Arquivo mensal: Outubro 2024

Baka Beyond – “Spirit Of The Forest”

pop rock >> quarta-feira >> 12.01.1994
world


Baka Beyond
Spirit Of The Forest
Hannibal, distri. MVM



Projecto de Martin Cradick, dos Outback, e da sua mulher Su Hart, baseado na música dos pigmeus Baka, habitantes da floresta que se ergue na fronteira entre os Camarões e o Congo, quando da estada dos dois nesta região, em 1992. “Spirit of the Forest” é constituído por temas compostos por Cradick, embora com base na música dos pigmeus, versões de composições dos Baka ou simplesmente música inspirada na própria floresta. Cradick editou, em paralelo com este, um segundo disco contendo somente sons da floresta, sem qualquer tratamento adicional.
Em “Spirit of the Forest”, Cradick juntou “samples” de percussões, uma guitarra e um bandolim às vozes gravadas “in loco” de músicos pigmeus e ao violino e flauta de Paddy Le Mercier, o único convidado ocidental. Desta convergência de sons e atitudes resultou um típico álbum de fusão que alterna um ritmo quase sempre irresistível, como no imparável “The man who danced too slowly”, com as sonoridades da guitarra e do bandolim, quase ao estilo de um Júlio Pereira africano. “Bounaka” é outro ponto alto da reunião, uma celebração do espírito da floresta personificada na voz colectiva de Cradick, Su Martin, Bounaka e o coro dos pigmeus Baka, com “samples”, violino, pífaro, guitarra, bandolim e uma kora. Música de dança, para o corpo e para o espírito. (7)

Ingrid Karklins – “A Darker Passion”

pop rock >> quarta-feira >> 12.01.1994
world


Passagem Para O Desconhecido

Ingrid Karklins
A Darker Passion
Green Linnet, import. Contraverso



Pois é, a confusão aumenta a cada instante e ainda bem. World, étnica, folk, tradicional, são cada vez mais termos sinónimos de inovação. A nova música passa pela descoberta dos estratos mágicos do mundo. Definir a música de Ingrid Karklins, uma americana do Texas, filha de pais lituanos, é tarefa impossível. Muitos só com a ajuda de um microscópio conseguirão vislumbrar em “A Darker Passion” os elementos susceptíveis de integrar este álbum em qualquer uma das categorias acima enunciadas.
Comecemos pela voz, um misto de Laurie Anderson, Mari Boine Persen, Kate Bush e da canadiana, menos conhecida, Dalbello. Ou seja, uma voz que percorre sem esforço a gama vocal que vai do sussurro ao grito. A música inclui quatro temas tradicionais da Lituânia, um do Texas e outro da tradição gaélica. O resto são composições originais. A propósito desta mescla estranhíssima que alinha as percussões sampladas a flautas, violinos, saxofone, violoncelo e um “kokle” (variante lituana do “kantele” finlandês, família dos saltérios), Mário Alves, da Etnia, referiu-se a uma espécie de “efeito Hedningarna” sobre o auditor. Isto é, um choque emocional causado por uma estética sem filiação visível. Andrew Cronshaw, músico e redactor da “Folk Roots”, confessou o seu espanto e rendeu-se sem perceber muito bem a quê. Música experimental, sem dúvida. Se nos Hedningarna a matriz tradicional é ainda o esteio firme de uma música que se vai até ao ponto limite de tensão, em que um passo a mais em frente poderá significar a ruptura, em “A Darker Passion” essa ruptura está consumada. Ingrid Karklins ultrapassou o ponto a partir do qual já não há retorno. Está só, numa terra de ninguém.
Se, em temas como em “Crack the slab” e, sobretudo, “Hiro/Smitten”, é lícito resguardarmo-nos no paralelismo vocal (e mesmo estrutural) com Laurie Anderson e, em “Metenitis”, não anda distante o som dos Hedningarna, no resto do disco navegamos sem bússola nem leme pelos mares em que tudo é possível e as formas se encaixam entre si com o maior desprezo pelas escolas e movimentos instituídos. Claro que “sentimos”, mais do que percebemos, a existência de códigos conotados com a herança étnica, em faixas como “Es apkalu ozolinu/Oceans apart”, “Kupla, kupla liepa auga” ou “Visas manas sikas dziesmas”, mas, mesmo nestas, a estranheza instala-se – fruto de uma impossibilidade de reconhecimento de normas pré-existentes. Pormenores de somenos quando o prazer sobeja em nos deixarmos arrastar na descoberta de um novo continente. Imaginário, obviamente, mas onde suspeitamos que haja uma lógica escondida e um elo de ligação com algo ainda por definir. (8)

Art Zoyd – “Marathonnerre I & II”

pop rock >> quarta-feira >> 12.01.1994


Art Zoyd
Marathonnerre I & II
Atonal, import. Contraverso


Poucos grupos além dos Art Zoyd se poderão orgulhar de possuir uma discografia em que não se vislumbra qualquer ponto fraco. Com efeito, esta banda francesa ocupa hoje uma posição privilegiada na música deste século, naquele lugar onde se cruzam todas as épocas e as etiquetas “popular” e “erudita” deixam de fazer sentido. “Marathonnerre” é a nova obra de fôlego dos Art Zoyd, actualmente um trio formado por Thierry Zaboitzeff, Gérard Hourbette e Patricia Dallio, editada em dois compactos separados, composta para um espectáculo “multimédia” do mesmo nome, com 12 horas de duração, apresentado ininterruptamente entre o meio-dia e a meia-noite, segundo coreografia e realização de Serge Noyelle. À semelhança dos anteriores “Berlin” (uma das obras-chave, senão a maior, da música alternativa dos anos 80) e “Nosferatu”, sobre a obra do expressionista alemão Murnau, “Marathonnerre” é uma obra desmesurada com a dimensão mítica de Wagner, a alma presa à memória dos Magma e a disciplina férrea própria dos Laibach. A electrónica e a manipulação dos “samplers” ganham aqui importância crescente, com algumas sequências a recordarem as sínteses electro-étnicas da dupla Musci-Venosta. A música evolui por ciclos amplos, em alternância de tensões e clímaxes instrumentais. Música de câmara do século XXI por uma dupla francesa, Thierry Zaboitzeff e Gérard Hourbette, que é a digna sucessora da parelha, igualmente gaulesa, formada nos anos 70 por Christian Vander e Jannick Top, o núcleo de fogo dos Magma. Fundamental. (9)