Arquivo mensal: Junho 2024

Ry Cooder – “Trespass”

pop rock >> quarta-feira, 17.11.1993


Ry Cooder
Trespass
Sire, import. Contraverso



Os caminhos de Walter Hill, cineasta especialista em filmes de acção, e Ry Cooder, o papa da “bottleneck guitar”, voltam a cruzar-se depois de anteriores colaborações em “The Long Riders”, “Southern Comfort”, “Streets of Fire” e “Crossroads”. Ao contrário das sonoridades lânguidas da guitarra que nos últimos anos fizeram a sua imagem demarca junto do grande público, muito por culpa da banda sonora que assinou para Wim Wenders em “Paris – Texas”, “Trespass” é uma deflagração de violência e de metais em colisão que remete mais para grupos como os Test. Dept. e Einstürzende Neubauten do que para as refracções vítreas da guitarra que ilustram parte da sua discografia. “Jazz”, é claro, é obra-prima à parte. No fundo é como se Ry Cooder estivesse aqui a sacudir uma imagem “clean” que apenas em ínfima medida é a sua, lembrando, a quem já o tinha esquecido, a sua colaboração no passado com um dos primeiros profetas da dissonância, Don Van Vliet, mais conhecido por Captain Beefheart. Dos quadros ambientais e corrosivos de “Orgill bros.”, “Totally boxed in” e “We’re rich” (semelhança com a música de Peter Principle) e das percussões industriais de “Trespass” (main title)”, “Goose and lucky”, “Give’em cops” e “Lucky in the trunk” às duas canções que fecham o disco, “King of the street” e “Party lights” (dedicatória nocturna à “country music”, com Van Dyke Parks, nome mítico da moderna música americana e seu amigo de longa data). “Trespass”, com o trompete de Jon Hassell sempre discreto mas determinante na criação da trama ambiental, funciona como um martelo-pilão que esmaga por completo qualquer preconceito que pudesse subsistir sobre a música de Ry Cooder. Longe ficaram desta vez a respiração dos grandes espaços e a limpidez de uma guitarra de cristal. (7)

Sérgio Godinho – “Exposição à Luz” (concertos | antevisão)

pop rock >> quarta-feira, 17.11.1993


EXPOSIÇÃO À LUZ



Sérgio Godinho vai mostrar 2ª Face Visível”, título inspirado na sua canção “A face visível da Lua”. No próximo sábado, no Porto, e na quarta-feira e no sábado da semana seguinte, em Lisboa, o autor do recente “Tinta Permanente” volta às actuações ao vivo, depois do sucesso alcançado com o anterior espectáculo 2Escritor de Canções”. O novo encontro ao vivo, de genérico “A Face Visível”, será, nas palavras de Sérgio Godinho, “bastante enérgico” embora integre momentos de maior intimismo (como será o caso de uma canção interpretada só com a guitarra acústica) e “mais exteriorizado” que “escritor de Canções”. Sérgio Godinho cantará os nove temas que compõem “Tinta Permanente”, num total de 28 canções que preencherão oo concerto. Temas antigos, outros menos, que Sérgio Godinho gosta de “tirar da prateleira”, mas que vão ter novos arranjos. “Vou sempre a uma lista básica de canções e depois olho para os meus discos e escolho. Por exemplo, vamos tocar o “Caramba”, do álbum “Canto da Boca”, que se presta muito às vozes e a um jogo interactivo entre os músicos. Não há canções que eu considere obrigatórias, embora haja algumas que possam ser consideradas como os “greatest hits” [risos]. O João Paulo está a fazer versões que, embora não as tornem irreconhecíveis, reflectem contudo, uma atitude um bocado diferente. Quando uma pessoa trabalha comigo gosto que dê os seus palpites.”
“A Face Visível” será ainda o reatar de velhas e o estabelecimento de novas relações entre o músico e o público. “Há muito tempo que não punha um concerto de pé”, diz, “e é evidente que quando fiz o ‘Tinta Permanente’ seria lógico que o fizesse. O disco saiu no fim de Abril, já um bocado em cima do Verão, havia outros compromissos e por isso só agora foi possível fazê-lo. Até porque agora me apeteceu tocar com uma formação mais alargada.”
Coincidência é o facto de o primeiro espectáculo se realizar no Porto, como coincidência é ainda fazer este mês uma ano desde que “Escritor de Canções” foi apresentado pela primeira vez ao vivo nesta cidade, precisamente no mesmo Rivoli.
“A Face Visível” será provavelmente o último espectáculo realizado no velhinho Rivoli, antes de sofrer obras de remodelação. “Não sei”, brinca o autor de “Sobreviventes”, “se assim for até podemos escaqueirar no fim aquilo tudo, desde os camarins até à sala [risos], de preferência com martelinhos.”
Que “face visível” será então dada a ver? “É o palco, o sítio onde estamos meis expostos. À luz.” Com Sérgio Godinho, vão estar em palco João Paulo Esteves da Silva, piano e direcção musical, Mário Franco, baixo e contrabaixo, António Pinto, guitarra, Paleka, bateria, José Salgueiro, percussões, Jorge Reis, saxofones, Filipa Pais, Sandra e Dora Fidalgo, coros.
Dia 20,
Teatro Rivoli,
Porto, 22h
Dias 24 e 27,
Teatro S. Luiz,
Lisboa, 22h

Luís Represas – “Represas”

pop rock >> quarta-feira, 17.11.1993


Luís Represas
Represas
Edição EMI – VC



Que Luís Represas tem boa voz está fora de questão. O problema, agora que os Trovante se acabaram, é: que fazer com esta voz? Porque, por mais que Represas vá para Cuba e toque com músicos cubanos, como aconteceu nesta sua estreia discográfica a solo, o que ouvimos é sempre a voz dos Trovante e canções que poderiam pertencer aos Trovante. Represas não tem culpa. Tem a voz que tem e escolheu as canções que lhe assentam melhor. Mas, que diabo, o que poderia ser o início de uma nova aventura e o cortar de amarras definitivo com o passado fica-se por uma prestação morna e pela segurança de arranjos que não arriscam um centímetro. Está certo, Pablo Milanés canta num dos temas (“Feiticeira”) e, lá está, os escassos segundos em que tal acontece chegam para emprestar à canção uma aura de diferença e excitação. Mas o resto poderia ter sido tocado e gravado na Islândia ou na Cochichina que ninguém dava por isso. Nenhum tema se destaca dos outros o que significa que nenhum é melhor ou pior do que os outros. São na totalidade medianamente agradáveis, a produção e execução instrumentais são imaculados, Luís Represas, repete-se, canta bem com uma perna às costas. E fica-se à espera doq eu não vem. Mesmo assim, vamos lá destacar a força de “Olhos” e “Guaganco y fado”, único tema em que, na primeira parte, é visível a influência sul-americana, um “Fora de Tempo” sepulcral e “A vez mais próxima do fim” em que Luís Represas canta como Rui Veloso um tema que poderia ter sido escrito por Fausto. É caso para dizer que o excesso de represas refreou em demasia o caudal. (5)