pop rock >> quarta-feira, 08.12.1993
Capa
POPROCK
especial
DISCOS DE HOMENAGEM E REEDIÇÕES
Maria Teresa de Noronha
António Variações
pop rock >> quarta-feira, 08.12.1993
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POPROCK
especial
DISCOS DE HOMENAGEM E REEDIÇÕES
Maria Teresa de Noronha
António Variações
pop rock >> quarta-feira, 08.12.1993
De onde lhe vem esse interesse continuado pela música tradicional, de certa forma estranho num músico conotado com o jazz?
Este interesse vem de todo o meu trabalho anterior. Comecei a tocar nos Go Graal Blues Band. Depois da tropa estive ligado aos cantores chamados na altura “de intervenção”, Luís Cília, Janita Salomé, Vitorino, Carlos Mendes, José Mário Branco, uma série de gente que, de alguam forma, estava perto desse género musical. Estive também em certa parte ligado ao GAC, que foi um viveiro de músicos. Todas essas inas partiram daí.
Mas o seu objectivo musical último é mesmo essa fusão entre o jazz e a música tradicional?
O que eu pretendo não é bem isso. Por exemplo, no novo disco, a ligação entre as músicas tradicionais portuguesa e chinesa não passa pelo jazz. Ou tem a ver apenas pela improvisação, embora esta não seja exclusiva do jazz. Existe até na música antiga. Este é o disco que eu precisava de fazer. O segundo disco é sempre o mais difícil e houve certas coisas do primeiro que ficaram por fazer. No primeiro disco, [“Crepúsculo do Vinho”] dei uma imagem minha mais em termos de arranjos e agora dou mais a imagem do instrumentista, de baixista. Embora também os arranjos tenham sido todos escritos por mim. E aquilo que faço no baixo tem, no fim de contas, a ver com um espírito, uma forma muito especial de encarar o instrumento. É evidente que há uma série de influências de compositores como o Charles Mingus, o Jaco Pastorius, o próprio Dave Holland.
Considera-se ou não, afinal, um músico de jazz?
Situo-me como um músico que tem influências do jazz, mas não me considero apenas um músico de jazz. Até porque, dentro de uma linguagem jazzística propriamente dita, o “be-bop”, por exemplo, não é um estilo em que me sinta muito à vontade. Hoje em dia já há aí muita gente a tocar muito bem e pensoq eu dentro do jazz há um género com o qual estou perfeitamente à vontade que são os “blues”. Isso sim, se me falarem em “blues”, posso tocá-los lá fora com quem quiser.
De onde lhe veio esse interesse pelos “blues”?
É um interesse que já vem de muito longe. E depois tive a sorte de conhecer e de fazer parte dos Go Graal Blues Band, onde gravei o primeiro disco de “blues” feito em Portugal, em 1978, penso eu. Comecei logo num grupo que já era conhecido, fizemos as primeiras partes de uma série de músicos estrangeiros. Passei logo de uma pessoa que gostava de tocar baixo e que fazia coisinhas para o palco de Cascais, cheio de gente, apanhei logo um impacto muito grande. Estive também com o Rui Veloso, no Festival de Jazz de Cascais, e aí veio um bocado a comprovar-se essa ligação aos “blues”. Não me estou a ver de fatinho e gravata a tocar um tema de “be-bop”…
Essa não arrumação num estilo bem demarcado provoca-lhe algumas dificuldades em termos de carreira?
Não, porque normalmente as pessoas ligam-me sempre ao jazz. De resto até me traz vantagens. O facto de eu ter tocado com músicos muito diferentes traz-me várias vivências. Estive com o Luís Cília, que talvez seja um dos músicos que mais respeito, mas estive também com o Fernando Pereira, que é um imitador e com quem fazia 27, 28 espectáculos por mês. Isto quer dizer alguma coisa. São duas pessoas completamente diferentes, para dois públicos completamente diferentes, mas se calhar a riqueza que tirei dos dois trabalhos foi muito importante. Com o Fernando Pereira, era um trabalho de fazer arranjos e de tocar a acompanhar as sessões que ele fazia. Isso permitiu-me ter um contacto directo com o país que foi muito benéfico. É evidente que essa música não tinha muito a ver com a minha linha de acção. Também é preciso dizer que foi numa altura da minha vida em que precisava de ganhar umas massas… Sem desprezo nenhum, atenção. Na cultura, há uma coisa um tanto ou quanto ridícula. Se estás no BPA e passas amahã para o Barclays Bank e dizes “Olha, agora estou a ganhar mais 50 contos”, toda a gente diz “Eh pá, fizeste bem!”. Agora, se estás num sítio e passa a cantar com um cantor e ganhas mais, dizem que já te vendeste. Na cultura é assim: ou as pessoas morrem de fome ou, então, nunca se sabe muito bem como é que vivem, onde é que arranjam dinheiro para viver.
Na altura em que saiu “Crepúsculo do Vinho” houve quem o criticasse por ter escolhido temas demasiado popularuchos, em vez de fazer uma recolha mais profunda no cancioneiro tradicional. Fê-lo por facilidade, por opção ou por humor?
Foi propositado. Pelo seguinte: esta experiência da música tradicional com o jazz não é a primeira vez que acontece. Há um músico que é um pouco esquecido, o José Eduardo, contrabaixista, que foi das primeiras pessoas que eu me lembro de ter feito essa ligação. Lembro-me de assistir a concertos dele em que utilizava gaitas de amolador. Mas o facto de ter começadopelas coisas mais popularuchas explica-se porque, na altura nenhum dos músicos que trabalhavam comigo percebi amuito bem o que é que se estava a passar em relação à música portuguesa. Havia, de certa forma, que educa-los na música portuguesa. Além de que, da parte do público, como aconteceu por exemplo num concerto às três da tarde antes de um discurso do Cunhal, as pessoas por vezes só captam o tema, a melodia principal. Se eu tocar o “Fado Vitória” ou o “Povo que lavas no rio”, as pessoas reconhecem os temas, mas a partir daí, os solos, já não percebem nada. O que eu quis foi então chamar a atenção das pessoas não por uma questão de comercialização, mas para elas verem que já ouviram muitas versões daquelas músicas mas se calhar nunca da nossa maneira.
Se no segundo disco continuasse no mesmo caminho, isso ái já não. Uma coisa que acontece no novo trabalho, com o Wong On Yuen, é que se calhar só alguns entendidos é que vão perceber que há lá melodias portuguesas. Também fiquei um bocado cheio daquela quantidade de grupos que apareceram com a mulher do que tocava guitarra a tocar bombo… Às vezes dava uma imagem da música tradicional um bocado de “coitadinhos”. Da parte de alguns grupos de música tradicional há muito a tendência de se fazer a recolha o mais fielmente possível. O que traz alguns problemas. Uma vez falei com um senhor do Alentejo que me disse que tinha lá ido um grupo desses fazer uma recolha e não se tinham a percebido de que os músicos locais se tinham enganado. O senhor estranhava que não tivessem reparado que eles se tinham enganado. Criaram uma música tão fiel que taé tem um engano e tudo…
*Compositor, arranjador e baixista do quinteto KAF. Actual responsável na zona norte do projecto “multimédia” de informação e publicidade M-24. Fez parte dos Go Graal Blues Band e tocou, entre outros, com Luís Cília, José Mário Branco, Rui Veloso e Vitorino. É director artístico do festival Guimarães-Jazz que decorreu nessa cidade desde o dia 20 até ao dia 27 do mês passado, onde actuou com a nova formação do KAF no passado dia 22.
cultura >> terça-feira, 07.12.1993
Frank Zappa, o grande sátiro do rock, morreu na noite de sábado na sua residência em Los Angeles, com 52 anos de idade, vítima de um cancro na próstata. A notícia chegou assim, com a frieza de um boletim clínico, como algo de inevitável e de há muito esperado.
O pais das mães (ou seja, seu avô comum) da invenção morreu. Os escândalos, as provocações e as posições incómodas que sempre defendeu, contra o “business” e a sociedade norte-americana em geral, deixaram de chocar uma América hipócrita que pode finalmente engolir e digerir com prazer e segurança aquilo que antes condenara mas agora consente como sendo apenas as excentricidades de um génio. Com o seu desaparecimento perdeu-se, e isto é o mais importante, um músico que revolucionou por completo os sons, a pose e as ideias da música Rock. Já para não falar dos bigodes.
Zappa, um dos últimos nomes que figuram na Enciclopédia da música popular deste século, nasceu a 21 de Dezembro de 1940. Passou os anos da juventude a ouvir Varese, a escrever bandas sonoras para filmes de série B, a fazer gravações pornográficas e, por consequência, a ser preso. Em 1967 resolveu tirar dividendos deste tipo de actividades e a gravar discos, tornando-se deste modo um dos maiores terroristas musicais que a História conheceu. Nesse mesmo ano em que os jovens de ambos os lados do Atlântico se enfeitavam com flores e falavam de paz, Frank Zappa, com os Mothers of Invention, entrava a matar, despedaçando o mito “hippie”, em “We’re in it only for the Money”, álbum que satiriza, desde a “pastiche” da capa, o mito máximo dessa filosofia, o monumental “Sgt. Peppers” dos Beatles. Antes, a sua veia satírica exercitara-se a gozar os clássicos dos anos 50 – osmesmos que habitam o núcleo da sua música – na estreia “Freak Out”, para em “Absolutely Free” deitar por terra a hipocrisia e o falso bem estar da América do põs-guerra.
Manifestos Da Loucura
Continua no mesmo andamento até ao fim, expondo à luz do dia os tabus mais secretos das sociedades modernas, acumulando gozo e perversões (conta a lenda que durante um concerto na Alemanha anterior à queda do Muro, Zappa conseguiu excitar a audiência ao ponto de convencê-la a fazer em peso a saudação nazi) e gravando para a posteridade álbuns em que deixou patentes, além do seu virtuosismo na guitarra, o seu génio de compositor e arranjador. São cerca de 50 obras que esticaram os limites da música popular, com o estatuto de manifestos da loucura: “Cruisin’ with Ruben and the Jets”, uma paródia ao rock ‘n’ rol, “Uncle Meat” (com Jean Luc Ponty no violino, que homenageia e interpreta a sua música no álbum “King-Kong: Jean Luc Ponty Plays the Musico f Frank Zappa”), “Weasels Ripped my Flesh”, “Burnt Weeny Sandwich”, os hilariantes “Overnite Sensation” e “Roxy & Elsewhere”, gravado ao vivo. Já com o nome próprio, assinou a obra-prima “Hot Rats”, “Chunga’s Revenge” (com outro grande violinista, Don “Sugarcane” Harris), o épico-musical “200 Motels”, “The Grand Wazoo”, “Sheik Yerbouti”, “Joe’s Garage” e “Them or Us”, entre dezenas de obras importantes.
A Frank Zappa se deve ainda ter dado a conhecer ao mundo a visão musical tresloucada de três personalidades “sui generis”: o genial, Don van Vliet, aliás Captain Beefheart – de quem produziu o clássico “Trout Mask Replica” e com quem gravou “Bongo Fury” -, um louco verdadeiro, o cantor e animador de rua Wild Man Fischer, cuja demência fiocou registada no inenarrável “Na Evening with Wild Man Fischer”, e, mais maquilhado antes de se dedicar ao golfe, o homem das serpentes (por acaso até perdeu uma delas na sanita da casa de banho) e do “glamour” sanguinolento, Alice Cooper. A sua costela decadentista e provocatória levou-o a produzir o grupo de “groupies” depravadas GTO (Girls Together Outrageously).Em anos mais recentes Frank Zappa compôs o bigode e testou a sua música em tipologias de todo afastadas do rock e da Pop: a experimentação com o computador Synclavier, traduzida em trabalhos como “Mothers of Prevention” ou “Jazz from Hell”, uma colaboração com Pierre Boulez em peças de bailado interpretadas pela Ensemble Intercontemporain que fazem parte de “The Perfect Stranger and Other Works”, a escrita de partituras clássicas e a direcção de orquestras sinfónicas. O humor, esse nunca desapareceu. Uma das peças, encomendadas pelo IRCAM, de Boulez, incluídas em “The Perfect Stranger”, é, segundo Zappa “sobre um vendedor de aspiradores e uma dona de casa desleixada”.
Zappa Candidato
Ficaram célebres algumas considerações do artista sobre a cena musical (“não se pode saber se a música é boa se ela nos atinge no traseiro”) ou personagens dos “media” (jornalistas de rock “são pessoas que não sabem escrever e entrevistar pessoas que não sabem falar para pessoas que não sabem ler”).
Em 1969, durante uma digressão pelo Canadá, desfez pela primeira vez os Mothers of Invention, alegando que o público “aplaudia pelas razões erradas”. É o Frank Zappa intervencionista, sempre acutilante e pronto a pôr o dedo nas feridas. As letras dos discos eram, em certos casos, de fazer corar de vergonha até um tomate, como as de “Uncle Meat” (meia hora de dissertação pornográfico), “Does it hurts when I pee”, “Dinah – moe humm” (que conseguia que todos os homens conjugassem o verbo vir na forma reflexa) ou “Darling Nikki” (apologia da masturbação feminina) ou então autênticas heresias como a frase “God is stupid and a little ugly on the side” (de “You are what you is”, dirigido a Michael Jackson). Os “gays” não lhe perdoaram ter escrito “He’s so gay”. Os judeus sentiram-se ofendidos com “Jewish princess”.
Quando a censura norte-americana, através da criação da “The parents Music Resource Center, decidiu intervir, propondo uma classificação etária para os discos considerados “obscenos” ou de alguma maneira ofensivos para a moral, Frank Zappa insurgiu-se de imediato contra a principal promotora desta iniciativa, Tipper Gore – mulher do senador e vice-presidente dos democratas e actual colaborador de Clinton, Albert Gore – chamando-lhe, em pleno senado, a ela e a outras “esposas de Washington”, “um grupo de donas de casa chateadas”.
Empenhamento que, meio a brincar meio a sério, levou Zappa a apresentar-se como candidato independanete às eleições presidenciais americanas, em 1992. Na altura, o músico declarou que seria fácil vencer “sem precisar sequer de sair de cas”. “As eleições vão ser tão aborrecidas, um enorme bocejo, que as companhias de televisão farão bicha para me entrevistar”, disse. Só por manifesta má vontade dos eleitores Zappa não ganhou.
No ano anterior, o Presidente checo Vaclav Havel, mais liberal e decerto com maior sentido de humor, nomeara-o adido cultural no Ocidente.
Antes de morrer, Frank Zappa editara o álbum “The Yellow Shark”, previsto para ser executado ao avivo, com direcção sua – o que não chegou a acontecer -, pela Orquestra Sinfónica de Berlim. Acabara de terminar outra obra, “Civilization, Phase III”, a editar na próxima Primavera. Com a sua morte foi também parte dessa civilização que se perdeu. Da arte feita e vivida com humor. Humor que seria negro ou não seria humor, como dizia André Breton.