Arquivo mensal: Junho 2009

Carlos Nunez – Os Amores Libres

25.06.1999
Muineiras No Redondel
Carlos Nunez
Os Amores Libres (7)
Ed. e distri. BMG

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Carlos Nunez, rei incontestado (em termos exclusivamente técnicos, entenda-se) da gaita-de-foles galega (a concorrência esforça-se mas quando chega perto já ele dobrou a curva seguinte do caminho…), volta a fazer questão em provar que o seu reinado está longe de ter chegado ao fim. Neste aspecto, o cartão de visita que paresenta logo de entrada, em “Jigs and Bulls”, “jigas e touros”, é de tirar a qualquer um a vontade de voltar a dedilhar uma ponteira… Este e outros temas de “Os Amores Libres”, funde amúsica céltica do Norte de Espanha e o flamenco, do Sul, a “muineira galega com a rumba gitana”, como Carmen Linares canta em “A Orillas del Rio Sil”. “Muineiras da sorte” usa um disco antigo de 78 rpm do guitarrista de flamenco, Sabicas. Uma das maiores proezas de “Os Amores Libres” é ter conseguido arrumar, sem demonstrações de exibicionismo, o previsível exército de convidados (neste aspecto, projectos deste tipo estão a tornar-se numa espécie de corrida para bater ecordes…), ose incluem Donal Lunny, Carlos Benavent, Manuel Soler, Liam O’Flynn, Juan Manuel Canizares, Dan Ar Braz, Derek Bell, Frankie Gavin, Martin O’Connor, Phil Cunningham, Arty MaGlynn, Sharon Shannon, Kevin Conneff, Rafael Riqueni, Nollaig Casey, Mike Scott (dos Waterboys, em “Raggle taggle gypsy”, a rivalizar em tom “pub” com a versão, já muito velhinha, dos Planxty), Paddy Keenan, Jackson Browne, Hector Zazou, Vicente Amigo, Bagad Kemper, um punhado de músicos árabes, um coro sufi e… Teresa Salgueiro, que canta “Maria Solina” (ao lado de Phil Cunningham e Lyam O’Flynn), um tema do mar e de piratas turcos, em forma de “air”, como se toda a sua vida fosse passada a cantar música céltica da Galiza. Há um momento mágico, em “Os Amores Libres”: “Danza da lua em Santiago”, com o Coro Sufi Andalusi de Tânger, a electrónica de Hector Zazou e uma gravação, com vozes não identificadas, dos anos 20. Quem já lá esteve, junto à catedral, de preferência na Praça Quintana, one chegam os peregrinos, compreenderá que magia é esta… Um disco de fusão bem mais conseguido que a anterior “Irmandade das Estrelas”.
Nota: O crítico desespera. Quer escrever sobre tudo o que acha que vale a pena mas o excesso de edições não perdoa. Saíram excelentes discos, entre novidades e reedições que aconselhamos vivamente. Eis uma pequena parte: “Debateable Lands”, de Kathryn Tickell, “Ravenschild”, de Maddy Prior, “A Bed Of Roses”, de Lal Waterson e Oliver Knight, “Timber Timbre” dos Whistlebinkies, “Viaxe por Urticaria” dos Berrogüetto, “Rock & Reel”, dos La Bottine Souriante, “Turbulences”, de Alain Pennec, “Rain, Hail or Shine”, dos Battlefield Band, “October Song”, dos House Band, “Danú”, dos “Danú”, “Scenes of Scotland”, de Isla St. Clair, “Chap’ti, l’Va Loin”, dos La Marienne, “The Parish Notices”, de Jez Lowe & The Bad Pennies, “Vouleurs Liviou” dos Skeduz, “No Chao do Souto”, dos Sons do Muino, “This Strange Place” dos Wolfstone, “New Moves”, dos Xenos, “Naturalmente”, dos Muxicas. Reedições: “Musique d’Auvergne”, dos Gentiane, “A Collection”, colectânea de temas dos anos 60 de Martin Carthy, “Sweet England”, álbum de estreia de Shirley Collins, gravado em 1959, “Folk Roots, New Routes”, de Shirley Collins com Davy Graham, “The Bonnie Pit Laddie”, dos High Level Ranters… Na altura em que este texto estava a ser escrito, chegou à redacção a estreia da gaiteira galega Susana Seivane. O mesmo ainda não aconteceu com o novo de Norma Waterson.

Gong – Family Jewels

12.03.1999
Gong
Family Jewels (7)
2xCD Gas, import. FNAC

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Nada de confusões, “Family Jewels”, apesar do genérico com o seu nome, não é um novo disco dos Gong, nem sequer uma compilação de material antigo do grupo mais excêntrico da cena Canterbury dos anos 70. Trata-se de uma compilação, sim, mas de temas sortidos gravados por amtigos elementos do grupo, organizados como uma sequência de “ofertas”, classificadas em ficheiros com títulos tão estranhos como toda a filosofia da banda emanada dos sonhos de haxe do australiano Daevid Allen: “Doomy progrox”, “Crystaline wind chime”, “Aqua riddims”, “Greenie baby bloomer singles bar jazz”, “Documentary evidence of reality”, etc. Encontra-se de tudo nesta colecção de temas, gravados ao vivo ou em estúdio, desde apanhados da derivação vibrafonística de kazz-rock, Pierre Moerlen’s Gong, aos típicos gemidos da prostituta cósmica Gilli Smyth misturados com cantos de baleia, passando por introduções declamadas, “jam sessions” e solos de guitarra do fundo do bule e excentricidades várias por Daevid Allen, Pip Pyle, Gilli Smyth, Mike Howlet, Didier Malherbe e os próprios Gong em reencarnações recentes nos anos 90. Uma reunião que consegue manter acesa a chama dos “pot head pixies”, hoje um agregado familiar constituído, dizem eles, por uma “vasta tribo de amantes, entes queridos, inimigos e amigos que encoraja a participação e o envolvimento mútuo em múltiplos eventos”. “Family Jewels” é mais uma colherada de tempero no guisado de idiossincrsias que, desde sempre, revolveu as entranhas dos Gong, mais do que uma banda no sentido convencional do termo, uma agremiação telepática de lunáticos. Ou “revolucionários zen”, como eles próprios se intitulam.

Hedningarna – Karelia Visa

05.03.1999
World
As Raparigas Finlandesas Estão De Volta
Hedningarna
Karelia Visa (9)
Silence, distri. MC – Mundo da Canção

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LINK
pwd: evrenselmuzik

O aparecimento de um novo álbum dos suecos Hedningarna já não provoca a mesma onde de admiração e estupefacção que se levantou quando “Kaksi!” irrompeu no mercado de world music em 1992. Nessa altura “Kaksi!” rebentou como uma bomba, carregada com uma mistura explosiva de sons tradicionais e electricidade que rivalizava em volume e energia com qualquer banda de “heavy metal”. Foi ainda este álbum que deu origem ao consequente “boom” de novas bandas escandinavas no resto da Europa. Mas se o choque causado por “Kaksi!” se disspou, não esmoreceu a expectativa de acompanhar cada passo da evolução de uma das bandas mais excitantes da cena folk actual.
Depois de “Kaksi!”, os Hedningarna avançaram no sentido da electrificação, passando pelo paiol de dinamite de “tra” (1994) antes de entrarem decididamente (e, para alguns, perigosamente) nos territórios da música de dança, em “Hippjokk” (1997), segundo um trajecto que culminaria, nesse mesmo ano, com o álbum de remisturas, “Remix Project”. A partir daí ofereciam-se ao grupo duas vias: ou deixavam, em definitivo, de poder ser considerados uma banda folk (o que, por si só, não constitui nenhum defeito) ou encetavam nova mudança de rumo. A escolha recaiu sobre a segunda destas hipóteses. “Karelia Visa” é um retorno à vertente mais tradicional que caracterizava o álbum de estreia do grupo, “Hedningarna”, de 1989. Primeira verificação importante e que a própria promoção faz questão de frisar quando anuncia que “the finnish girls are back at the microphones!” é o regresso das duas cantoras finlandesas, Sanna Kurki-Suonio e Anita Lehtola, que haviam abandonado o grupo deppois de “Tra”, amputando “Hippjokk” de um dos seus órgãos vitais.
Em “Karelia Visa”, resultante da estadia dos Hedningarna, na Primavera e no Verão passados, em Carélia, região fronteiriça entre a Rússia e a Finlândia, as duas recuperam o anterior protagonismo, assinando vocalizações empolgantes e, nalguns casos, como em “Neidon Laulu”, verdadeiramente mágicas. “Karelia Visa” ignora deste modo a vontade de todos aqueles que desejariam continuar a deliciar-se com a anterior postura “headbanger” do grupo, para obedecerem a uma motivação mais profunda e que os próprios músicos enunciam: “Durante anos estudámos e deparámo-nos com a tradição das canções rúnicas (‘runosongs’) de Carélia, através da audição de velhas gravações em cilindro de cera ou da leitura de livros, usando este conhecimento para uma interpretação livre e nos nossos próprios termos das mesma. Desta vez quisemos ir mais além, em direcção ao núcleo e à fonte da tradição. Regressámos cheios de imagens [algumas delas reproduzidas no livrete do disco] e de sensações sobre a vida em geral e da Carélia em particular.” Depurados da febre que os consumia, os Hedningarna voltaram, paradoxalmente, a surpreender, ficando a “continuação” de “Hippjokk!” guardada para a futura gravação de um disco de Björn Tollin e Hallbus Totte Mattson com o grupo de música de dança Virvla. Com “Kareli Visa”, os Hedningarna recuperaram o mistério das primitivas florestas pagãs e uma aura da imprevisibilidade.