esta poderia ter sido bem melhor aproveitada. É outra a conversa de Mathilde Santing. Com bom material nas mãos, a cantora holandesa faz maravilhas (a maior das quais é o jardim de histórias irreais de “Water under the Bridge”). A sua voz pode não ter o mesmo calor que a de Mary Coughlan, o calor e o sabor de ressaca de Marianne Faithfull, o “pico” atrevido de Rickie Lee Jones ou o intimismo majestoso de K. D. Lang. Mas as armas que tem ao seu dispor – clareza tímbrica, agilidade, controlo dinâmico, elegância e, cada vez mais, doses enormes de sentimento – usa-as da melhor maneira para esculpir cada canção, arrancando-lhe o melhor que ela tiver para oferecer. No caso das canções de Randy Newman, recorrendo a uma base instrumental que privilegia o piano (a cargo de Onno Krijn e Nico van der Linden) e o baixo, por Simon Panting, com colaborações adicionais de acordeão, naipe de cordas, guitarras e os tratamentos ambientais de Mimi Izumi Kobayashi, Mathilde Santing parte numa cruzada pelas estações do riso e das lágrimas, transportada na melancolia de pianos, ora melancólicos, ora fumegantes, ora em queda trágica pelas esquinas de “Same girl”, “Old man on the farm”, e do fabuloso “Bad news from home”. “Tickle me” é irónico e divertido, contrariando a tonalidade sombreada da generalidade do disco, e “Living without you” balança na gravidade de um violoncelo, sobre as luzes infantis de uma caixa de música. Em “Pretty Boy”, Mathilde lança-se sem pára-quedas por ousadias formais que se pensava serem exclusivo de Laurie Anderson. A Randy Newman deve agradecer-se o ter proporcionado à cantora holandesa a oportunidade de subir a grande altura. Tão alto que já a vemos do lado das chamadas “grandes damas”, as tais senhoras que se entregam por inteiro às dores e volúpias da voz.