Arquivo mensal: Maio 2011

The Rolling Stones – “Aftermath” (self conj.)

15.11.2002

Rolling Stones – O Diabo Que Os Carregue

The Rolling Stones

Aftermath
8/10

LINK

Between The Buttons
10/10

Beggars Banquet
9/10

ABKCO, distri. Universal

Levou os Stones ao colo na escalada que colocou uma banda de “rhythm ‘n’ blues” no topo da montanha. Três clássicos: “Aftermath”, “Betwen Buttons” e “Beggars Banquet” estão aí.

Já cá estão. Já cá cantam. Para ouvir e magoar. The Rolling Stones, as tais reedições de luxo, com remasterizações a preceito e embalagem digipak, da discografia dos anos 60 e início dos 70 da “maior banda de rock ‘n’ roll do planeta”, estão disponíveis no mercado português.
Dezanove objectos de prazer. E de delito. Os primeiros exemplares, em número limitado, podem ser lidos em formato áudio normal e super áudio e incluem um certificado de garantia. Do pacote fazem parte as versões inglesas de “Out of Our Heads”, “Aftermath” e “Between the Buttons”, pela primeira vez disponíveis em CD, enquanto “Metamorphosis” tem estreia absoluta no formato digital. A colectânea americana “More Hot Rocks (Big Hits & Fazed Cookies”) inclui temas de bónus. Embora a apresentação gráfica em digipak deixe algo a desejar (fotos baças e sem contraste; em “Their Satanic Majesties Request”, a fotografia original em 3D foi substituída por um falso holograma, com o enquadramento truncado), este é o trabalho mais exaustivo até à data sobre a “maior banda de rock ‘n’ roll do sistema solar”.
Antes de mais, a lista da pedreira: “England’s Newest Hit Makers: The Rolling Stones” (1964, ed. exclus. EUA), “12×5” (1964, EUA), “The Rolling Stones Now!” (1965, Inglaterra/EUA), “Dedcember’s Children” (1965, EUA), “Out of Our Heads” (1965, Inglaterra/EUA), “Aftermath” (1966, ed. Eclus. Inglaterra/EUA), “Got Live If You Want It” (1966, EUA), “Between the Buttons” (1967, Inglaterra/EUA), “Their Satanic Majesties Request” (1967, Inglaterra), “Flowers” (1967, Inglaterra), “Beggars Banquet” (1968, Inglaterra), “Let It Bleed” (1969, Inglaterra), “Get Yer Ya-Ya’s Out” (1970, Inglaterra). Ainda as colectâneas inglesas “Big Hits – High Tide and Green Grass” (1966) e “Through the Past Darkly” (1969) e as americanas (ambas em duplo CD) “hot Rocks, 1964-1971” (1972) e “More Hot Rocks (Big Hits & Fazed Cookies)” (1972). Quem quiser optar apenas pelas canções mais conhecidas, pode ficar-se pela caixa de 3 CD, “The Rolloing Stones Singles Collection: The London Years” (1989). Todos com distribuição pela Universal.
É muito e sabe a muito, muitas vezes a fel, a música da “maior banda de rock ‘n’ roll da galáxia”. E, no entanto, foram os Beatles, e não os Stones, que criaram raízes no rock ‘n’ roll. Os Stones foram mais atrás e pagaram pela ousadia. Aos “blues”. À fofueira primordial da música negra. Por isso se diz, se sente, se ouve, como é “branca” a música dos Beatles e “negra” a dos Stones. Em mais do que um aspecto. Deixemos, porém e de uma vez por todas, os “fabulous four” em paz. A história dos Rolling Stones é outra e, por norma, troveja.
Originalmente denominados The Rollin’ Stones, o grupo operou desde o início a partir de um núcleo central formado por Mick Jagger e Keith Richards. Os anjos exterminadores. Brian Jones chegaria mais tarde trazendo consigo as jóias mais belas e envenenadas. Dizíamos os “blues”. E assim era quando, em 1962, um dos mais notáveis “bluesmen” ingleses da época, Alexis Korner, os apadrinhou no primeiro concerto, no mítico Marquee Club, de Londres. Não foram bem recebidos. Acusaram-nos de “impuros”. No fundo, batia certo. Quando, mais ou menos na mesma altura, os… bem… os outros quatro, vestiam fatinho completo nas suas aparições na TV, os Stones recusavam-se a enfiar a imagem de meninos bem comportados. Andrew Loog Oldham, o empresário que os arrancou do anonimato, resumiu com bastante acutilância o que os Stones projectavam, não só como imagem mas como estilo de vida: “Música e Sexo”. Mais um naco de teoria: “o facto de apenas em alguns meses a Inglaterra necessitar de um oposto ao que os B*****S faziam. Algo instintivo. Podia convidar-se os B*****S para tomar chá, não se podia convidar os Stones.

Coração De Pedra

Os primeiros álbuns, é forçoso reconhecê-lo, não eram obras-primas. Simplesmente blues, rhythm ‘n’ blues e rock, interpretados como se tivessem saído há pouco do forno. A voz sexuada de Jagger e a energia posta em acção pelos cinco elementos do grupo faziam aumentar ainda mais a temperatura. “The Rolling Stones”, de 1964, é um disco de “covers” 8apenas um original de Jagger/Richards, “Tell me”), o mesmo acontecendo, em menor percentagem, ao americano “Now!” e ao inglês “Out of our Heads”, com três originais cada, ambos contendo um tema ícone em que Jagger vestia já a pele de diabo apaixonado, “Heart of Stone” (é complicada esta teia de canções que saltam dos discos ingleses para os americanos; digamos, para facilitar, que os americanos, por razões comerciais, gostavam de incluir os “singles” nos alinhamentos).
O álbum clássico deste primeiro período, essencialmente de aquecimento e endurecimento na estrada poeirenta e dolorosa do “blues” e do “rhythm ‘n’ blues”, é “Aftermath” e é o primeiro em que a assinatura Jagger/Richards é visível e todas as faixas.

As Coisas Tornam-se Diferentes

“Things are different today…” diz o primeiro verso de “Mother’s little helper” e, num flash, podia sentir-se a diferença. Os Stones tinham aprendido no duro, e sabe-se lá a troco de quê, a fazer vibrar a corda que leva ao estrelato. “Lady Jane” fez muita gente chorar e “Under my thumb”, com “Stupid Girl”, desencadeou uma onda de acusações de misoginia contra ogrupo. Mas as raparigas, em ponto de rebuçado, desmaiavam e gritavam enquanto os rapazes ensaiavam os trejeitos de anca que tornavam Jagger no mais escandalosos cantor da pop para multidões, juntando na sua pose andrógina a languidez de Presley, a fúria de Jery Lee Lewis e o diabolismo, mal encapotado, de Screaming Lord Sutch. Tal combinação estava destinada a atear incêndios. Era costume apontar-se o facto de, depois de cada concerto, não haver um assento na sala que não ficasse com manchas de humidade… Pelo sim, pelo não, Ed Sullivan, que antes já banira o grupo do seu show televisivo, acabou por aceitá-los, na condição de trocarem o título do single “Let’s spend the night together” por “Let’s spend some time together”.
Curiosamente, corria o ano de 1966, e desprendia-se da música um sentimento de realidade, uma noção avassaladora das forças-motrizes da paixão. As canções de amor dos Stones não eram doces nem cor-de-rosa, desprendia-se delas, pelo contrário, uma negritude e um desespero que era, afinal, a mesma do “blues” e que nunca abandonaram (“High and dry” recua aos primórdios… juntando-lhe uma faceta “vaudeville” que também se tornaria apanágio da banda). Lendo-se de outra maneira: em “Aftermath” não são ainda perceptíveis os aditivos da droga. Certo, Brian Jones já acumulava visões e trouxera para o estúdio saltério, cravo, sinos e marimbas. Eram ainda os Stones “hard workin’ band” de “It´s not easy”, mas prontos para se enredarem nas malhas da pop de “I am waiting” ou no distanciamento de si mesmos e no humor, muito Zappiano, de “Waht do do”. As coisas tornar-se-iam ainda mais diferentes no álbum seguinte, “Between the Buttons”, para descambarem na alucinação pura em “Their Satanic Majestic Request”.
“Their Satanic…” era LSD em forma de canções. “Between the Buttons” tinha ainda um pé na terra, mas as cabeças já voavam… O mote poderia ser o título da última faixa: “Something happened to me yesterday”. E as ondulações de vibrafone, a guitarra distorcida e as harmonias vocais de “Yesterday’s papers” dão-lhe razão – os Stones tinham entrado num novo território, o Psicadelismo. “My obsession” é irresistível, e aprova de que a pop também sabe swingar. Um conselho para as bandas debutantes: ouçam este tema e aprendam. “Back Street Girl” é Stones valsa-musette, enquanto “Connection” soa como uma variante pedrada de “I’m a believer”. O órgão litúrgico e a “soul” embruxada são arrepiantes em “She smiled sweetly” e “Cool, calm & collected” sugere o que os Stones poderiam ter feito se tivessem sido autorizados a entrar no “Submarino Amarelo”.
Mas “Please go home”, apesar dos truques de estúdio, e “Miss Amanda Jones” (que deverá ter feito com que Lennon e McCartney se roessem de inveja) são a garantia de que os Stones mantinham o coração no lugar que sempre foi o seu: o “rhythm ‘n’ blues”. “Between the Buttons” é o “Revolver” dos Stones, o eterno segundo que o tempo, ano após ano, coloca mais próximo do topo.

De Regresso à Rua

Do lado de vida, as coisas corriam de forma complicada. Jagger e Brian Jones foram presos por posse de droga, embora de imediato ilibados.
No Nebraska, EUA, um polícia apontou um revólver à cabeça de Keith Richards, obrigando-o a despejar no chão uma garrafa de Coca-Cola, com a suspeita de que esta estaria cheia de whisky (era ilegal bebê-lo em locais públicos). Em termos de publicidade, era bom para a imagem.
Quando “Beggars Banquet” foi editado em 1968, os Stones já tinham metido no saco dos “charts” de álbuns do Reino Unido, três “número um”, um “número dois”, dois “número três” e um “número quatro”. O contrato com o diabo estava a ser cumprido. Os Stones agradecem, ilustram a capa com uma retrete pública e abrem com “Sympathy for the devil”. É outro grande disco, a encetar o período “clássico”, simultaneamente um regresso às sonoridades de músculo, sangue e terra. Os “blues” voltavam para reivindicar os seus direitos. “Parachute woman”, “Jigsaw puzzle”, o “blues” imaculado de “Prodigal son”, “Stray cat blues” (viciante, viciante!) e o hino “Street fighting man” (curioso notar o ritmo martelo-pilão, em completa sintonia com os Velvet dos primórdios) tinham afastado definitivamente os espectros dos saltérios, das “sitars” e dos arranjos-labirinto, por troca com as guitarras e adrenalina para o povo. Existia uma razão de peso para que tal acontecesse: Brian Jones já lá não estava (partira para as estrelas). No Natal desse mesmo ano os Beatles também deixariam de estar. Deixava de haver entraves. A estrada estava aberta de par em par para a “maior banda de rock ‘n’ roll do universo”. Os Rolling Stones estavam sozinhos.

Peter Hammill – “Clutch”

22.11.2002

Peter Hammill
Clutch
Fie, distri. Megamúsica
8/10

LINK

Concebido e executado na guitarra acústica, “Clutch” é o enésimo exercício de visão daquele que a revista “Mojo”, numa das suas últimas edições, considerou um dos génios artísticos do nosso tempo. Hammill é o poeta, o profeta e o visionário e “Clutch2 será tanto melhor compreendido quanto mais se conhecer a sua história passada. Aqui, o tempo e a memória desdobram-se uma vez mais em microssinfonias de vozes em diálogo consigo mesmas, de concertos e desconcertos da alma, em guitarras em sangue. Hammill entra em “The Ice Hotel”, onde o mundo e o amor congelam, lança um derradeiro beijo a uma das suas filhas, na melancolia da infância perdida, em “Once you called me”, sem desistir, com a lucidez e a paixão de sempre, da revelação, em “Driven”, mesmo que a religião seja, uma vez mais, posta em causa, em “This is the fall”. David Jackson, nos saxofones e flauta, faz a ligação ao som “Van Der Graaf”, enquanto o violino de Stuart Gordon confere um inusitado tom folk a “Crossed wires”. Tanto para os “iniciados” como para os “neófitos”, “Clutch” é um daqueles álbuns que cresce, ou sobe, a cada audição. Cuidado, que não há tecto.

Vários – “The Voices of the Dead” (conj.)

20.12.2002

Konstatin Raudive – O gravador de Mortos

Vários
The Voices of the Dead
Sub Rosa, distri. Ananana
6/10

LINK

Vários
Klangmaschine
Mille Plateaux, distri. Ananana
7/10

Vários
A New Guide to Sound Sculpture and Invented Instruments
FMR, distri. Sonoridades
8/10
Está por comprovar a veracidade científica do registo de vozes de mortos captadas em fita magnética pelo Dr. Konstantin Raudive (1909-1974, na foto), natural da Letónia, editadas em 1971 em forma de livro e disco (“Breaktrough: An Amazing Experiment in Electronic Communication with the Dead”). William Burrougs serviu-se deste material, no qual encontrou paralelismos com as suas técnicas de “cut-up”, o mesmo fazendo os Smiths com a inclusão de um excerto destas vozes no final de “Rubber ring”: “You do not want to believe: You are sleeping”.
“Voices of the Dead” vai mais fundo, numa espécie de seesão de espiritismo ou de ficheiros secretos manipulados por Scanner, Lee Ranaldo, David Toop, DJ Spooky, Random Inc. e Ensemble, que transformaram sonicamente as fitas originais compiladas e catalogadas, consoante a sua maior ou menor perceptibilidade auditiva, em “A”, “B” e “C”. Nos interins é possível escutar as vozes à deriva dos defuntos, a par de explicações técnicas. O resultado também tem a ver com o mundo das sombras, em registos que vão da electrónica infernal a frequências soltas e puro ruído residual. As excepções são DJ Spooky, que ensaia um groove saído da tumba, em “Cadavre magnétique”, e Brett Dean, em viola de arco solo. Nos 11 minutos finais preenchidos por algumas das experiências, comentadas pelo Dr. Raudive, pode-se ouvir os mortos a pronunciar frases como “Yet, at night God’s air is free” e “Good evening, I’d like to drink your wine with you”. Música “soul” levada a este extremo é de morte. Além das questões éticas que levanta em matéria de direitos de autor.
“Klangmaschine”, ou “máquina de som”, é mais “vivo”, ainda que o tema seja ainda a morte. Parte de uma análise musical e sociológica de Marcus S. Kleiner e Marvin Chlada para chegar à tese de que a pop, na melhor das hipóteses, é um “zombie”. As teorias de McLuhan confundem-se com magia, teorias sobre som e comunicação, citações de Rosa Luxemburgo, Valerie Solana e “2001” de Kubrick, e a música industrial (pau para toda a obra ao negro), ambient, dub, tecno, deep house, em “metamachines”, “liebemachines”, “reproduktionmaschines” e toda a espécie de temas-“maschines” postos a funcionar por Terre Thaemlitz, Tim Hecker, Taylor Dupree, Snd e Frank Brestschneider. Cordell Clier lembra na sua “Schreibmaschine” até que ponto os Kraftwerk foram os primeiros andróides electrónicos e John Harding leva-nos através de uma “world music” digital, enquanto Alva Noto se resguarda na “house” abismal dos Pan Sonic.
Em “Sound Sculptures” o som organiza-se como matéria lúdica, em mais uma série de experiências, prolongando procedimentos ideológicos da música concreta e acusmática. A noção de “autor” esbate-se em detrimento de um sincretismo sonoro universal em que a música nasce menos da escrita matemática do que da manipulação directa, do toque e da textura. Entre as presenças de Hugh Davies e Max Eastley, uma cintilante “Piezo’s tower” interpretada em esculturas/gongo de metal, “6 stations” electroacústicas e tribais de Derek Shiel e uma “Suite” de François & Bernard Baschet que decalca Moondog, chama-se a atenção para o tema final, “Dark Brother”, “statement” em bruto com a assinatura de Harry Partch, nome lendário das “novas músicas” não eruditas – intuitivas, “imperfeitas” e possuídas por uma raiva interior.