Arquivo mensal: Outubro 2021

Maggie Reilly – “Midnight Sun”

pop rock >> quarta-feira, 06.10.1993
NOVOS LANÇAMENTOS POP ROCK


Maggie Reilly
Midnight Sun
Mambo, distri. EMI-VC



Uma grande voz pouco vale se não for alimentada por música à altura. Maggie Reilly é dona de uma voz maravilhosa, de timbre ao mesmo tempo puro e caloroso, mas isso não chega para fazer de “Midnight Sun” um bom álbum. Reconhecida como a melhor vocalista que alguma vez acompanhou Mike Oldfield, em sucessão directa de Sally Oldfield, tendo colaborado nos álbuns “QE2”, “Five Miles Out”, “Crisis” e “Discovery”, Maggie Reilly ficou sobretudo ligada a duas canções do guitarrista que fizeram sucesso: “Moonlight shadow” e “To France”. A primeira, sobretudo, parece ter marcado de forma indelével o futuro da cantora que, logo no seu álbum de estreia a solo, “Echoes”, resolveu tirar o máximo partido do filão. “Midnight Sun” remete, logo desde o título, para esse instante de graça. Dá muitas voltinhas de braço dado com as flautadas “new age” e com os teclados de Kristian Schultze, um dos actuais “new agers” de ponta, se é que lhe podemos chamar assim, distribui muitos beijinhos, amor e ecologia, mas não vai longe. Nunca chega a haver uma verdadeira dinâmica criativa, a preguiça instala-se na repetição de esquemas, a voz, sem dúvida agradável, perde-se em rodriguinhos inconsequentes. Ideal para apreciadores de flores de plástico. (3)

Beverley Craven – “Love Scenes”

pop rock >> quarta-feira, 06.10.1993
NOVOS LANÇAMENTOS POP ROCK


Beverley Craven
Love Scenes
Epic, distri. Sony Music



Vinte valores para a carinha dela. Outros tantos para o que se adivinha do resto que a capa mostra. Beverley Craven canta as suas cenas de amor envergando, segundo reza a foto da frente, um traje e um “look” anos 70, calças em boca de sino, “pullover justo”, mulher fatal com o cérebro a trabalhar. “Love Scenes” resume-se a esta imagem, cuidados extremos na produção, uma bela voz e canções que deslizam pelo ouvido (nem sequer chegam a tocar o coração) sem deixar marca. Vulgar “mainstream” em forma de baladas boas para derreter corações, sem dúvida, mas de chocolate. Ainda assim Beverley aprofunda um pouco e canta como Mathilde Santing, em “Feels like the first time”, molha o pãozinho no leite no resto dos temas e o que sobra de interessante é o sopro repentino de vida tratada pela secção de metais que Lenny Pickett (dos Borneo Horns) arranjou para “Blind Faith” e a versão de homenagem aos Abba, “The winner takes it all”, impulsionada por uma guitarra baixo cantante. Bastante pouco para um disco que recorreu a mão-de-obra de qualidade: Jeff Beck (também requisitado por Kate Bush, no recente “The Red Shoes”), Nana Vasconcelos e os dois Fairport Convention, Simon Nicol e Martin Allock. Além do escocês Billy Jackson, dos Ossian, de quem mal se dá por ele a tocar “tin whistle” em “In those days”. Fiquemo-nos, então, a mirar o ar saudável da menina e a sonhar com o dia em que ela aprenderá a compor canções pelo menos tão atraentes como a sua figura. (5)

Cesária Évora – “A História De Uma Descoberta” (televisão | concerto | documentário)

televisão e rádio >> terça-feira, 05.10.2019


DESTAQUE
A História De Uma Descoberta


CHAMAM a Cesária Évora “rainha da morna”, essa cadência dolente que jorra das ilhas de Cabo Verde como um choro que vem da terra – da alma da terra. Morna é fado atlântico, misto de tragédia e resignação, temperado com o sal do mar. Saudade tropical. Cesária Évora é “Miss Perfumado” e “Crioula sofredora”, senhora do Mindelo que durante meio século deixou perder o olhar no “Mar Azul”. Como quem esperava que alguém a fosse buscar.
Foram os franceses, há coisa de dois anos. Descobriram-lhe a voz e a fundura do canto. Mas também o corpo pesado e o “alcoolismo imponente” que, juntamente com a voz grave forjada no fogo do grogue velho, fascinaram “nos mais” ao ponto de incluírem Cesária Évora na “aristocracia mundial de cantoras de bar”. O “cliché” mostra a imagem sedutora de uma Bessie Smith africana, copo de “whisky” na mão, cigarro ao canto da boca a queimar-lhe cada canção. Fizeram dela uma estrela – a Cesária que não gosta de dar entrevistas e canta “onde calha”, como ela própria diz. Calhou no Theatre de la Ville e no Olympia de Paris.
O filão da “world music” ajudou a transformá-la num fenómeno. De vendas, bem entendido: 17 mil cópias vendidas de “Mar Azul”, mais 50 mil, até agora, de “Miss Perfumado”, eleito “álbum do ano no domínio da ‘world music’” pelo jornal “Libération”.
Por cá nunca ligámos muito. Cabo Verde, como a Guiné, como Angola, ou como Moçambique, nunca nos disse nada que quiséssemos ouvir. Encerrada a mina, voltámos as costas. Fomos portugueses como nos habituámos a ser. Deixem-nos mas é cá no nosso cantinho. Mas alto aí. Se os franceses gostaram e os jornais escreveram, é porque ela (ela quem?) deve ser boa. E, no fim de contas, até um pouco portuguesa. Um pouco nossa.
E assim, como num conto de fadas, chegada aos 51 anos de idade, abrimos-lhe as portas como quem recebe uma irmã. E deixámos entrar a galope, nas vagas, as mornas de B. Leza, o pai de todas as mornas, que Cesária traz na voz e no coração. Passámos a ter o nome “Cise”, como a cantora é conhecida entre os amigos, na ponta da língua. Obviamente aplaudimos. Por acaso foi no Teatro de São Luiz, em Lisboa, no mês de Maio, mês dos mil odores da Primavera, que os portugueses descobriram “Miss Perfumado”. É mentira, Chico, que haja “tanto mar a nos separar”.
Cesária Évora
SIC, às 22h30