Arquivo mensal: Junho 2021

Kodõ – “Percussões Japonesas Nos Jerónimos – Sexo Com Os Tambores” (concerto)

cultura >> quarta-feira >> 28.04.1993


Percussões Japonesas Nos Jerónimos
Sexo Com Os Tambores


O grupo de percussões Kodõ, “crianças do tambor”, celebrou nos claustros dos Jerónimos um ritual de louvor à vida e ao ritmo. Ao ritmo da vida. Em guerra com os tambores tradicionais Taiko. Em paz com o mundo. Kodõ significa também “palpitar do coração”.



Aconteceu na noite de segunda-feira, em Lisboa, quando os tambores tradicionais Taiko, do grupo japonês Kodõ, invadiram os claustros dos Jerónimos, fazendo vibrar as pedras e o corpo da assistência convidada, numa cerimónia ritual de dança e percussões integrada no “Close-up of Japan-Lisboa-93”, iniciativa levada a cabo todos os anos, em diferentes cidades do globo, com o objectivo de divulgar a cultura japonesa. Cerimónia solene onde estiveram presentes o presidente da República, Mário Soares, e a princesa e o príncipe Takamado, do Japão, e que se repetirá hoje e amanhã, no mesmo local, em espectáculo para todos.
Cada instrumento musical tem uma alma própria. Qual é a alma do tambor? Explosão, rufo, disparo, baque, explosão. Um coração dentro da terra. Instrumento uterino, feito de matéria opaca, religa o corpo do homem ao ventre de Gaia, o planeta vivo. Os tambores Taiko assemelham-se a pipas de vinho, de tamanhos variáveis. Podem ser percutidos de ambos os lados, por um ou, nos de maiores dimensões (o maior de todos era gigantesco, montado sobre uma espécie de carro de guerra), dois músicos. Em vez de vinho produzem sons igualmente capazes de provocar a embriaguez.
Religação é sinónimo de religião. O grupo Kodõ, termo japonês com o duplo significado de “O palpitar do coração” e “crianças do tambor”, serve-se dos tambores para ritualizar os ritmos da terra, convocar os seus demónios, símbolo das forças telúricas que percorrem as artérias do planeta e, em última instância, para, comunicando com a terra, comunicar com o próprio corpo e as suas pulsões.
Durante o cerimonial zen dos Kodõ, o gesto dos executantes é indissociável da prestação musical propriamente dita. Homem, tambor e som confundem-se num corpo único. Num dos momentos mais altos de um acontecimento que terá deixado atónitos alguns dos convidados, os músicos, envergando apenas uns reduzidos panos brancos a envolver-lhes os rins, tocaram deitados, presos ao tambor, simulando (‘) as convulsões do orgasmo, gritando e gemendo, enquanto percutial o ventre do tambor. A música e o gesto, repetido, cadenciado, tendo por função a acumulação de energia sexual, segundo uma prática conotável ao tantrismo. Acto dionisíaco, demanda do transe extático e da sintonia com as forças e os fluxos naturais, em paralelo com um batuque africano ou uma bateria de samba.

Tantrismo

As artes marciais – como o tantrismo, uma técnica de auto-controle do corpo e da mente – estão também presentes na abordagem gestual e na aproximação estética dos Kodõ. Só assim se compreendendo, de resto, a capacidade de resistência física e a ginástica necessárias aos músicos para manter a inexorabilidade do ritmo e aceso o combate contra as peles dos tambores. O transe, e essa acumulação de força que invade o corpo do intérprete, permitiram o prodígio. Impressionante, a figura de um dos elementos dos Kodõ, erguido diante do monstruoso tambor Taiko, percutindo com dois enormes paus a superfície desenhada e iluminada, em ataques sucessivos, acompanhados de gritos de concentração (os “kiai” do karate), durante longos minutos, sem um desfalecimento, uma hesitação no gesto.

“Satori”

Oito percussionistas, um por cada tambor, executaram noutra ocasião simetrias corporais, em uníssono ou em desmultiplicações por ritmos sobrepostos, numa geometria arrebatadora de ataque gestual às peles. E aos nossos sentidos.
Mas não só os tambores fazem parte do arsenal manuseado pelos Kodõ. Pequenos címbalos de mão estilhaçaram o ar, chisparam, acenderam fogos-fátuos nos claustros dos Jerónimos. Sinos invisíveis que vieram acordar em nós a saudade de pássaros. Cintilações enredo em harmónicos de silêncio. A paz, também. Um flautista esculpiu o ar em bambú, esvaindo-se na noite antes de se perder entre o público, maravilhado. Uma figura feminina, a única do grupo, de cabeça em forma de lua, dançou a dança do luar, dos segredos ditos por amantes com a cumplicidade das águas espelhadas de um lago. Mulher em quarto minguante. Quarto-crescente, no céu.
Por fim, a festa. O encontro com a alegria. Com todos os celebrantes em júbilo colectivo, aos saltos diante da assistência, com os tambores a gritar alto o essencial: Acordem! “Satori”, como se chama no Budismo zen a este momento de iluminação.

Vários (Catarina Chitas, Matto Congrio, Paco Ibanez, Grupo de Cantares de Manhouce, Coro de Mulheres de Sófia) – “Maio, Maduro Maio” (4ª edição do Festival Cantigas de Maio | seixal | festivais | concertos)

pop rock >> quarta-feira >> 28.04.1993


MAIO, MADURO MAIO

A vila do Seixal será cenário, no próximo mês, da 4ª edição do Festival Cantigas de Maio, iniciativa que visa fomentar uma acção culturalpopular e descentralizada que “tenha a rua como palco e como origem”. Durante nove dias, as artes tradicionais vão ocupar a margem sul do Tejo.



Teatro de rua, exposições, gastronomia regional e espectáculos de música integram o programa das Cantigas de Maio que vão decorrer entre 14 e 22 de Maio na vila do Seixal, sob a égide da José Afonso e com o apoio da Câmara Municipal do Seixal e da Região de Turismo da Costa Azul. No capítulo dos concertos musicais há bastante por onde escolher. Confirmadas estão as presenças dos galegos Matto Congrio, banda de um prodígio da gaita-de-foles chamado Carlos Nunes, que esteve presente no Festival Intercéltico do ano passado, como convidado dos Chieftains, agora de regresso com um som bastante mais fiel à tradição da Galiza; da cantora tradicional da Beira Baixa, Catarina Chitas, acompanhada pelo Coro de Adufes de Penha Garcia; e, num espectáculo que se prevê memorável, a realizar no último dia no largo da igreja, do Grupo de Cantares de Manhouce, com Isabel Silvestre; e do Coro de Mulheres de Sófia composto por 24 “grandes vozes búlgaras”, dirigidas por Zdravko Mihaylov.
Outros nomes que vão estar presentes no Cantigas de Maio são os Cantares ao Desafio, de Montalegre (sexta-feira, 14), a Orkest de Volharding, grupo de jazz tradicional holandês que conta no seu reportório com temas de José Afonso (sexta-feira, 21), outro agrupamento da Galiza, os Alfolies, que farão animação de rua com as suas gaitas-de-foles e percussões (sábado, 15), João Afonso (sábado, 15), Paco Ibanez, lendário cantor espanhol de música de intervenção (sexta-feira, 21) e o grupo de cantares e danças da ilha de Santo Antão, Kola San Kon, que traz ritmos, tambores e umbigadas de Cabo Verde (sábado, 22).
Do programa fazem também parte uma exposição de fotografia de Maurício de Abreu de genérico “Que a Voz não Te Esmoreça”, título que dá o mote ao festival, e uma mostra “multimédia” de José Teófilo Duarte (ambas na sexta-feira, 14, às 19h).
O teatro de rua estará a cargo do grupo Tanxarina, da Galiza, que apresentará o espectáculo “Titiricircus”, uma comédia com marionetas de fios e palhaços (domingo, 17), e dos Artimagem, do Porto, com “Estive quase Morto no Deserto…” (sábado, 22), num espectáculo que tem por palco as janelas e telhados das ruas centrais da vila.
Ocorrerão ainda três convívios: na segunda-feira, 17, com a noite do acordeão; na terça-feira, 18, com a noite da gaita de beiços; e na quarta-feira, 19, com a noite da guitarra portuguesa. Com petiscos surpresa a acompanhar. As entradas são livres em todos os espectáculos.

Catarina Chitas: sexta-feira, 14
Matto Congrio: sábado, 15
Paco Ibanez: sexta-feira, 21
Grupo de Cantares de Manhouce: sábado, 22
Coro de Mulheres de Sófia: sábado, 22
Todos os concertos têm início a partir das 22h, no largo da igreja

Jethro Tull – “25 th Anniversary” (4XCD)

pop rock >> quarta-feira >> 28.04.1993
REEDIÇÕES


Jethro Tull
25 th Anniversary
4 x CD Chrysalis, distri. EMI-VC



Mais um tirinho, mais um aniversário, mais uma prenda com embalagem de luxo para encher o olho e oferecer aos paizinhos. As bodas de prata dos Jethro Tull vêm arrumadas na forma de quatro discos compactos, mais o livro da ordem (48 páginas, informação sobre a carreira e discografia completa do grupo), dentro de uma caixa a fingir de tabaco. O que difere, para melhor, de um objecto como o ultravistoso pacote dos Pink Floyd lançado recentemente é a ideia de fazer esta celebração de forma “subjectiva”, segundo expressão da editora. Por outras palavras, oferecer algo de novo de uma banda que, em meados da década de 60, começou por ser de blues, embarcou, na passagem para a década seguinte, no comboio da música progressiva, passou por fases acústicas de cara virada para a folk, pelo rock pesado, pelo sinfonismo, para finalmente se arrastar até aos dias de hoje na lama do “mainstream”.
Assim, o primeiro CD dos festejos apresenta novas misturas de canções clássicas: “A song for Jeffrey”, “Living in the past”, “The witch’s promise”, “Ministrel in the gallery” e “Songs from the wood”, entre outras. O segundo é a gravação ao vivo de um concerto na Carnegie Hall de Nova Iorque, de 1970. O terceiro, de genérico “The Beacons Bottom”, alterna solos dos vários músicos com versões alternativas de temas como “Thick as a brick” (abreviado), “My god” e “Aqualung”. Finalmente, o quarto CD regressa aos registos ao vivo, desta feita recolhidos entre 1969 e 1992.
Um conjunto estranho de opções, como se vê, de interesse sobretudo para os admiradores de longa data de uma banda que se pode orgulhar de contar no seu currículo com obras da envergadura de “Aqualung”, “Thick as a Brick”, “A Passion Play”, “Songs from the Wood”, “Heavy Horses” e “Minstrel in the Gallery”, aquelas em que ficou mais vincada a visão do seu líder Ian Anderson, o trovador / flautista / cantor que se aguentava a tocar numa perna só. (6)